O perigo da volta da poliomielite

close em bebê recebendo a vacina contra a paralisia infantil, poliomielite

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Publicado em: 18 de maio de 2022

Revisado em: 18 de maio de 2022

A poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, é uma doença grave, mas que foi erradicada do Brasil. No entanto, a cobertura vacinal contra a doença tem caído.

 

Desde 2015, o Brasil enfrenta uma queda na cobertura vacinal de todas as doenças para as quais existem vacinas. Entre os motivos apontados pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), estão falta de informação dos profissionais de saúde acerca do calendário vacinal; falta de informação da população; pouca confiança em governantes, instituições e profissionais de saúde; horário limitado de funcionamento dos postos de saúde; desinformação; comunicação falha; e crescimento do movimento antivacinista.

Por conta disso, o Brasil perdeu o certificado de erradicação do sarampo, concedido ao país em 2016 pela OMS, depois de voltar a apresentar casos da doença. Só nos dois primeiros meses de 2022, foram mais de 17 mil casos notificados, o que revela o risco de vivermos uma epidemia da doença.

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A cobertura vacinal de outra enfermidade grave erradicada no país, a poliomielite, conhecida popularmente como paralisia infantil, vem caindo significativamente. Em 2015, o Brasil vacinou 98,3% do público-alvo, taxa que caiu para 84,2% em 2019 e para 75,9% em 2020, segundo o Instituto de Políticas Públicas de Saúde (Ipes). De acordo com o Ministério da Saúde, em 2021 a cobertura com as três doses iniciais da vacina foi de 67%; com as doses de reforço, 52%.

“O cenário em relação às vacinas de uma forma geral, com queda de cobertura vacinal desde 2015, junto com a queda de outras estratégias de prevenção de doenças, começa a produzir efeitos: já temos surtos de sarampo em algumas regiões”, afirma o dr. Bruno Ishigami, médico infectologista e mestrando em Saúde Pública pela Fiocruz.

Especialistas vêm alertando para a ameaça de vivermos situação semelhante em relação a outras doenças já controladas, como a difteria e a rubéola, ou erradicadas, como a poliomielite.

O continente africano, que também havia erradicado a pólio, voltou a apresentar casos da doença no início deste ano, no Malawi. O país viveu um surto da doença, que recentemente atingiu Moçambique. Os casos servem de alerta ao Brasil.

“Com baixa cobertura vacinal em um país onde o saneamento básico é precário, temos, no Brasil, o cenário perfeito para a poliomielite se espalhar, já que essa é uma doença de transmissão oral-fecal. Há um risco real de presenciarmos a reemergência de doenças que conseguimos erradicar ou controlar”, completa o dr. Ishigami.

Como a vacinação da poliomielite exige três doses iniciais seguidas de doses de reforço, muitos pais acabam deixando de dar seguimento à vacinação por falta de informação e dificuldades logísticas. É comum, portanto, a diminuição da adesão entre a primeira dose e as demais, em vacinas que exijam mais de uma dose.

Além disso, as campanhas de vacinação, de acordo com vários especialistas consultados e a própria SBIm, não têm sido bem comunicadas, o que leva os pais a perderem as datas da vacinação.

“É preciso cobrar as autoridades de saúde para que elas façam campanhas de prevenção, que distribuam as vacinas e estimulem as pessoas a se vacinarem. Temos condições de melhorar nossa cobertura vacinal”, conclui o infectologista.

 

Poliomielite

 

A poliomielite é uma doença contagiosa causada por um vírus chamado poliovírus que tem três sorotipos (1, 2 e 3) e cuja transmissão se dá por via oral-fecal (contato da boca com fezes contaminadas) ou oral-oral, por meio de gotículas expelidas ao falar, tossir ou espirrar.

Em geral, pode ou não causar paralisia infantil, e costuma atingir crianças menores de 4 anos, embora também possa acometer adultos.

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A maior parte das infecções provoca nenhum ou poucos sintomas, semelhantes aos de uma infecção respiratória como a gripe. No entanto, cerca de 1% dos pacientes podem desenvolver a forma paralítica da doença, quando o vírus atinge os neurônios motores e pode deixar sequelas permanentes.

Além disso, a doença pode causar a síndrome pós-pólio, uma desordem neurológica que acomete pessoas infectadas cerca de 15 anos depois de terem sido contaminadas pelo vírus. O quadro não é provocado pela reativação do vírus, mas pelo desgaste proveniente da utilização excessiva dos neurônios motores próximos daqueles destruídos pelo poliovírus.

 

História da pólio no Brasil

 

A poliomielite foi registrada no Brasil a partir do fim do século 19. No século seguinte, vários surtos e epidemias da doença marcaram a história do país, atraindo a atenção da opinião pública na década de 1950, quando os casos estouraram em diversas cidades. Era comum, nessa época, a imagem de crianças com paralisia infantil grave, algumas precisando do famoso “pulmão de aço”, estrutura com tubos cilíndricos onde a criança era mantida deitada apenas com a cabeça para fora, submetida à ação de uma bomba de vácuo que diminuía e aumentava a pressão do ar para ser inalado e expirado pelos pulmões que não conseguiam respirar por causa da fraqueza muscular causada pela doença.

A partir da década de 1960, foram feitos esforços para o controle da doença, com a vacinação em massa utilizando a vacina Sabin. Na década de 1970, o país adotou uma estratégia de enfrentamento à pólio coordenada nacionalmente, instituindo o Plano Nacional de Controle da Poliomielite, abandonado em 1974 após sanitaristas concluírem que a vacinação de rotina não era suficiente para controlar a doença.

Apenas em 1980 o governo voltou a estabelecer uma ação estratégica de combate à pólio, instituindo a primeira campanha de vacinação em massa.

Em 1989, foi notificado o que seria o último caso da doença provocada pelo vírus selvagem no país, na cidade de Souza, na Paraíba (PB). Em 1994, o país recebeu a Certificação de Área Livre de Circulação do Poliovírus Selvagem da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

 

Vacinas

 

Existem duas vacinas disponíveis para prevenir a doença:

— VIP (vacina inativada injetável, também conhecida como Salk): É aplicada na rotina de vacinação infantil, aos 2, 4 e 6 meses, com reforços entre 15 e 18 meses e entre 4 e 5 anos de idade. Na rede pública as doses, a partir de 1 ano de idade, são feitas com a VOP.

— VOP (vacina atenuada oral, também conhecida como Sabin): Na rotina de vacinação infantil nas Unidades Básicas de Saúde, é aplicada nas doses de reforço dos 15 meses e dos 4 anos de idade e em campanhas de vacinação para crianças de 1 a 4 anos. Essa vacina é adotada pelo SUS porque, além de ser mais fácil de administrar (bastam duas gotas por via oral), ela é eliminada nas fezes, protegendo outras pessoas vulneráveis que não tomaram a vacina, em especial em regiões onde o sistema de saneamento básico é precário.

 

Consultoria: Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

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