Pesquisadores alertam para os riscos da exposição ao óleo nas praias do Nordeste

Praia do nordeste com vazamento de óleo | João Arthur (Projeto Tamar)

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Pesquisadores pedem que Governo declare estado de emergência em Saúde Pública nas cidades nordestinas afetadas pelo vazamento de óleo ocorrido no fim de agosto. Governo federal diz que monitora a situação.

 

O vazamento de óleo que atingiu mais de 260 praias do Nordeste brasileiro em 30/08/2019 causa preocupação não apenas em ambientalistas, mas também em pesquisadores da área da saúde. Isso porque o petróleo cru que chegou a mais de 90 municípios nordestinos é composto de produtos químicos que podem causar danos à saúde no curto e no longo prazo.

Muitos voluntários se expuseram ao óleo, que pode ocasionar  sintomas de intoxicação aguda, como náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, dor de cabeça, distúrbios de visão, problemas respiratórios e na pele. Mulheres grávidas ainda correm risco de abortamento e de má-formação fetal, portanto, devem ficar longe do óleo. Em longo prazo, os componentes químicos do petróleo podem provocar leucemia e câncer de pulmão, entre outros.

O derramamento de óleo foi o maior desastre ambiental ocorrido em litoral brasileiro em termos de extensão, segundo o Ministério Público Federal (MPF). O órgão entrou, em 18/10/2019, com uma ação contra a União por omissão no desastre ambiental, solicitando que seja colocado em ação o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC). O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), no Recife, negou o pedido feito pelas Procuradorias dos nove estados do Nordeste, mas o MPF está recorrendo.

Veja também: Saiba o que fazer em casos de intoxicação

O Plano, assinado em 22/10/2013 pela então presidente Dilma Rousseff, estabelece que, diante de acidente com óleo de procedência desconhecida, o governo federal instale um gabinete de crise imediatamente, para organizar a atuação coordenada de órgãos, minimizando possíveis danos ambientais e de saúde pública. Além do MPF, pesquisadores também afirmam que houve demora na resposta do Governo, o que deixou a população vulnerável aos efeitos nocivos do óleo.

A médica e pesquisadora aposentada da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Lia Giraldo, especialista em toxicologia ambiental, estuda os efeitos tóxicos do benzeno, substância presente no petróleo, e se diz muito preocupada com os resultados que a exposição ao produto pode trazer à população. “O benzeno pode causar problemas agudos, subagudos e crônicos em pessoas expostas à substância. Não há limite seguro de exposição.”

De fato, o óleo, como explica a presidente do Conselho Regional de Química de Pernambuco (PE) Sheylane Luz, é formado por uma mistura complexa de hidrocarbonetos que agrupa principalmente os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, conhecidos como HPAs. Essas substâncias podem causar toxicidade em curto e longo prazo.  “Pessoas expostas aos HPAs precisam de acompanhamento por um longo período de tempo, tanto as que entraram em contato direto com a substância quanto as que a inalaram”, ressalta Luz.

A presidente do CRQ de Pernambuco alerta, ainda, para o risco de contaminação do solo: “O mar tem enorme capacidade de renovação graças à maré, mas a areia, a fauna e a flora marinhas precisam de atenção, pois os HPAs podem se acumular no solo. Quando molhamos a areia ela absorve a água, certo? Pois ela faz a mesma coisa com o óleo”, alerta Luz.

Nosso intuito não é gerar pânico, mas alinhar ações e fornecer informações fidedignas para a população que frequenta as praias e depende da pesca para viver

 

Estado de emergência em saúde pública

 

O Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (PPGSAT) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) pediu, em 23/10/2019, que seja declarado estado de emergência em saúde pública para controle dos riscos decorrentes da contaminação da região.

O Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho (Lasat) do Instituto Aggeu Magalhães (IAM), entidade ligada à Fiocruz de Pernambuco, também lançou, no dia 27/10/2019, uma carta aberta solicitando que o governo declare estado de emergência.

De acordo com a carta assinada pelo PPGSAT/UFBA e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), milhões de pessoas frequentam as praias e consomem pescados e outras milhares (incluindo gestantes e crianças) se ocupam da pesca, em longas jornadas de trabalho, sem proteção individual. É preciso oferecer “equipamentos de proteção individual e acesso aos serviços de saúde para realizar exames periódicos quando há exposição crônica aos agentes químicos”, além de auxílio econômico, destaca o documento.

“São pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, que correm risco de intoxicação aguda diante de um desastre inédito no país”, diz Mônica Angelim Gomes de Lima, professora de saúde pública do PPGSAT-UBA. Para a professora, se fosse declarado estado de emergência em saúde pública o governo priorizaria recursos e apoio aos governos municipais e estaduais. “Nosso intuito não é gerar pânico, mas alinhar ações e fornecer informações fidedignas para a população que frequenta as praias e depende da pesca para viver.”

A entidade alerta para o perigo que fauna e flora marinhas e a população costeira, incluindo pescadores, marisqueiras, banhistas, trabalhadores das praias, turistas e consumidores de frutos do mar correm diante da exposição aos solventes aromáticos e alifáticos presentes no óleo bruto de petróleo.

A carta assinada pelo Lasat solicita, também, que sejam tomadas medidas de manuseamento e armazenamento do material retirado da água, que além de conter substâncias tóxicas como benzeno, xileno, tolueno, entre outras, é inflamável.

De acordo com a dra. Giraldo, os efeitos da intoxicação crônica, c, que podem ocorrer com a exposição aos HPAs, são mais difíceis de identificar e levam muito tempo para manifestar sintomas clínicos. Por isso, pessoas expostas têm de ser acompanhadas durante anos. “É importante acompanhar não apenas as pessoas expostas, como voluntários e trabalhadores, mas também a fauna e a flora marinhas das regiões afetadas, pois toda a cadeia alimentar pode estar contaminada”, alerta a médica.

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cabes) também fez nota na mesma linha, pedindo “a adoção de todas medidas possíveis para evitar danos futuros na saúde e no meio ambiente”, incluindo a declaração de emergência em saúde pública.

 

Ministério da Saúde

 

A Defesa Civil e o Ministério da Saúde (MS) publicaram, no dia 25/10/2019, uma cartilha com recomendações e alertas para voluntários que atuaram na limpeza das praias afetadas.

Segundo a cartilha, a inalação de vapores do óleo cru pode causar sintomas como dificuldade de respiração, pneumonite (inflamação no pulmão) química, dor de cabeça, confusão mental e náuseas. Em caso de contato do petróleo com a pele, podem surgir irritações na pele, erupções vermelhas, queimação e inchaço (edema). Já a ingestão do óleo pode ocasionar dores abdominais, náuseas, vômitos e diarreia.

A longo prazo podem surgir, de acordo com o MS: danos aos pulmões, rins, fígado e sistema nervoso; supressão do sistema imune; desequilíbrios hormonais; câncer; e problemas no sistema circulatório.

Para o secretário de Vigilância em Saúde do MS Wanderson Oliveira, a declaração de emergência em saúde pública segue ritos, e não cabe ao MS fazê-lo. “Estamos monitorando e acompanhando as pessoas de acordo com o padrão de exposição, já que há locais afetados de maneiras diferentes”, afirma o secretário.

Oliveira diz que o Ministério da Agricultura, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Saúde estão atuando conjuntamente, sob a coordenação da Marinha, para reduzir o impacto ambiental e na saúde da população. O secretário pede, ainda, que as pessoas fiquem atentas aos órgãos ambientais locais para saber a condição das praias antes de frequentá-las.

Alguns serviços de saúde das regiões afetadas atenderam pessoas com sintomas relacionados à exposição aguda. Oliveira declara que o SUS está cadastrando a população que buscou serviços médicos para acompanhamento.

 

Recomendações de saúde

 

  • Não entre em contato direto com o petróleo. A medida vale em especial para gestantes e crianças;
  • Voluntários que atuam na limpeza devem usar máscara descartável, roupas e óculos de proteção, luvas de PVC, botas ou galochas de plástico ou outro material impermeável;
  • Lave a pele com água e sabão sempre que entrar em contato com o óleo;
  • Não utilize produtos solventes, como gasolina, acetona, tiner e querosene, para a limpeza da pele, pois eles também podem causar intoxicação;
  • Não armazene o óleo em sacolas ou outros locais não indicados pelos órgãos competentes. O material precisa ser devidamente armazenado e descartado, pois oferece risco de intoxicação e é inflamável;
  • Siga as orientações dos órgãos de meio ambiente locais para atividades recreacionais e de pesca;
  • Se tiver entrado em contato direto ou indireto com o óleo e apresentar sintomas de intoxicação como dor de cabeça, náusea, vômitos, irritação nos olhos, tontura e irritação ou descamação na pele, procure os serviços de saúde;
  • Em caso de exposição ou aparecimento de sintomas, contatar o Centro de Informações Toxicológicas (0800 722 6001) e procurar atendimento médico.

 

*crédito da foto: João Arthur, Projeto Tamar

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