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Ansiedade em crianças: como reconhecer os sintomas?

Transtornos de ansiedade são os distúrbios psiquiátricos mais comuns na infância. Saiba quando é hora de buscar atendimento.
Publicado em 22/06/2022
Revisado em 25/07/2022

Transtornos de ansiedade são os distúrbios psiquiátricos mais comuns na infância. Saiba quando é hora de buscar atendimento.

 

Quem convive ou já conviveu com um transtorno de ansiedade sabe como pode ser sofrido e paralisante. Imagine ter que lidar com isso ainda durante a infância, quando o cérebro está em formação e não tem a maturidade necessária para entender o que está acontecendo. 

Os transtornos de ansiedade são os quadros psiquiátricos mais comuns na infância e na adolescência. De 10% a 15% da população nessa faixa etária tem algum transtorno – desde casos mais leves até casos mais graves e com grande prejuízo funcional. O problema é mais frequente em meninas. 

Antes de tudo, é preciso destacar que um certo grau de ansiedade é normal, e até saudável. A ansiedade faz parte da vida de todas as pessoas e é a reação emocional esperada diante de diversas situações. No caso das crianças, é comum antes de uma viagem, uma festa de aniversário ou uma apresentação na escola, por exemplo. 

A ansiedade é importante para a nossa sobrevivência, é o que alerta o cérebro e nos faz agir diante de um perigo.

O problema ocorre quando ela é desproporcional às situações vividas, causando impacto funcional no dia a dia. A ansiedade patológica é excessiva, persistente e causa sofrimento. Diante disso, em muitos casos a criança se afasta ou tenta evitar a situação que lhe causa ansiedade a qualquer custo.

        Ouça: Entrementes #18 | Saúde psíquica de crianças e adolescentes

 

Transtornos de ansiedade

Existem diferentes transtornos de ansiedade. Um dos mais conhecidos é o transtorno de ansiedade generalizada, que é muito frequente em adultos, mas existem outros tipos que também podem surgir na infância ou adolescência. Entenda um pouco mais sobre eles: 

  • Transtorno de ansiedade de separação: ansiedade excessiva e frequente ao se separar dos pais, de forma não adequada para a fase do desenvolvimento. É mais comum durante a pré-escola, entre 4 e 5 anos de idade;
  • Transtorno de ansiedade social (fobia social): medo e ansiedade desproporcional em situações de interação social cotidiana. Mais frequente no início da adolescência; 
  • Mutismo seletivo: recusa de se comunicar verbalmente quando não está em casa ou com pessoas que não sejam seus familiares ou cuidadores. Geralmente, se inicia antes dos 5 anos; 
  • Transtorno de ansiedade generalizada: tensão frequente, medos e preocupações desproporcionais em variadas situações. Diversos fatores podem ser provocadores da ansiedade. Pode ocorrer em qualquer idade; 
  • Fobias específicas: medo exagerado ligado a alguma situação ou objeto – como altura, espaços fechados, injeção e sangue, por exemplo – que pode levar a reações de choro, desespero e até ataques de pânico. Pode surgir desde muito cedo; 
  • Transtorno do pânico: ataques de pânico em que a pessoa sente medo de morrer e pode ter vários sintomas físicos, como taquicardia, sudorese, falta de ar e tontura. Costuma ocorrer no final da adolescência;
  • Agorafobia: ansiedade relacionada a situações como ficar em transporte público, em locais fechados ou no meio de uma multidão, por exemplo, porque existe a sensação de que será difícil sair dali se necessário. É mais comum na adolescência.

 

Como identificar os sintomas

A ansiedade deixa de ser considerada normal quando começa a influenciar o “funcionamento” da pessoa. A criança deixa de fazer coisas ou ter uma atividade rotineira normal por causa da ansiedade. 

Segundo o dr. Fernando Asbahr, médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Ansiedade na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP), o primeiro passo para observar os sinais de ansiedade patológica na criança é ter um parâmetro do que é normal. 

“Você tem que ter ideia mais ou menos de quais são os medos normais naquela faixa etária. Por exemplo, na pré-escola, é comum ter os medos imaginários, uma coisa mais fantasiosa; a criança cresce, entrando no fundamental, e começa a ter preocupação com a saúde dos pais, tem a ver com reconhecimento do que é morte, de finitude, medo de causar algum mal para alguém ou para ela própria; depois vem a questão social, que tem a ver com competência e incompetência, ser observado – isso vai ficando cada vez mais forte ao longo da adolescência”, explica. 

Sabendo o que é o “normal”, fica mais fácil identificar sinais que fogem muito desse parâmetro. 

“Na ansiedade generalizada, por exemplo, você não tem um objeto específico, o elevador, a agulha, como nas fobias, ou a sala de aula, na ansiedade social. Mas você tem aquelas crianças que não relaxam de forma nenhuma”, exemplifica ele. Muitas vezes, o nível de antecipação frente a uma situação é extremamente exagerado, como uma criança maior que tem uma prova marcada na escola e semanas antes começa a pensar que não vai conseguir estudar, que não vai se sair bem, e por isso ela passa a ter insônia e dores de barriga, e não consegue se concentrar na aula. 

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No caso da fobia social, é comum ser um aluno que não levanta a mão para tirar dúvida em sala de aula em hipótese alguma, se desespera se precisar ir na frente da classe ou até falta na aula para não ter que apresentar algum trabalho. 

O psiquiatra explica que alguns transtornos são difíceis de serem identificados na escola. Às vezes, a criança fica mais retraída, no canto dela, e o transtorno acaba passando despercebido. Mas alguns casos são mais visíveis, como uma fobia social muito grave, ou o mutismo seletivo, em que a criança não verbaliza de forma nenhuma. 

Essa última situação foi o caso de Laís Riccioni, hoje com 6 anos. A consultora de beleza Tauana Riccioni conta que a filha começou a ter comportamentos como congelamento da fala com pessoas que não eram do seu convívio aos 3 anos de idade. “A escola foi o principal elo no diagnóstico, pois foi onde ela começou a apresentar mais características. Quando houve troca de professora do maternal 1 para o 2, ela passou a não falar mais com adultos da escola. Passamos também por alguns períodos em que ela apresentou TOC, e algumas sensibilidades a sons e tipos de tecidos, o que gerava bastante irritação nela. No decorrer de todo esse tempo tinha épocas tranquilas e fases de muito estresse”, conta.

 

Crises de ansiedade e sintomas físicos

Assim como acontece com os adultos, as crianças também podem passar por crises de ansiedade e vivenciar os clássicos sintomas físicos. Segundo Fernanda Bittencourt, psicóloga infantil e especialista em terapia cognitivo-comportamental (TCC), além das preocupações exageradas, hipervigilância e medos comuns para a idade – que são sinais de ansiedade –, os sintomas também podem incluir taquicardia, sudorese, mãos e pés trêmulos, dores no estômago, vômitos, dificuldade para respirar, entre outros. 

“O primeiro passo é buscar um pediatra para descartar qualquer causa física e, ao descartar, buscar um psicólogo para avaliação”, recomenda. 

O psiquiatra comenta que também pode haver dor de cabeça, desconforto, dor de barriga e enjoo, e muitas vezes a criança evita uma situação, como ir à escola, porque começa a se sentir mal devido à antecipação causada pela ansiedade. 

Segundo Fernanda, as crises de ansiedade costumam ser muito intensas e difíceis de manejar, principalmente quando não há um treinamento prévio para isso. O mais importante, nesses casos, é não invalidar o que a criança está sentindo. “Acolher, ser empático, olhar nos olhos, oferecer um abraço e respirar junto com ela é uma boa opção”, orienta a psicóloga. “O acolhimento durante os momentos de ansiedade é fundamental para que a criança se sinta compreendida e amada. Isso vai ajudá-la a lidar melhor com esta emoção tão importante para nós, e também vai ensinar a lidar com as emoções dentro do seu contexto social, estimulando a empatia através do exemplo.”

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Pais ansiosos, filhos ansiosos?

Crianças cujos pais têm diagnóstico de um transtorno ansioso têm 3,5 vezes mais chance de ter um transtorno de ansiedade do que uma crianças sem esse histórico familiar, destaca o médico. “Esse é o maior fator de risco: pais ansiosos. Os fatores familiares que estão associados a uma herança biológica e genética são os maiores fatores de risco para o desenvolvimento de um quadro de ansiedade patológica.”

Segundo ele, grande parte dos adultos teve início de um quadro ansioso ainda na infância. 

É muito comum que os pais, ao levarem a criança para tratamento, percebam que apresentavam os mesmos sintomas na infância ou adolescência, mas na época essas questões não foram investigadas, em alguns casos porque os pais achavam que era “frescura”. “Era muito assim antigamente. Ainda bem que isso mudou de alguma forma”, comenta o médico. 

Os pais também devem cuidar de sua própria ansiedade – o que será benéfico para si e para os filhos. “É importante que a família observe seus próprios comportamentos ansiosos, buscando lidar com eles de forma mais saudável, para que sejam exemplos para a criança”, afirma a psicóloga. 

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Tratamento e papel da família

O tratamento para os transtornos de ansiedade nas crianças tem duas vertentes principais: o tratamento medicamentoso (as mesmas medicações usadas em adultos são usadas em crianças e adolescentes) e o tratamento não medicamentoso, que consiste na terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Segundo o dr. Fernando, em alguns casos, somente a terapia cognitivo-comportamental é suficiente. Em outros, mais graves, a melhor conduta é a combinação dos dois tratamentos.

No caso de Laís, foram dois anos de terapia, mas somente neste ano, com a introdução da medicação, é que houve avanços mais significativos. “Estamos há dois meses com a medicação, e ela já verbaliza com todos os adultos na escola, coisa que não fazia antes. Teve outros progressos também com familiares com que ela não falava. Está sendo bem surpreendente”, conta Tauana. 

Os especialistas são enfáticos em afirmar que a família precisa ter papel ativo no tratamento da criança. “Inicialmente, ela atuará como informante, trazendo para o profissional observações referentes à ansiedade da criança, como possíveis desencadeadores, frequência e intensidade. Posteriormente, receberá orientações a respeito da ansiedade e formas de lidar com ela, de maneira que não impacte negativamente na vida da criança”, explica Fernanda. 

“Como parte do tratamento você tem toda a parte que a gente chama de psicoeducacional, você faz com os pais, você pode fazer com os professores e com a própria criança. E os pais participam ativamente do treino para enfrentamento dos medos”, completa o médico. 

Outro ponto no qual a família pode ajudar é na criação de uma rotina, que auxilia na questão da previsibilidade. “É supercomum que crianças ansiosas se sintam mais seguras quando têm a ‘certeza’ do que vai acontecer. A rotina ajuda na organização, regras, autonomia e redução da ansiedade”, afirma a psicóloga. Mas não deve ser uma coisa rígida. É interessante que a rotina inclua momentos de deveres e momentos de lazer, e que seja criada em conjunto com a criança, se possível.

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Qualidade de vida após o tratamento

Segundo Tauana, a qualidade de vida de Laís e da família melhorou muito com o tratamento. “É muito emocionante ver e acompanhar tudo que ela está superando. As pessoas que nos acompanham, família, amigos, também estão muito felizes em ver todo esse processo. Hoje posso curtir com ela uma festa tranquila, pois sei que ela vai interagir e brincar”, conta.

Tauana criou uma conta no Instagram (@meudiariomutismoseletivo) para compartilhar a trajetória da filha no enfrentamento ao mutismo seletivo. Uma das maiores dificuldades era a falta de conhecimento das pessoas sobre o transtorno. “Antes eu tinha que ficar intermediando tudo e era bem estressante, porque ela não falava e também as pessoas não entendiam o porquê, e eu tinha que explicar o transtorno para todos. Era cansativo demais.”

Felizmente, ela não teve dificuldade de encontrar profissionais com conhecimento sobre o mutismo seletivo, e também teve o apoio da escola, que está aberta e presente, pois já teve alunos com a mesma condição antes. “Mas sei que muita gente tem essa dificuldade. Com o Instagram, recebo muitas mensagens de mães que têm dificuldade em encontrar profissionais que conhecem o transtorno e também escolas que dificultam o processo do tratamento”, relata.

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E se a ansiedade não for tratada?

O ideal é tratar os transtornos de ansiedade o mais cedo possível. Sem o tratamento, o prognóstico piora muito. “Na medida em que você vai evitando situações por causa dos medos, por causa da ansiedade, eles só vão aumentando, e a vida vai ficando cada vez mais restrita”, afirma o dr. Fernando. 

A ansiedade persistente aumenta o risco de que o paciente desenvolva outros problemas psiquiátricos no futuro. A depressão é o principal deles.

Além disso, os transtornos podem levar a um pior desempenho escolar, falta de interação social em um período em que isso é muito importante e maior risco de uso abusivo de substâncias lícitas e ilícitas. “Por exemplo, no caso de uma fobia social grave, muitas vezes a pessoa começa a beber para sair, para aliviar o mal-estar – isso já na fase da adolescência tardia”, explica o médico. 

“Quanto mais cedo você detectar esse problema de ansiedade patológica, melhor, primeiro para prevenir desdobramentos, para diminuir sintomas, diminuir a influência do transtorno ansioso na vida, e de algum jeito você mexe na evolução para a idade adulta. E nem sempre a pessoa tem um diagnóstico claro, mas você percebe que tem propensão para um monte de medos, é muito ansiosa, muito preocupada, e você já começa a orientar [precocemente]. Esse seria o mundo ideal.” 

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