Idosos viciados em redes sociais: como identificar e combater o vício - Portal Drauzio Varella
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Idosos viciados em redes sociais: como identificar e combater o vício

Publicado em 09/07/2025
Revisado em 08/07/2025

Isolamento, solidão e falta de estímulos tornam os idosos mais vulneráveis ao uso compulsivo de telas — mas é possível reverter esse quadro com acolhimento, orientação e inclusão digital

As redes sociais viciam — e isso já não surpreende ninguém. Curtidas, corações e reações ativam o centro de recompensa do cérebro, assim como o álcool e outras drogas. O resultado pode ser sintomas de abstinência, irritabilidade, ansiedade e até depressão. O que muitos ainda não percebem, porém, é que o problema não atinge apenas crianças e adolescentes, os chamados “nativos digitais”. Cada vez mais, idosos também têm sido fisgados por esse vício silencioso, com possíveis prejuízos à saúde mental e aos laços sociais.

Pessoas mais velhas podem ser particularmente suscetíveis ao uso exagerado por causa de uma combinação de fatores, segundo especialistas consultados por esta reportagem. O isolamento social, agravado durante a pandemia de covid-19, a solidão (problema comum nessa faixa etária) e a redução de atividades estimulantes estão entre as principais causas. “[Tudo isso] torna o celular uma forma de preencher o tempo e buscar conexão”, afirma Francine Mendonça, neurologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Além disso, o envelhecimento natural do cérebro, especialmente do córtex pré-frontal (área ligada ao autocontrole), pode dificultar o reconhecimento dos excessos e a capacidade de impor limites. “Quando há algum comprometimento cognitivo leve, esse risco se intensifica”, ressalta a médica.

Roberto Ratzke, psiquiatra, coordenador da pós-graduação em Psiquiatria do Hospital Heidelberg e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), destaca que a dependência de redes sociais pode surgir em qualquer idade, mas, entre os idosos, tende a ser menos notada. “Ela é menos percebida pelas outras pessoas, por familiares, porque os idosos muitas vezes já estão aposentados e não é observado prejuízo no trabalho.”

Estudos nacionais e internacionais já identificam casos de nomofobia (termo usado para identificar o medo irracional de ficar longe do celular) entre pessoas com mais de 60 anos. A condição provoca sintomas como ansiedade intensa, tremores, falta de ar, suor excessivo e irritabilidade quando o aparelho não está por perto. Trata-se de um quadro extremo de dependência, que mostra como o uso desregulado da tecnologia pode ultrapassar barreiras psicológicas e atingir a saúde física e emocional do idoso.

        Veja também: Como a solidão afeta a saúde na velhice?

Consequências para a saúde

O cérebro sente os efeitos do vício. Pesquisas mostram que o uso prolongado das redes sociais afeta a região frontal, responsável por funções como atenção, tomada de decisão e controle de impulsos. Na prática clínica, segundo a dra. Francine, é cada vez mais comum encontrar idosos com dificuldade de manter o foco, mais dispersos e com queixas de memória recente.

Além dos efeitos cognitivos, o sono também sofre. A exposição prolongada às telas, especialmente à noite, inibe a produção de melatonina, o hormônio que regula o ciclo do sono. Somado a isso, o conteúdo das redes sociais — ágil, emocionalmente carregado e altamente estimulante — mantém o cérebro em estado de alerta, segundo a especialista. O resultado costuma ser insônia, sono superficial e cansaço constante, o que afeta diretamente o humor, a memória e a disposição dos idosos no dia seguinte.

Quando o cérebro é constantemente estimulado por notificações, vídeos curtos e rolagem infinita, perde prática em manter a atenção por períodos prolongados. Isso gera uma espécie de “atenção fragmentada”, que impacta a memória de curto prazo e a organização do pensamento. “No consultório, vemos idosos que esquecem compromissos, têm dificuldade de manter foco em uma conversa ou de realizar tarefas sequenciais”, relata a médica.

Fernanda Chaves Pacheco, psicóloga, professora e coordenadora dos cursos de psicologia e pedagogia do Centro Universitário UniCuritiba, aponta que o uso abusivo pode impactar também diretamente o humor. “Como a pessoa deixa de fazer outras atividades para ficar nas redes, ela perde fatores importantes para manter o humor estável, e pode acabar se deprimindo.”

Todos esses sintomas são sinais de que algo não está indo bem e merecem atenção.

Maior vulnerabilidade a golpes e fake news

Além dos problemas para a saúde, o uso excessivo de celular também deixa os idosos mais suscetíveis a notícias falsas. Um estudo de pesquisadores das universidades de Princeton e de Nova York, publicado em 2019 na revista Science Advances, mostrou que usuários do Facebook com mais de 65 anos compartilharam quase sete vezes mais fake news do que internautas na faixa etária mais jovem.

Essa propensão ocorre, segundo Glaucia da Silva Brito, professora e pesquisadora em tecnologias na educação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e no Centro Universitário Internacional (Uninter), porque muitas pessoas idosas não tiveram contato com tecnologias digitais ao longo da vida, o que pode dificultar a identificação de notícias falsas, golpes ou conteúdos manipulativos. “A confiança excessiva em fontes informais, como grupos de WhatsApp, Telegram, directs do Facebook ou Instagram com amigos e familiares, os torna mais vulneráveis à desinformação e a golpes”, explica. 

Segundo a psicóloga Fernanda, basta uma exposição de 30 segundos a uma fake news para influenciar o comportamento de uma pessoa. “Essas informações falsas podem gerar sentimentos como raiva, medo, descrença, frustração e confusão.”

Por isso, ela defende a importância de ensinar o uso consciente da internet, especialmente entre os mais velhos. “É fundamental orientar sobre como navegar com segurança, reconhecer comportamentos saudáveis e entender os prejuízos que o consumo desinformado pode trazer. Isso ajuda a prevenir, já que os idosos são mais propensos a esse tipo de impacto”, afirma.

Inclusão digital efetiva

A professora Glaucia destaca que a inclusão digital de pessoas idosas é uma demanda urgente no mundo contemporâneo — e vai muito além de apenas garantir o acesso à internet ou a um celular. Segundo ela, esse processo envolve três dimensões fundamentais: acesso, capacitação e uso significativo.

“Uma pessoa idosa que tem um smartphone, mas não sabe como abrir um aplicativo de banco, usar um aplicativo de transporte ou verificar se uma notícia é falsa, ainda está parcialmente excluída digitalmente, mesmo tendo acesso ao aparelho. Por isso, a alfabetização midiática é essencial nesse processo. Mais do que aprender a mexer no celular, as pessoas idosas precisam desenvolver habilidades para interpretar criticamente o que consomem, reconhecer fontes confiáveis, identificar fake news, proteger dados pessoais e navegar com segurança”, esclarece. 

Esse trabalho de inclusão digital também demanda apoio social, segundo a pesquisadora. Isso porque muitos idosos vivem sozinhos, em instituições de longa permanência ou em contextos de vulnerabilidade, onde o celular é o principal elo com o mundo exterior. Para eles, defende Glaucia, é fundamental capacitar cuidadores e profissionais dessas instituições para mediar o uso das redes com empatia.

“Para quem vive em periferias ou áreas rurais, são muito importantes ações promovidas por Unidades Básicas de Saúde (UBS), Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), associações comunitárias, igrejas ou projetos sociais, com foco em educação digital crítica e acessível.”

        Ouça: DrauzioCast #152 | Memória e excesso de estímulos

Dicas para as famílias 

Se o idoso desenvolver um padrão de uso não saudável das redes sociais, existem algumas estratégias importantes para que os familiares possam ajudá-lo, de acordo com os especialistas: 

  • Conversa franca: o diálogo deve ser acolhedor, sem julgamentos. É essencial que a família aborde o tema com empatia, tentando se colocar no lugar da pessoa idosa, em vez de adotar um tom acusatório ou agressivo;
  • Atividades prazerosas: reorganizar a rotina e incentivar atividades presenciais, como caminhadas, leitura, passatempos ou encontros com amigos ajuda a equilibrar o tempo online;
  • Contato social fora das telas: participar de grupos presenciais ou oficinas de educação digital crítica pode ampliar o círculo de convivência e reduzir o tempo de exposição ao celular;
  • Tecnologia a favor: aplicativos como StayFree e RescueTime, disponíveis para Android e iOS, ajudam a monitorar o tempo de uso do celular e podem aumentar a consciência sobre o excesso. Desligar notificações também é uma medida simples e eficaz.

Tratamento especializado

Se o apoio familiar não for suficiente, e o idoso estiver disposto, buscar ajuda profissional é o caminho recomendado. “As abordagens mais eficazes são a terapia cognitivo-comportamental e as terapias comportamentais contextuais”, explica Fernanda. A primeira atua na identificação e modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais, enquanto a segunda foca em maior na aceitação, valores pessoais e no contexto em que os comportamentos ocorrem, promovendo também uma mudança ampla e duradoura.

Quando a tecnologia é positiva

Apesar dos riscos do uso excessivo, o uso consciente e intencional da tecnologia pode trazer benefícios reais para o cérebro dos idosos. Um estudo publicado em abril deste ano na revista Nature Human Behavior, com mais de 400 mil adultos com 50 anos ou mais, mostrou que o uso digital moderado e com propósito está associado a uma redução de até 58% no risco de comprometimento cognitivo, além de ajudar a desacelerar o declínio mental ao longo do tempo

“O ponto-chave é a qualidade do engajamento: quando o idoso utiliza o celular ou o computador para realizar atividades cognitivamente estimulantes, como jogar caça-palavras, participar de videoconferências com familiares, ler notícias, enviar e-mails ou aprender algo novo, ele está fortalecendo suas conexões neurais. Esse tipo de participação ativa contribui para a chamada reserva cognitiva — a capacidade do cérebro de se adaptar e resistir melhor aos efeitos do envelhecimento”, explica a dra. Francine.

        Veja também: Como estimular o cérebro no dia a dia?

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