Concentração intensa: conheça o hiperfoco e como ele pode ser regulado

Entenda como a característica impacta o dia a dia e aprenda a usá-la de maneira positiva.

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Publicado em: 3 de novembro de 2022

Revisado em: 4 de novembro de 2022

Entenda como a característica se manifesta e como ela pode impactar o dia a dia

 

O hiperfoco é uma das características marcantes do transtorno do espectro autista, embora também possa aparecer em outras condições, como no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e em alguns quadros de esquizofrenia. É uma forma de hiperatividade que se dá no campo da atividade mental, e não na psicomotora, embora as duas possam existir ao mesmo tempo. É por isso que muitas pessoas dentro do espectro têm facilidade em dominar muito bem um determinado assunto, já que a propensão para aprender se une ao interesse exclusivo por uma única temática.  

Natalia Orti, psicóloga formada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestre em psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, define o que é hiperfoco. 

“Hiperfoco é o termo usado para descrever o estado de concentração intensa e sustentada de uma pessoa por uma tarefa ou um conjunto de estímulos específicos, como um estado de absorção completo. Durante o estado de hiperfoco, há uma percepção diminuída de estímulos que não são relevantes para a tarefa.”

O hiperfoco pode se manifestar de diferentes formas no dia a dia de quem apresenta o traço, como estudar incansavelmente um tema específico, colecionar determinados objetos, assistir repetidas vezes ao mesmo filme, entre outros. 

“Se o hiperfoco em si é muito mais um estado mental do que uma condição e surge a partir de interesses da pessoa do espectro autista, conforme ela se coloca ou é colocada em contato com o objeto de interesse, mais vezes o estado de hiperfoco pode ser ativado. É neste estado que o autista ‘dá o seu melhor’ em desempenho, motivo pelo qual esses interesses costumam ser bem vistos e bem trabalhados pelas famílias e profissionais de saúde, pois podem favorecer o desenvolvimento de habilidades úteis para a vida diária”, pontua a psicóloga. 

Foi o que aconteceu com o dr. Alexandre Valverde, médico psiquiatra pela Unifesp, diagnosticado aos 42 anos como pessoa autista. Ele compartilha que, como seu hiperfoco era relacionado à sua formação, nunca o percebeu como uma característica que merecesse atenção.

“Depois do diagnóstico, entendi por que tinha tanta facilidade para entender as coisas na escola e na faculdade. Só precisava assistir a uma aula ou a um procedimento uma única vez para aprender. Em compensação, tenho uma memória curiosa. Eu lembro de informações ligadas à ciência, mas tenho dificuldade de lembrar coisas mais simples, como o nome das pessoas ou situações do dia a dia”, relata. 

Além de médico, Alexandre fez mestrado em filosofia, já escreveu um roteiro de longa-metragem, está produzindo uma série documental sobre autismo, e cuida de uma agrofloresta. “Eu tenho uma rotina rigorosa para conseguir dar conta de tudo isso sem ficar ansioso. A rotina me ajuda muito.”

 

Alívio do estresse

O hiperfoco também pode ajudar a manejar a sobrecarga sensorial, outra característica comum no espectro autista, através da qual a pessoa apresenta uma sensibilidade muito maior aos estímulos do ambiente, o que pode desencadear crises. Assim, o estado de hiperfoco proporciona um estado de calma e autorregulação do estresse. 

Veja também: Síndrome de Asperger é a mesma coisa que autismo?

 

Hiperfoco na infância e adolescência

Já na infância, o hiperfoco pode ser erroneamente confundido pelos cuidadores como uma estratégia voluntária da criança em ignorá-los, o que não é verdade. Como é comum que a característica ocupe grande parte do tempo da criança, o ideal é ajudá-la a manejar melhor o tempo dedicado ao objeto de interesse, mas sem estigmatizar o traço como algo negativo. 

Além disso, quando está em estado de hiperfoco, a criança pode apresentar dificuldades no aprendizado geral, uma vez que se torna resistente a se interessar e aprender outros assuntos. Por isso, é importante que elas tenham orientação e treinamentos de habilidades adequadas. 

Essa dificuldade de controlar o tempo gasto com o hiperfoco pode prevalecer na fase adulta, o que pode provocar prejuízos como perda de prazos e de responsabilidades, privação de sono, alimentação irregular, além de desafios no convívio social próximo.

A psicóloga Natalia Orti orienta. “Para as crianças e os adolescentes, costuma ser útil fazer uma agenda visualmente atraente e destacar marcadores bem específicos que ajudem e apoiem a redirecionar a atenção. Na fase adulta, por conta da expectativa social e necessidade prática de maior autonomia em tantas áreas da vida, é preciso recorrer a estratégias de organização e planejamento para estruturar ainda mais a sequência e o tempo requerido para cada atividade.” 

 

Como trabalhar o hiperfoco

É possível aprender a regular o hiperfoco e impedir que ele domine a vida para uma maior qualidade de vida e um equilíbrio emocional e social. Também pode-se pensar em estratégias para aproveitar essa capacidade de foco e uso do conhecimento para outras áreas da vida, como sugere a psicóloga. 

Algumas sugestões:

  • Prepare na sua rotina sinais externos que te façam parar e avaliar o tempo gasto em um foco. Vale, por exemplo, alarmes de celular, pedir ligações dos amigos, fazer as tarefas enquanto ouve ou assiste conteúdos. Pratique fazer pausas programadas entre as tarefas;
  • O hiperfoco, muitas vezes, parece uma absorção total. Combine com as pessoas mais próximas meios para ajudá-lo a sair desse estado se for difícil perceber sozinho;
  • Estabeleça limites que sejam razoáveis para você e para aqueles que precisam de você;
  • Evite começar tarefas que levem ao hiperfoco perto de horários importantes, como almoço, café da manhã, hora de dormir etc;
  • Não peça desculpas pela forma como o seu cérebro funciona. Porém, seja aberto com as pessoas sobre a perspectiva delas de como você fica diante de uma situação em que você coloca toda a sua atenção.

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