Fatores emocionais podem contribuir para o surgimento do câncer?

Mulher chorando. relação entre emoção e câncer é indireta

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Publicado em: 27 de julho de 2023

Revisado em: 28 de julho de 2023

Mesmo quando o estresse ou a tristeza parecem estar ligados ao risco de câncer, a relação entre emoção e câncer é indireta.

 

É difícil apontar uma única causa para o desenvolvimento do câncer, mas já se sabe que cerca de 80% a 90% dos casos estão associados a causas externas, conforme aponta o Ministério da Saúde. Isso quer dizer que nossos hábitos comportamentais têm forte relação com o desenvolvimento de um tumor no futuro, principalmente aqueles que são associados ao cigarro, álcool, ambiente de trabalho (indústrias químicas), vírus e alimentação. 

Tais fatores ambientais são denominados cancerígenos e alteram a estrutura genética (DNA) das células. Isso não ocorre de um dia para o outro, mas sim ao longo dos anos.

Veja também: É possível ter câncer em qualquer órgão do corpo?

Ainda segundo o Ministério da Saúde, apesar de o fator genético exercer um importante papel na formação dos tumores, são raros os casos de câncer que se devem exclusivamente a fatores hereditários (cerca de 10%). 

Mas uma questão que sempre causa dúvida é o papel das emoções no desenvolvimento de um tumor. Será que as emoções negativas são capazes de “formar um câncer”? 

 

Emoção e câncer

Essa pergunta tem intrigado diversos médicos e cientistas no mundo todo e, no momento, não há nenhum estudo concreto que demonstre ligação entre estresse, ansiedade, tristeza e depressão para o desenvolvimento de neoplasias (massa de tecido que se forma graças ao crescimento anormal das células). 

Para se ter uma ideia, um estudo prospectivo (começa num determinado período e analisa os resultados depois de um certo tempo) entre mais de 100 mi, mulheres do Reino Unido não encontrou nenhuma associação entre o risco de câncer de mama e os níveis de estresse percebidos ou os eventos adversos vividos nos últimos cinco anos.

Portanto, segundo o  dr. Marcelo Corassa, oncologista clínico e pesquisador da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, não podemos dizer que o estresse ou tristeza, por exemplo, sejam fatores exclusivos para o surgimento de um câncer. Entretanto, assim como o cigarro e a genética, eles podem ser um componente que aumenta o risco de desenvolvimento de um tumor no futuro.

“Há vários pontos que podemos discutir nesse tema. Pessoas estressadas estão mais propensas a terem riscos associados, como estilos de vida menos saudáveis, hábitos de fumar e consumir bebidas alcoólicas em excesso. Portanto, indiretamente, existe, sim, uma associação.” 

Isso porque um estado ansioso e estressante libera na corrente sanguínea hormônios como epinefrina e norepinefrina que aumentam a pressão arterial, a frequência cardíaca e os níveis de açúcar no sangue. Na vida cotidiana, todo mundo passa por eventos assim, o problema ocorre quando eles se tornam frequentes a ponto de se tornarem crônicos. 

O dr. Corassa explica que há um fator importante de causa e consequência que também pode afetar a saúde. “Pessoas que lidam com altos níveis de ansiedade e depressão realizam menos atividade física, têm hábitos alimentares ruins. A longo prazo isso pode causar um pior prognóstico da doença.”

 

Epigenética

Dr. José Claudio Casali da Rocha, head de oncogenética do Hospital A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, explica que hoje a medicina e principalmente a oncologia precisam ver o paciente de forma integral, e que fatores físicos e emocionais estão diretamente envolvidos no seu estado geral.

“É a definição clássica de saúde da OMS [Organização Mundial da Saúde]. Saúde física, mental e espiritual, mas que não tem a ver com religião. É um estado completo de bem-estar físico e mental”, esclarece. 

O dr. Casali também cita como exemplo a epigenética, que é um campo de pesquisa que investiga como os estímulos ambientais podem ativar determinados genes e silenciar outros. Durante muito tempo, a ciência considerava que os genes eram os únicos responsáveis por transferir as características biológicas de geração em geração.

Atualmente já se sabe que variações não genéticas (ou epigenéticas) adquiridas durante a vida de uma pessoa podem, sim, ser transmitidas aos seus descendentes.

“Baseado nessas evidências das questões externas, será que não conseguimos manter esses interruptores desligados? Se na medida do possível eu tenho uma vida mais saudável, me exercito com certa regularidade, talvez eu consiga manter esses genes adormecidos, essa predisposição para determinada doença ou neoplasia. Por exemplo, ser uma pessoa estressada e muito ansiosa, por causa de trabalho ou família, aumenta os níveis de cortisol, que já liga um desses interruptores. Fatores emocionais e psicológicos também afetam a hipófise, que se comunica com a suprarrenal ou a glândula adrenal, que é o maior produtor de cortisol do nosso corpo, e isso afeta nossa imunidade”, explica o dr. Casali. 

 

Você não fez seu câncer

Drauzio Varella, médico oncologista há mais de 50 anos, costuma dizer que o câncer faz parte do processo natural da vida, já que todos nós temos oncogenes, portanto não faz sentido culpar o paciente pela doença. Se houver mutações genéticas, e uma delas “desligar” a capacidade natural do organismo de matar as células “danificadas”, o risco de câncer aumenta exponencialmente. 

De forma geral, não há uma fórmula mágica para eliminar a possibilidade do surgimento do câncer. Mas baseado nos avanços da epigenética e nas evidências científicas, conseguimos reduzir esse risco mudando pequenos hábitos diários, como se exercitar com mais frequência e optar por uma alimentação mais balanceada, com frutas, verduras e hortaliças. 

“Não se pode afirmar que sentimentos negativos causem câncer, mas eles podem ser encarados como “cofatores”. Por isso todo quadro de ansiedade ou depressão precisa ser monitorado de perto”, finaliza o dr. Casali. 

 

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