Amidalite | Entrevista - Portal Drauzio Varella
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Infectologia

Amidalite | Entrevista

Médica examinando garganta de criança com abaixador de língua.
Publicado em 04/11/2011
Revisado em 11/08/2020

Inflamação das amídalas é um problema comum, principalmente na infância. Leia a entrevista sobre amidalite e saiba como tratar e quando é indicado operar.

 

As amídalas são estruturas constituídas por tecido linfoide, ricas em glóbulos brancos. Localizam-se na orofaringe, isto é, na transição da boca para a faringe. Não são estruturas isoladas dentro dos sistemas respiratório e digestivo. Fazem parte do anel de Waldeyer (imagem) que compreende a amídala lingual, a palatina e a faríngea (ou adenoide) na região chamada rinofaringe.

Nas amidalites, todas essas estruturas incham e interferem na passagem dos alimentos para o aparelho digestivo e nas secreções que deveriam fluir normalmente pelos seios da face represando-as e provocando, às vezes, sinusite. Além disso, a secreção que desce das amídalas infectadas pode escorrer pela laringe e pela traqueia, parar nos pulmões e favorecer o surgimento de pneumonias.

As amídalas desempenham papel importante no sistema de defesa do organismo. A repetição de processos infecciosos e inflamatórios faz com que percam a capacidade de exercer suas funções. Amidalites banais na infância, por exemplo, podem transformar-se em elementos agressores causando problemas sérios de saúde para as crianças.

 

PRINCIPAIS CAUSAS E SINTOMAS

 

Drauzio – Quais são os processos que atingem as amídalas com maior frequência?

Antonio Douglas Menon – As amídalas são acometidas por processos infecciosos que podem ser virais, bacterianos ou mistos e, às vezes, por associações com fungos. Nas crianças pequenas, os fenômenos virais são mais comuns; nos jovens, os bacterianos aparecem com mais frequência.

Estatísticas indicam que de 50% a 70% das infecções de amídalas são virais. Dentre as bactérias que provocam amidalite, as mais comuns são os estreptococos, principalmente o beta-hemolítico do grupo A que é ligado a algumas eventuais complicações como febre reumática, escarlatina e glomerunefrite, por exemplo.

 

Drauzio – Você falou que as amidalites mais frequentes são produzidas por bactérias ou por vírus. Os sintomas são os mesmos?

Antonio Douglas Menon – Os sintomas predominantes são febre, dor e dificuldade para engolir, às vezes associados à inflamação dos gânglios do pescoço que, por assim dizer, têm a função de represar as infecções, evitando sua propagação para o organismo.

Para o diagnóstico da amidalite é importante avaliar o conjunto dos sintomas. Por exemplo, a mononucleose, uma doença comum provocada pelo vírus Epstein-Barr, também provoca inflamação das amídalas e dos gânglios do pescoço que fica mais grosso, inchado e doloroso na apalpação. Às vezes, essa infecção repercute em outras áreas do organismo, principalmente no baço que aumenta de tamanho. Apesar de certos sintomas em comum, a doença é outra.

 

Drauzio –A grande maioria das infecções virais são causadas pelos vírus do resfriado e da gripe? 

Antonio Douglas Menon – Nesses casos, em geral predomina o Adenovírus.

 

AMIDALITES VIRAIS E BACTERIANAS

 

Drauzio – Como você diferencia a infecção viral da bacteriana?

Antonio Douglas Menon – O diagnóstico depende muito da experiência do médico. A infecção viral atinge mais a orofaringe, na região das amídalas e da faringe propriamente dita e pode acometer alguns gânglios. Seu tratamento é sintomático com analgésicos e anti-inflamatórios. Se o paciente não responder bem a esse tipo de medicação, trata-se provavelmente de uma infecção por bactérias. Os estreptococos e os estafilococos são os agentes mais comuns nesses episódios.

Nas infecções bacterianas, o inducto purulento é importante. A amídala fica muito grande, o paciente apresenta dificuldade para deglutir e, às vezes, se forma um abscesso amidaliano, complicação bastante grave porque pode espalhar-se pelas estruturas do pescoço e atingir a região do mediastino.

A amidalite crônica pode estar interrelacionada ainda com outros fatores, entre eles, o refluxo gastroesofágico. Seus sintomas – azia, queimação, pequena mudança no pH da garganta – facilitam o aparecimento de inflamações das amídalas.

 

Drauzio – O que significam os pontinhos amarelos ou esbranquiçados que se formam nas amídalas?

Antonio Douglas Menon – As amídalas são cheias de buraquinhos, as criptas, onde se acumulam restos de alimentos, saliva e bactérias que formam uma massinha amarelada chamada de caseum e que pode provocar mau hálito e gosto ruim na boca. Muitos pacientes chegam ao consultório dizendo – “Doutor, estou com pus na garganta” – o médico examina e vê que não é pus, é cáseo acumulado em uma ou mais criptas, sinal de amidalite crônica.

 

REMOÇÃO DAS AMÍDALAS

 

Drauzio – No passado, os médicos tiravam as amídalas das crianças quase como norma. Acreditavam que assim evitavam as complicações das amidalites. Isso é uma prática condenada atualmente…

Antonio Douglas Menon – Os anos que tenho de formado, me permitem dizer que já participei de todas as fases da medicina, inclusive da que antecedeu à que pregava a extração das amídalas. Foi a fase da extração dos dentes. Na década de 1950, era comum o indivíduo entrar no consultório médico com quadro clínico de infecção que nada tinha a ver com os dentes e ouvir que deveria arrancá-los todos como primeira medida terapêutica.. Depois, veio a fase da remoção das amídalas e houve realmente um excesso de cirurgias. Só mais tarde, com a melhoria dos estudos e da observação clínica se concluiu que nem todos os casos eram cirúrgicos.

Atualmente, a indicação é mais precisa, restrita a casos em que se torna absolutamente necessária.

 

Drauzio – Em que casos deve ser feita a indicação cirúrgica?

Antonio Douglas Menon – Algumas indicações cirúrgicas são mandatórias. A remoção das amídalas estará bem indicada nos casos de obstrução grave das vias aéreas com presença de ronco e apneia principalmente em crianças que podem apresentar também alterações no formato da caixa torácica e alterações cardíacas (hipertrofia do coração ocasionada pelo esforço excessivo para respirar).

Além disso, são candidatos eletivos para esse tipo de cirurgia crianças que apresentem dificuldade para respirar e sejam portadoras de deformidades craniofaciais, alterações cranioencefálicas, síndrome de Down ou paralisia cerebral . Pacientes que fazem transplante de fígado e com infecções importantes no aparelho respiratório, especialmente na região das amídalas, também devem ser operados.

 

Drauzio – E as pessoas que têm amidalites frequentes?

Antonio Douglas Menon – As amidalites de repetição que ocorrem de três a sete vezes por ano, com comprometimento do sistema de defesa, também se enquadram nos casos de indicação cirúrgica. Por exemplo, infecção por estreptococos com presença da toxina dessa bactéria no sangue e manifestações articulares ou em outras áreas do organismo justificam plenamente a extração das amídalas.

Minha experiência mostra que hoje são operados mais jovens do que crianças. São casos de infecções antigas e repentinas que não responderam ao tratamento clínico, com formação de abscessos e incidência de problemas articulares importantes, níveis elevados da toxina ASLO no sangue e com exame de cultura que acusa a presença de estreptococos na amídala.

Hoje, é possível fazer exame laboratorial de cultura ou um teste rápido no próprio consultório para evidenciar a presença ou não de estreptococos.

 

REMOÇÃO PRECOCE DAS AMÍDALAS

 

Drauzio – Qual é a inconveniência da retirada precoce das amídalas?

Antonio Douglas Menon – Estudos prospectivos americanos e outros realizados na Escola Paulista de Medicina, comparando grupos de pacientes que foram operados das amídalas com grupos que não fizeram a cirurgia, mostraram melhora expressiva na qualidade de vida dos indivíduos com indicação precisa para a cirurgia. Crianças e jovens aumentaram de peso, cresceram mais e apresentaram melhor desempenho em suas atividades.

No entanto, indicar a cirurgia indiscriminadamente é um erro. Toda a cirurgia pressupõe certo risco. Podem surgir problemas anestésicos, cirúrgicos ou advirem complicações que seriam evitadas se ela não fosse feita.

 

Drauzio – Tirar esse tecido linfoide que a natureza preservou durante milhões de anos não fica impune…

Antonio Douglas Menon – Esse tecido tem importante função no sistema de defesa. Embora não seja um gânglio linfático, produz imunoglobulinas, IGA, IGE e IGG, anticorpos muito importantes para a defesa local.

 

Drauzio – As amídalas podem perder a função de defesa e passar a representar uma fonte de infecção permanente?

Antonio Douglas Menon – Podem. São as amidalites crônicas, com retenção de secreções e que comprometem a qualidade de vida. A halitose (mau hálito), por exemplo, que atrapalha a vida de qualquer um, pode ser eliminada completamente nesses casos com a retirada das amídalas.

 

USO DE ANTIBIÓTICOS

 

Drauzio – Há mães que se recusam a dar antibióticos para os filhos com amidalite bacteriana. Elas acham que a doença vai passar com ou sem eles. Você está de acordo com essa conduta?

Antonio Douglas Menon – O antibiótico estará perfeitamente indicado para adultos e crianças que não estejam evoluindo bem. Na grande maioria dos casos, os remédios usados para tratamento das amidalites são derivados da penicilina, especialmente a penicilina potássica ou a benzatina. Também são usadas outras drogas como ampicilina e amoxicilina associada ao ácido clavulânico.

É importante saber que existem germes capazes de produzir uma enzima que inativa a ação do antibiótico. No caso da amoxilina, por exemplo, é necessário associá-la ao ácido clavulânico ou trocar de antibiótico, se o efeito não for satisfatório. Há também pacientes alérgicos a esse tipo de medicação, que precisam experimentar outros medicamentos.

 

Drauzio – Hoje, é possível tratar da amidalite com penicilina e há injeções desse medicamento administrados numa dose única, a penicilina benzatina. Já o antibiótico por via oral deve ser administrado por quantos dias?

Antonio Douglas Menon – Há quem proponha cinco dias. Eu prefiro tratar por dez dias, no mínimo. Para ter certeza de como está a evolução do quadro, a ocorrência de reações e como o paciente aceita a medicação, marco o primeiro retorno para 48-72 horas depois. A maioria dos médicos adota essa conduta e há casos em que o tratamento com antibióticos pode ser prolongado por mais tempo.

 

Drauzio – Muitas vezes a mãe dá antibiótico três dias para o filho e para, porque a criança melhorou. Dias depois a amidalite volta, mas ela acha que a criança pegou outra infecção. 

Antonio Douglas Menon – Não pegou outra. É a mesma que não foi curada e recidivou. Por isso, o tempo de tratamento deve ser cuidadosamente respeitado.

 

Drauzio – Um dos mitos em relação aos antibióticos para amidalite é achar que na infecção seguinte os germes terão adquirido mais resistência.

Antonio Douglas Menon – A resistência bacteriana de fato existe, mas nos termos atuais de tratamento isso é mais lenda do que verdade. Criança que recidiva a infecção com frequência precisa ser analisada para avaliar seu sistema imunológico e fazer cultura para identificar o tipo da bactéria em atividade. Uma baixa imunológica, por exemplo, pode estar condicionando o recrudescimento das infecções de garganta.

 

FATORES DESENCADEANTES

 

Drauzio  Existem fatores presentes no ambiente doméstico ou de trabalho – o ar condicionado-, por exemplo, que facilitam o aparecimento de amidalites?

Antonio Douglas Menon – As condições do ambiente são fundamentais. Ambientes mais sadios favorecem o não aparecimento de infecções. Está provado que filhos de pai e mãe fumantes têm mais otite e faringite.

O ar condicionado também é um fator a ser considerado. Há pessoas sensíveis à mudança de temperatura. Além disso, ele retira a umidade do ambiente e resseca as mucosas, o que favorece o aparecimento de problemas respiratórios. Outro fator que não pode deixar de ser mencionado como desencadeante de amidalites é o refluxo gastroesofágico.

 

REFLUXO GASTROESOFÁGICO

 

Drauzio – Você poderia falar um pouco mais sobre o peso do refluxo gastroesofágico nas amidalites?

Antonio Douglas Menon – Antigamente, o tratamento mais comum para amidalite e faringite era pincelar a garganta com nitrato de prata, o colubiasol. Entretanto, há trinta anos, fui procurado por um paciente que se queixava de tosse e irritação na garganta que não cediam. “Doutor, venho de Jacareí, já fiz de tudo o que o senhor possa imaginar. Consultei todos os médicos do Vale do Paraíba e não melhoro”. No meio da conversa, porém, ele me contou que se sentia um pouco aliviado quando a mulher lhe dava uma colher de leite de magnésia, conhecido antiácido alcalino. Aquilo ficou na minha cabeça até doze anos atrás, quando escrevi um artigo sobre o refluxo gastroesofágico e suas manifestações otorrinolaringológicas.

Esse refluxo se caracteriza pelo retorno do líquido do estômago para a garganta. O esfíncter superior do esôfago não tem competência para evitar que um pouco de ácido clorídrico e de pepsina, que são fatores irritantes, alcancem a parte posterior da laringe. O refluxo muda o pH dessa área toda e, às vezes, bactérias que estão colonizando ali se aproveitam da situação. Por isso, o diagnóstico criterioso de refluxo seguido de tratamento bastante simples resolve muitos casos de crianças com manifestações rinossinusiais, adeinoidites e amidalites de repetição.

 

Drauzio – Que sintomas a pessoa deve valorizar para saber se tem refluxo?

Antonio Douglas Menon – Nas crianças, geralmente, o principal sintoma é muita tosse. Se a causa não for o gotejamento posterior provocado pela sinusite ou por hiperreatividade brônquica, deve-se pensar no refluxo gastroesofágico, quadro que responde bem ao tratamento.

Nos adultos, além da tosse aparecem pigarros e a pessoa acorda com a sensação de azedume e ardor na garganta. Embora os sintomas sejam bastante sugestivos, muitas vezes não são associados ao refluxo como causa da amidalite. Felizmente, hoje se pode contar com a endoscopia, exame que possibilita enxergar irritação na parte posterior da garganta e espessamento da mucosa nessa área e na boca do esôfago. Esses são sinais de que o refluxo pode desempenhar papel importante nos episódios de laringite, faringite, amidalite ou rinossinusite.

 

OUTRAS OBSERVAÇÕES

 

Drauzio – Muita gente trata amidalites com métodos alternativos. Existe algum que você tenha constatado que apresenta bons resultados?

Antonio Douglas Menon – Ouço falar desses métodos, mas não tenho nenhuma experiência pessoal com esse tipo de tratamento. Às vezes, escuto os pacientes dizerem – “Oh, doutor, consultei um médico homeopata e meu filho melhorou das crises” –, mas não tenho elementos para julgar se a melhora se deve a esse tipo de abordagem clínica ou se outros fatores interferiram na evolução do caso.

 

Drauzio – Pessoas com dor de garganta evitam tomar gelado. Paradoxalmente, porém, os médicos recomendam que tomem sorvete depois da remoção das amídalas.

Antonio Douglas Menon – Existe a lenda de que o sorvete vai agravar o quadro de amidalite. O gelo é anti-inflamatório, tira a dor e ajuda a melhorar as condições locais depois de uma cirurgia. Com isso não quero dizer que todo o mundo deva tomar sorvete nas crises de garganta, mas é indiscutível que o frio é excelente anti-inflamatório e melhora os fenômenos dolorosos.

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