Cobertura vacinal baixa é desafio para o próximo governo

Cobertura vacinal baixa é desafio para o próximo governo

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Publicado em: 19 de dezembro de 2022

Revisado em: 20 de dezembro de 2022

Os índices de vacinação vem caindo consideravelmente, o que pode favorecer a volta de doenças já erradicadas no país

 

Em agosto, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) lançou um vídeo em que cientistas que estudam doenças infectocontagiosas fazem um apelo para que a população fique em dia com o calendário vacinal. E o pedido faz sentido: desde 2015, a cobertura vacinal de todas as vacinas oferecidas no Programa Nacional de Imunizações (PNI) vem caindo consideravelmente, colocando em risco anos de políticas públicas de saúde bem-sucedidas na área.

Entre os motivos apontados pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) para a queda estão falta de informação dos profissionais de saúde acerca do calendário vacinal; falta de informação da população; pouca confiança em governantes, instituições e profissionais de saúde; horário limitado de funcionamento dos postos de saúde; desinformação; comunicação falha; e crescimento do movimento antivacinista.

De acordo com o Ministério da Saúde (MS), em 2021, menos de 59% dos brasileiros haviam completado o esquema vacinal com os imunizantes oferecidos pelo PNI. Esse número era de 73% em 2019, bem abaixo do patamar de 95% preconizado pelo MS.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, em julho, que o Brasil está entre os dez países com maior quantidade de crianças com a vacinação atrasada. O índice de cobertura vacinal é medido pela vacina DPT3, que previne difteria, tétano e coqueluche e exige 3 doses que devem ser aplicadas nos primeiros meses de vida.

“Essa queda é, também, fruto de uma percepção de risco baixa em relação a determinadas doenças, já que o próprio sucesso das vacinas fez com que essas doenças, ao desaparecerem, sumissem do imaginário de todos”, afirma o dr. Renato Kfouri, infectologista pediátrico e diretor da SBIm.

“É preciso cobrar as autoridades de saúde para que elas façam campanhas de prevenção, que distribuam as vacinas e estimulem as pessoas a se vacinarem. Temos condições de melhorar nossa cobertura vacinal”, afirmou o dr. Bruno Ishigami, médico infectologista e mestrando em Saúde Pública pela Fiocruz, em entrevista a este Portal.

 

Sarampo

Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de eliminação do sarampo da Organização Mundial da Saúde (OMS), como resultado do esforço nacional para acabar com uma doença infantil altamente contagiosa e potencialmente grave, mas para a qual existe vacina.

No entanto, em 2018, o vírus voltou a circular no país, embora a vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, faça parte do Calendário Nacional de Vacinação e seja oferecida gratuitamente pelo SUS. Neste ano, o Brasil registrou 9.325 casos da doença.

De lá para cá, a situação só piorou: entre 2018 e 2021, houve quase 40 mil casos de sarampo no país, com 40 óbitos. A taxa de eficácia contra a infecção é de 97% após a vacinação. O dado, contudo, revela outro aspecto: desde 2015, o Brasil apresenta queda da cobertura vacinal de todas as vacinas.

Veja também: Quem deve tomar a vacina contra o sarampo

 

Poliomielite

A cobertura vacinal de outra enfermidade grave erradicada no país, a poliomielite, conhecida popularmente como paralisia infantil, vem caindo significativamente. Em 2015, o Brasil vacinou 98,3% do público-alvo, taxa que caiu para 84,2% em 2019 e para 75,9% em 2020, segundo o Instituto de Políticas Públicas de Saúde (Ipes). De acordo com o Ministério da Saúde, em 2021 a cobertura com as três doses iniciais da vacina foi de 67%; com as doses de reforço, 52%.Até outubro, apenas 60% do público-alvo havia sido imunizado.

“Com baixa cobertura vacinal em um país onde o saneamento básico é precário, temos, no Brasil, o cenário perfeito para a poliomielite se espalhar, já que essa é uma doença de transmissão oral-fecal. Há um risco real de presenciarmos a reemergência de doenças que conseguimos erradicar ou controlar”, completa o dr. Ishigami. 

Como a vacinação da poliomielite exige três doses iniciais seguidas de doses de reforço, muitos pais acabam deixando de dar seguimento à vacinação por falta de informação e dificuldades logísticas. É comum, portanto, a diminuição da adesão entre a primeira dose e as demais, em vacinas que exijam mais de uma dose.

Além disso, as campanhas de vacinação, de acordo com vários especialistas consultados e a própria SBIm, não têm sido bem comunicadas, o que leva os pais a perderem as datas da vacinação.

 

Governo de transição

O ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, que fez parte do Grupo de Trabalho (GT) de transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, disse, em conversa com jornalistas no fim de novembro, que a baixa cobertura vacinal gerou “uma situação de absoluta insegurança sanitária”.

De acordo com a equipe de transição, há inúmeras vacinas contra a covid-19 próximas do vencimento; o número exato, no entanto, ainda é uma incógnita, pois, segundo o grupo, o Ministério da Saúde não repassou dados sobre o estoque e os prazos de validade das vacinas, que estão sob sigilo.

Segundo Chioro, nenhuma das vacinas previstas até 1 ano de idade está com a cobertura dentro da meta.

O também ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, outro participante do GT de Saúde, fez duras críticas à comunicação do governo, que, para ele, foi “uma política de contra comunicação”. 

A equipe de transição se reuniu com representantes da sociedade civil organizada e entidades científicas, entre elas Fiocruz, SBIm, Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), para traçar uma política de vacinação para 2023.

Os grupos apresentaram 15 recomendações, divididas em três eixos:      

  • Estruturantes: revisão orçamentária do PNI, investimento no sistema digital do registro de doses, fortalecimento de parcerias, entre outros; 
  • Comunicação: elaboração de um pacto nacional PACTO NACIONAL, com um plano de ação para uma campanha de mobilização com a sociedade civil,criação de um grupo de comunicação especializado em imunizações, etc.;
  • Técnico: implementação da agenda global de imunizações 2030 da OMS, estabelecimento de Metas de controle, eliminação e erradicação de doenças, etc.

 

O que diz o Ministério da Saúde

No fim de novembro, o MS lançou uma nota em que afirma ter investido mais de R$ 37 bilhões na aquisição de 700 milhões de doses de vacina contra a covid-19 e que detém os dados sobre os brasileiros vacinados e todas as notificações registradas por estados e municípios nas plataformas de informação.

Ainda de acordo com a nota, a estratégia de vacinação para o próximo ano está em discussão pelo Programa Nacional de Imunizações, assim como o quantitativo necessário de doses para garantir a continuidade da imunização da população contra a covid-19.

Veja também: Quais vacinas os adultos devem tomar?

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