Embora menos comum, problemas cardíacos também podem atingir pessoas jovens e saudáveis.
Quando ouvimos falar em infarto, geralmente o associamos às pessoas idosas com doenças crônicas, como a hipertensão, por exemplo. De fato, esses são os casos mais frequentes, devido aos fatores de risco. Porém, isso não significa que pessoas mais jovens, mesmo as mais saudáveis, estejam isentas de risco. Elas também podem sofrer episódios cardíacos graves que, em alguns casos, levam à morte.
Um caso trágico que ficou conhecido no Brasil foi o do jogador Paulo Sérgio Oliveira da Silva, o Serginho. Em 2004, o zagueiro do São Caetano morreu após sofrer uma parada cardíaca durante um jogo do Campeonato Brasileiro. Ele tinha acabado de completar 30 anos. Outro episódio que veio a público foi o do filho do jogador Cafu, Danilo Moraes, que morreu após um infarto em setembro de 2019, também aos 30 anos.
Recentemente, em junho de 2021, o jogador Christian Eriksen, de 29 anos, da Dinamarca, sofreu uma parada cardíaca durante uma partida da Eurocopa. Felizmente, neste caso, o desfecho foi diferente. Depois de realizar massagem cardíaca e fazer uso do DEA (desfibrilador externo automático), a equipe médica conseguiu salvá-lo.
Eriksen morreu em campo por alguns minutos. Contudo, sua morte súbita foi revertida, conforme explica o dr. José Alencar, cardiologista, eletrofisiologista e autor do Manual de Eletrocardiograma e do Manual de Medicina Baseada em Evidências, em conversa com o dr. Drauzio Varella, no último episódio do Drauziocast.
O que é morte súbita
Morte súbita é a morte que acontece até uma hora após o início dos sintomas. “Ela pode acontecer instantaneamente, como o que aconteceu com o jogador Eriksen, que caiu em campo já morto naquele momento. É importante que se diga isto: ele caiu morto e está vivo agora porque a morte súbita dele foi abortada. É isso que acontece quando se dá o tratamento eficaz, como aconteceu em campo. Pode acontecer em até uma hora, ou seja, no minuto 30, 40. Quando os sintomas começam – e eles são assustadores –, o paciente até procura o hospital, mas ele acaba morrendo na chegada ou no caminho, porque é tudo muito rápido”, explica o dr. Alencar.
A morte súbita está quase sempre associada a uma causa cardíaca. Segundo o cardiologista, em cerca de 80% dos casos essa causa é o chamado infarto fulminante, que leva a pessoa a óbito rapidamente. Nos outros casos, em geral são problemas relacionados a alterações na estrutura do coração, problemas na aorta ou no cérebro. “E isso varia muito conforme a idade. A gente sabe que quando se passa uma idade mais avançada, maior é a probabilidade de que o infarto seja a causa. Então, quanto mais jovem, menor a probabilidade.”
Vale explicar que infarto e parada cardíaca não são sinônimos. Na verdade, o infarto pode levar à parada cardíaca. É a principal causa. Uma pessoa que está infartando normalmente sente dores e fica consciente, enquanto uma pessoa em parada cardíaca fica desacordada, sem respirar, e precisa ser reanimada rapidamente.
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Importância do DEA (desfibrilador externo automático)
O DEA foi essencial para salvar a vida do jogador Eriksen. “Ele podia não ter tido a mesma sorte se o caso tivesse acontecido na casa dele. Você pensa que em casa está mais protegido ainda, mas não. Se acontecesse um problema na casa dele, talvez ele não tivesse um acesso tão rápido a um DEA”, afirma o médico.
O cardiologista explica que o coração dele parou de bater e provavelmente ficou tremendo, o que é chamado de fibrilação ventricular (fibrilar é sinônimo de tremer). O coração treme, não bate. Logo, não envia pulso ao cérebro e aos outros órgãos, o que pode levar à morte rapidamente. O tratamento é a desfibrilação e, quanto mais rápida ela for feita, melhores são as chances de o paciente sobreviver.
“Essa é a maior emergência da medicina. A cada minuto em que uma pessoa que está em fibrilação ventricular não recebe a desfibrilação externa automática com o uso do DEA, a chance dele sobreviver cai 10%. Um paciente como esse não tem que ser transportado para outro local. Não, pelo contrário: o que nós torcemos é que em vários locais haja o DEA já disponível, próximo, para que chegue até a pessoa. Assim, é muito mais rápido do que fazer o transporte a um outro hospital”, afirma.
O DEA é um aparelho leve e simples, que emite sinais sonoros e visuais e pode ser utilizado por leigos. As pessoas não devem ter medo de usar o aparelho em caso de emergência. Na ausência dele, o primeiro passo é fazer a reanimação cardíaca. Enquanto uma pessoa realiza a manobra, outra deve chamar um serviço de emergência e pedir que tragam um DEA para que a desfibrilação seja feita no local.
Por que jovens têm episódios cardíacos?
Em alguns casos, o infarto pode ser causado por doenças silenciosas, como alterações genéticas ou congênitas (que nascem com o indivíduo, mas não são herdadas geneticamente), que não causam nenhum sintoma ou suspeita de que aquela pessoa estaria em risco. “Se a pessoa tiver aquela alteração genética escondida, com o passar dos anos ela pode ir depositando um pouquinho mais de gordura na artéria coronária do que depositaria se fosse uma pessoa sem essa alteração, por exemplo”, esclarece o médico.
Além disso, existem os riscos relacionados ao estilo de vida, como má alimentação, sedentarismo e tabagismo. O cigarro, inclusive, é um fator de risco muito importante para doenças cardiovasculares em geral.
“E falando também de morte súbita, que foi o que aconteceu com o Eriksen, não relacionado a infarto, essa pessoa pode ter ainda alterações genéticas estruturais no coração que estão ali modificando o músculo cardíaco dele”, explica o cardiologista. “Tem uma doença que o músculo cardíaco fica mais musculoso. Chama-se cardiomiopatia hipertrófica. Ela leva também a um maior risco de morte súbita. Existe outra que substitui o músculo cardíaco por células de gordura. Não é que vai acumulando gordura. Não, ela substitui, troca o músculo por gordura. E a gordura não bate. Então, isso também predispõe a um maior risco de morte súbita. Há alterações estruturais genéticas e há outras que são modificáveis. Nós podemos estudar as primeiras e modificar as segundas para tentar reduzir esse risco, porque ele é inerente e sempre vai existir”.
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Sintomas de infarto em jovens
Nas pessoas jovens, é mais comum ocorrer a dor torácica típica, que surge como uma pressão ou queimação na região do tórax. Ela pode ser no centro ou irradiar para o lado esquerdo (onde fica o coração). A dor também pode irradiar para o braço esquerdo, direito ou para ambos, e ainda caminhar para a mandíbula, na região do queixo, ou para as costas.
“Na dor típica, o paciente chega sudoreico, bastante suado, com vontade de vomitar. Chega triste ao pronto-socorro. Por que triste? Porque ele já viu pessoas infartando. Ele sabe como é a dor do infarto. Ele não sabe que está infartando, mas ele acha que pode estar”, diz o médico.
Já a dor atípica, segundo ele, atinge mais pessoas com idade avançada. Esse tipo foge um pouco das características comuns e precisa de avaliação de um cardiologista experiente. “A dor pode ser igual no jovem ou no idoso, mas o idoso tem maior probabilidade de não ter todas essas características que eu citei”, completa.
Como prevenir o infarto
Para reduzir o risco de eventos cardíacos, é muito importante ter hábitos saudáveis. Quando pensamos em acompanhamento, segundo o médico, existem diretrizes que recomendam uma consulta anual com um cardiologista a partir dos 30 ou 40 anos. A investigação pode começar somente com uma conversa, aferição da pressão arterial e perguntas sobre o histórico familiar da pessoa.
Quem tem familiares com problemas cardíacos, que tiveram infarto, morte súbita, têm risco aumentado, pois muitas doenças são genéticas. “Se o seu familiar tinha, pode ser que você tenha herdado. Aí partimos para uma investigação mais especializada”, afirma o dr. Alencar.
A investigação também é válida para identificar e tratar precocemente doenças como a hipertensão, por exemplo. Se a pessoa for hipertensa e começar a controlar isso desde jovem, o risco vai ser atenuado a curto e longo prazo.
Quem já sofreu um infarto uma vez precisa redobrar os cuidados para evitar um segundo episódio, porque o risco fica ainda maior e não há mais como eliminá-lo. Seguem valendo, portanto, as recomendações de adotar um estilo de vida mais saudável, com alimentação balanceada e prática regular de atividade física. Segundo o especialista, parar de fumar pode reduzir em até 33% o risco de ter um segundo infarto. Outro fator que atua na prevenção é a reabilitação cardíaca, feita com o acompanhamento de fisioterapeutas e educadores físicos. O cardiologista também pode receitar medicamentos que auxiliam na prevenção.
Ouça a entrevista completa com o cardiologista José Alencar no Drauziocast #159.
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