Como reconhecer o transtorno bipolar

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Publicado em: 12 de julho de 2021

Revisado em: 12 de julho de 2021

O transtorno bipolar tem tratamento. Saiba como identificar os principais sintomas do distúrbio.

 

O termo bipolar é, com frequência, utilizado para descrever pessoas que são instáveis e mudam de humor ou de ideia rapidamente. Quem é bipolar de verdade, no entanto, sofre de algo muito mais sério, um transtorno cheio de altos e baixos e que pode provocar efeitos muito negativos na vida da pessoa.

“Estamos falando de alterações marcantes, que provocam consequências, e não aquelas alterações normais, que todo mundo tem no dia a dia. Hoje está na moda dizer ‘ah, fulano é meio bipolar’. A gente tem que tomar cuidado com essa normalização de termos que no fundo significam doenças mentais e não seriam os melhores para a gente falar das alterações do humor que normalmente ocorrem no dia a dia com todo ser humano”, afirma o dr. Neury Botega, psiquiatra, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, membro fundador da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS) e assessor científico do Centro de Valorização da Vida (CVV).

O transtorno bipolar não tem cura, mas com o tratamento adequado, pode ser controlado. O tratamento normalmente inclui uso de medicamentos, psicoterapia e mudanças no estilo de vida. 

 

Principais características do transtorno bipolar

O transtorno bipolar é marcado principalmente pela alternância entre fases de depressão e mania. Além disso, existe também a hipomania, que é uma forma mais branda da mania. Entenda cada uma dessas fases: 

 

Depressão

Na fase depressiva, os sintomas incluem tristeza, apatia, desinteresse por atividades que antes eram prazerosas, alterações no sono e no apetite, dificuldade de concentração, cansaço, entre outros. Os sintomas podem ser confundidos com os de uma depressão comum. Por isso, é importante diferenciá-los. “Não é fácil, mas existe uma série de características do histórico da pessoa e dos sintomas que fazem a gente suspeitar da possibilidade de a depressão ser bipolar e não uma depressão como as outras”, explica o psiquiatra.

Segundo ele, a depressão no transtorno bipolar também costuma vir acompanhada de muita ansiedade, irritabilidade e agitação psicomotora, além de histórico de início precoce (ainda na juventude), histórico familiar de bipolaridade e histórico de episódios que começam rapidamente e duram até seis meses, diferente da depressão comum, que pode durar um ano ou mais. 

Veja também: Depressão do transtorno bipolar tem tratamento diferente da depressão comum

 

Mania

A fase maníaca é caracterizada pela expansão do humor: a pessoa fala muito, tem muitas ideias, fica muito ativa, com muita energia, diferente do dia a dia dela. Fica “pilhada” e pode ter comportamentos compulsivos. “E por isso faz atos dos quais depois de arrepende, como falar muitas verdades para quem antes não falaria, fazer compras, se envolver em relacionamentos amorosos, não precisar dormir e nem sentir sono: passa uma noite inteira fazendo coisas, mas fazendo um monte de coisas, nunca é com foco, nunca tem uma linha condutora, uma permanência num trabalho, vem tudo em turbilhão na cabeça, as ideias e os atos”, esclarece o dr. Neury.

Em alguns casos, essa expansão de humor pode vir também acompanhada de irritabilidade. “Muitas vezes se combinam essas duas coisas: uma dose de alegria mais uma dose de irritabilidade e agressividade”, explica. “Quem está ao redor logo percebe que aquela pessoa não está bem. Numa análise rápida, pode achar que tomou uma droga, ou que é o efeito de alguma medicação ou que tem algum problema no cérebro.” 

 

Hipomania

Quando o quadro de exaltação do humor é mais brando, ou seja, os sintomas ocorrem de maneira mais sutil, é chamado de hipomania. Nesses casos, as pessoas ao redor podem não notar que a pessoa está mais acelerada. Pelo contrário, acreditam que ela está bem, alegre. “Mas esse não é o normal da pessoa. A gente consegue extrair essa informação criticamente depois que a pessoa passa por muitas depressões e fala: ‘sim, tem períodos em que eu passo uma, duas semanas um pouco ligada na tomada’. Períodos que não são percebidos nem pela pessoa e nem pelos que estão próximos, mas que dentro de um histórico de alteração de fase de humor, passam a fazer sentido na visão de um espectro bipolar”, explica o médico. 

Veja também: Sintomas clássicos do Transtorno Bipolar | Infográfico

 

Histórico familiar

Apesar de não haver uma causa bem estabelecida, uma série de fatores, combinados, pode estar envolvida no surgimento da doença. Um deles é o fator genético: entre os transtornos mentais, o bipolar é o que tem maior carga genética. Ou seja, quem tem casos de bipolaridade na família tem maior risco de desenvolver o transtorno. 

“Há também outros fatores que podem precipitar crises, como uso de medicação para emagrecer, uso de drogas excitantes. E também uma coisa que é importante é a desregulação do nosso relógio biológico, uma desregulação que geralmente ocorre por falta de sono, a pessoa que trabalha em turnos, a pessoa que perde a regularidade do sono, que passa a dormir pouco, isso é muito perigoso para precipitar o transtorno bipolar”, diz o psiquiatra.

Por esse motivo, pessoas que têm sono regular e que fazem psicoterapia conseguem reduzir o impacto do transtorno, pois elas conseguem lidar melhor com o estresse e ter uma visão diferente da doença e de si mesma. 

 

A pessoa sabe que é bipolar?

Segundo o médico, no auge da crise de mania ou hipomania, a pessoa não tem consciência de que aquilo é algo patológico. “Ao contrário, ela pode se sentir muito bem, como nunca se sentiu antes, e ela vai ficar muito brava se alguém disser que ela não está bem, que ela precisa de um psiquiatra.” 

Só depois de muitas idas e vindas, altos e baixos e períodos de depressão seguidos por períodos de exaltação – e quando a expansão do humor causa consequências graves para a pessoa – é que ela passa a entender que tem um problema e precisa de ajuda profissional. “Mas isso demora. Leva 5 a 10 anos para que o diagnóstico seja firmado e o tratamento adequado, iniciado, segundo estatísticas dos Estados Unidos. E demora exatamente por isso: até a pessoa ir procurar ajuda, ela já passou por muitas fases dessa alteração patológica do humor”, informa.

Por isso, também é importante que a família e as pessoas próximas consigam identificar os possíveis sinais da doença para ajudar na conscientização do paciente, como vamos explicar mais abaixo. 

Veja também: Bipolaridade não é uma simples mudança de humor | Coluna #138

 

Onde buscar ajuda

Quando a pessoa conseguir – muitas vezes com a ajuda de familiares – identificar os sintomas e perceber que as alterações no humor não são normais, é necessário consultar um médico psiquiatra. No SUS, normalmente o atendimento é feito na atenção primária (Unidades Básicas de Saúde) ou nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O ideal é procurar a UBS mais próxima de casa para receber orientação e marcar as consultas.

O diagnóstico deve ser feito com base em um histórico cuidadoso e uma conversa detalhada entre médico e paciente. Quando houver possibilidade, o dr. Neury recomenda buscar um médico mais experiente. “O modismo de se fazer diagnóstico de bipolaridade também chegou à psiquiatra. Infelizmente, há profissionais que depois de uma breve entrevista já dão diagnóstico e remédio, mas olha como é difícil isso, porque uma vez dado um diagnóstico de transtorno bipolar, a medicação é instituída para toda vida. Então, há uma responsabilidade muito grande no diagnóstico”, afirma ele. 

O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e prevenção ao suicídio gratuitamente, de forma voluntária, sob sigilo total. O atendimento funciona 24 horas por dia e pode ser feito por e-mail, chat ou telefone. O número é 188

Veja também: Como ajudar amigos bipolares ou borderline que estão distantes? | Júlia Fink

 

Apoio dos familiares

O apoio da família é muito importante para as pessoas que têm transtorno bipolar. E essa ajuda se faz necessária em diferentes momentos:

 

Conscientização da doença

Esse é o momento de mostrar para a pessoa que ela tem variações de humor marcantes e que geram consequências ruins que tornam necessário investigar o problema. “Ajudar a pessoa, às vezes marcar um horário, ir com ela – lembrando sempre que se trata de uma decisão pessoal, nós não podemos ficar forçando uma pessoa, isso não dá bom resultado. É muito mais interessante motivá-la por meio de uma conversa franca e uma dose de paciência, para que ela chegue ao momento dela e diga “ok, eu vou procurar ajuda’”, diz o médico. 

 

Fase depressiva

Nesses momentos, é preciso estar ao lado, demonstrar apoio, ajuda na rotina de medicamentos e consultas e não ficar insistindo para a pessoa “reagir”. “A depressão não melhora com a força de vontade e com a pressão moral dos outros para que o doente reaja, ao contrário, se a gente pressiona uma pessoa deprimida a melhorar por si, a reagir, como a gente fala, a gente tá impondo um ônus a mais, além do ônus da depressão.” 

 

Fase maníaca

Lidar com uma pessoa que está em mania, com expansão do humor, é muito mais difícil, porque a pessoa se sente ótima e não escuta conselho dos outros. A família precisa protegê-la (tomar atitudes como impedi-la de dirigir, por exemplo, durante um episódio de exaltação, em que ela não tem a noção de perigo que todos temos normalmente).

“É uma hora para junto com a pessoa relembrá-la das fases que ela teve no passado, das consequências e embora reconheçamos que ela possa estar se sentindo bem, ela está mais impulsiva, é um bem perigoso e é por isso que nós vamos ajudá-la a se conter um pouco mais. Ou seja, a gente tem que ser um pouco o freio da pessoa, e realmente isso envolve a experiência do familiar também, porque não adianta a gente o tempo todo bater de frente, porque senão a vida fica um inferno”, explica o psiquiatra.

Portanto, a família também pode precisar de psicoterapia, pois todos ao redor da pessoa podem ser afetados pelo transtorno. Além disso, é importante receber orientação para lidar com a pessoa com transtorno bipolar no dia a dia. 

Veja também: Pandemia não aumentou casos de transtornos mentais e suicídios em 2020

 

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