A gestação precoce pode trazer uma série de riscos e consequências para a vida da menina e do bebê. Saiba mais sobre gravidez na adolescência.
A gravidez na adolescência é um grave problema de saúde pública, que traz uma série de impactos físicos, psicológicos e sociais para a vida de meninas e bebês. Para as gestantes, esses impactos vão desde o desenvolvimento de problemas de saúde física e mental até a dificuldade de retomar os estudos e conseguir ingressar no mercado de trabalho. Além disso, a responsabilidade de criar a criança na maioria das vezes fica apenas com a menina e sua família, já que o abandono paterno é frequente nessa situação.
Para a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS), a gravidez na adolescência continua sendo um dos principais fatores que contribui para a mortalidade materna e infantil e para o ciclo de doenças e pobreza.
No Brasil, o número de casos vem caindo nos últimos anos, mas ainda é muito alto: são mais de 380 mil por ano, sendo mais frequentes os casos a partir dos 15 anos. Na faixa entre 15 e 19 anos, inclusive, a média de nascimentos no país é 50% maior do que a média mundial.
“O Brasil teve sim uma queda da gravidez na adolescência, mas os níveis ainda estão acima da média mundial e parecidos com países como Equador, Peru, Bolívia e Paraguai. Nós temos estados do Norte e do Nordeste que têm índices de gravidez na adolescência muito maiores do que os da Bolívia. Claro que os estados do Sul e principalmente São Paulo puxam esse índice para baixo. Então, houve uma redução, mas nós não conseguimos atingir a meta do milênio, que era reduzir em mais do que 50% a gravidez na adolescência”, afirma a dra. Albertina Duarte Takiuti, ginecologista, coordenadora do Programa Saúde do Adolescente da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo e chefe do Ambulatório de Ginecologia da Adolescente da Universidade de São Paulo (USP).
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Principais riscos para a saúde
Segundo a especialista, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera gravidez na adolescência a gestação que ocorre entre 10 e 20 anos de idade. A faixa etária dos 10 aos 15 anos é a que apresenta maior risco.
Para a menina gestante, existe maior risco de mortalidade materna, eclâmpsia, diabetes gestacional, hipertensão, anemia, infecções urinárias e infecções sexualmente transmissíveis (IST). Para o bebê, existe maior probabilidade de parto prematuro, baixo peso ao nascer (menos de 2,5 kg), desnutrição fetal nos casos em que a mãe têm anemia, malformações e síndrome de Down.
“Muitas pessoas se preocupam demasiado com a síndrome de Down ou com as malformações principalmente nas mulheres com 40 ou mais anos. As estatísticas mostram que a gravidez de 10 a 15 anos causa tanta má formação quanto a gravidez mas mulheres com mais de 40 anos”, explica a médica.
Além disso, outra questão importante é que as meninas de 10 a 15 têm distócias funcionais, ou seja, maior dificuldade de ter parto normal porque a formação óssea da bacia não está completa. “Depois de três anos da primeira menstruação, o que normalmente acontece na gravidez de 15 anos para frente, essas dificuldades são menores”, completa.
Os riscos existentes são os mesmos para todos os casos de gravidez na adolescência. Porém, na faixa entre 10 e 15 anos, esse risco é três vezes maior do que nas meninas de até 20 anos.
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Impactos psicológicos e sociais da gravidez na adolescência
Conforme falamos no início do texto, os riscos da gravidez na adolescência não são apenas físicos. Gestar nessa idade traz também um impacto psicológico muito grande para essas meninas, que muitas vezes têm dificuldade de entender a situação. “Uma das situações é ela negar que se arrependeu de ficar grávida. Mas quando nós perguntamos ‘com que idade você gostaria que sua filha ficasse grávida’ ela responde sempre ‘depois dos 25, depois dos 30, porque assim ela continuaria os estudos e não teria a sua vida interrompida’. É essa situação”, afirma a dra. Albertina.
É preciso lidar ainda com a questão da autoimagem, porque o corpo muda muito rápido na gestação. Se ela demorou meses ou anos para que o corpo se desenvolvesse, para ter o crescimento das mamas, por exemplo, na gestação essas mudanças acontecem rapidamente. E isso também pode ter um impacto na autoestima, na maneira como a própria menina se enxerga.
Em relação ao bebê, a médica afirma que várias pesquisas mostram que há aumento da violência com as crianças nos casos de gravidez na adolescência. Também ocorrem muitos casos de rejeição e falta de vínculo afetivo com a criança. “A gravidez na adolescência passa a ser um fardo para essa menina porque ela muda o grupo de amigas, mesmo que as amigas e a família apoiem no início, com certeza os interesses são outros. Na classe média alta, ela não é mais convidada para as festas de 15 anos ou para os aniversários, e num grupo social menos privilegiado, ela passa a ter uma vida de adulta.”
Quando falamos em educação, emprego e oportunidades, a realidade é assustadora. “A gravidez na adolescência é um corte na adolescência dessa menina. Voltar à escola é muito difícil, o abandono escolar está presente em mais de 70% das adolescentes que engravidaram. A profissionalização também é muito difícil, então, a não profissionalização, não ter escola e ter ainda um bebê para cuidar é um fardo em relação ao emprego, aos estudos e aos relacionamentos, porque como ela é abandonada, o fato de ela ter uma criança pra cuidar vai pesar muito nos futuro relacionamentos”, afirma a médica.
E a gravidez na adolescência é muito frequente na população pobre, preta e periférica. “Nós observamos que na população com mais de 40 anos, quem engravida mais é a mulher branca e quem engravida menos é a mulher negra. Mas a adolescente pobre e negra vai ter uma incidência praticamente 60% maior do que a menina branca e com melhor condição”, diz. A especialista acredita que o SUS precisa abordar com mais força as desigualdades sociais, que são determinantes nesse contexto.
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“A gravidez na adolescência é feminina”
Segundo a dra. Albertina, as estatísticas do Programa do Adolescente mostram que cerca de 60% das meninas grávidas são abandonadas pelos parceiros ainda durante a gravidez, e 20% são deixadas após o parto.
“Na pesquisa que nós fizemos, cinco anos depois do nascimento, somente 20% tinham os pais juntos mantendo uma regularidade de visitas – isso em todas as classes sociais, a ponto de nós percebermos que a gravidez na adolescência é feminina. Quem cuida da criança é a avó materna. Em 30% dos casos quem sustenta [a criança] é a menina; em 40%, a família da menina; em 10%, o menino; 10% a família do menino; e 10% ambos, mostrando claramente que em 70% há uma solidão muito grande [para a menina].”
E quanto mais jovem é o adolescente (pai do bebê), mais frequente é o abandono. “Geralmente, a gravidez na adolescência acontece com um parceiro em torno de dois a cinco anos mais velho. Quando são dois anos, o abandono é maior. Quando são cinco ou mais, o pai pode se sustentar e fica mais fácil”, explica. “Mas o que nós vamos ter é apenas 20% dos pais mantendo realmente esse contato periódico com o filho.”
A médica comenta que o adolescente que não consegue se sustentar acaba sofrendo uma grande pressão da família, que muitas vezes passa a ser hostil com ele. A carga econômica pesa mais do que a questão afetiva. No fim das contas, não há só um abandono psicológico, mas também social e financeiro.
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Cuidados durante o pré-natal
A principal medida a ser tomada em relação ao pré-natal da adolescente grávida é o início precoce desse acompanhamento, ou seja, idealmente antes das 12 semanas de gestação, para realizar os exames necessários, como o ultrassom morfológico, e verificar a pressão arterial e se há um quadro de anemia, por exemplo.
Contudo, o que se observa é o contrário. Muitas adolescentes começam o pré-natal de forma tardia, geralmente após o 5º mês de gestação, o que aumenta o risco de doenças como sífilis, que caso não seja diagnosticada no primeiro trimestre, também pode oferecer riscos ao bebê.
“Se houver o início precoce do pré-natal, nós podemos diminuir muito os riscos. Uma gravidez de alto risco, que seria de 10 a 15 anos, pode ter o risco bem diminuído se for feito esse acompanhamento físico, psicológico e social. Em relação às adolescentes de até 20 anos, nós vamos ter a mesma situação. A correção dos agravados deve começar no primeiro trimestre”, afirma.
A especialista destaca a importância do acompanhamento psicológico, porque muitas adolescentes têm depressão pós-parto ou até depressão durante a gravidez. Por isso, o atendimento multiprofissional é fundamental.
Vale destacar que para iniciar o pré-natal no SUS, basta buscar uma Unidade Básica de Saúde (UBS) próxima de sua residência com documento de identidade.
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Como promover a prevenção da gravidez na adolescência
A educação é uma ferramenta fundamental na prevenção da gravidez, mas é importante pensar de que forma isso deve ser feito. Os adolescentes em geral conhecem os métodos e até podem ter acesso a eles, mas isso não garante o seu uso. “A menina tem medo de não agradar e o menino tem medo de falhar. Esse medo de falhar impede que ele use o preservativo; e a menina com medo de não agradar não dialoga, não se impõe”, afirma. “[O problema] não é falta de distribuição. Os países que distribuíram tiveram uma redução, é claro. Mas o principal movimento é a falta de negociação entre os parceiros”, comenta a dra. Albertina.
Para a especialista, é necessário criar espaços de acolhimento para adolescentes. A distribuição de métodos contraceptivos existe, mas ela destaca que o SUS precisa ter uma agenda diferenciada para acolher adolescentes que não engravidaram e que já engravidaram. Além disso, a escola também desempenha um papel importante na prevenção.
“A escola deve ter outra forma de trabalhar com o cotidiano dos adolescentes. É preciso que haja rodas de conversa com eles, trabalhando com uma produção de materiais, com os próprios adolescentes produzindo uma mídia efetiva no TikTok, nas redes. Isso é fundamental. Aulinhas não adiantam, mas sim rodas de discussão, onde os adolescentes poderiam se colocar, e esse poder de escuta seria fundamental, inclusive, sobre as consequências de uma gravidez na adolescência. O adolescente teria que conversar mais sobre o cotidiano e a importância da autoestima. E mais do que isso, as adolescentes que engravidaram deveriam ser acolhidas para que elas retornassem à escola”, afirma.
Segundo ela, a prevenção tem que ser difundida como uma rotina, ou seja, o uso do método anticoncepcional como parte do dia a dia. Também é importante destacar a dupla proteção (uso de dois métodos simultaneamente, como pílula e camisinha, por exemplo) e promover o conhecimento sobre os métodos de longa duração, como DIU e implantes.
A partir do momento em que as escolas têm essa discussão, a família também é envolvida. “Mas, nesse momento, eu considero que os adolescentes estão ouvindo muito mais os seus pares. E uma outra proposta é que os influencers, os atletas, as artistas, todas as pessoas que são diretrizes para os adolescentes pudessem falar mais sobre a prevenção da gravidez na adolescência.”
Os grupos de amigos também podem ser importantes para ajudar as meninas não ficarem submissas às opiniões dos meninos. “A opinião do parceiro realmente vai dificultar que ela se coloque. Por exemplo, se ela tem uma autoestima baixa, e ele diz que a pílula engorda, é fatal. Acabou o relacionamento não com o parceiro, acabou o relacionamento com a prevenção”, completa a médica.
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