Todo mundo sonha? Entenda o que acontece no cérebro durante o sono

Mesmo que não se lembre, você sonhou na noite passada. A ciência ainda não sabe exatamente o porquê, mas é certo que dormir – e sonhar – é essencial para o organismo.

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Publicado em: 4 de agosto de 2022

Revisado em: 4 de agosto de 2022

Mesmo que não se lembre, você sonhou na noite passada. A ciência ainda não sabe exatamente o porquê, mas é certo que dormir – e sonhar – é essencial para o organismo. 

 

Todo mundo sabe que dormir é uma necessidade fisiológica básica. Para comprovar a importância desse hábito tão comum na nossa vida, basta observar o que acontece quando estamos privados de sono: ficamos cansados, mal-humorados, com dificuldade de concentração, mais ansiosos e até mais propensos a erros e acidentes. A lista de problemas é grande.

Ou seja, dormir é fundamental para a nossa saúde física e mental. Mas você conhece os mecanismos por trás do sonho? 

Durante uma noite de sono, o cérebro passa por diferentes estágios. Quando estamos sonhando, por exemplo, ele fica plenamente ativo. E, ao contrário do que muita gente pensa, nós sonhamos todas as noites – cerca de 90 minutos por noite, para ser mais preciso. 

A questão é que nem sempre nos lembramos dos nossos sonhos. Mas, acredite, eles estavam lá. Vamos entender um pouco mais sobre isso ao longo do texto. 

 

Os estágios do sono

De maneira simplificada, o sono é dividido em dois grandes estados: o sono REM (rapid eye movement, ou movimento rápido dos olhos, na tradução para o português) e o sono não REM, que é subdivido em três partes: N1, N2 e N3. Essas fases não são contínuas; elas se repetem várias vezes ao longo da noite. Entenda como funciona cada uma delas: 

  • Fase N1 (sono não REM): O N1 é o primeiro estágio, que marca a transição da vigília para o sono. É o momento em que você começa a cair no sono. A respiração e os batimentos cardíacos ficam lentos, e os músculos começam a relaxar. É o período mais curto da noite, ocupando cerca de 5% do sono. 
  • Fase N2 (sono não REM): A fase N2 é uma fase intermediária entre o N1 (que seria o sono mais leve) e o N3 (o sono mais profundo) – apesar de os especialistas não utilizarem muito esses termos. A respiração e os batimentos diminuem, e os músculos relaxam mais. Essa fase ocupa a maior parte da noite: 45% a 55% do sono ocorre em N2.
  • Fase N3 (sono não REM): A fase N3 é aquela em que acontece o sono mais lento, considerado o sono profundo. Os músculos ficam ainda mais relaxados, a atividade cerebral fica muito lenta, e há uma redução dos movimentos oculares. É muito difícil acordar neste momento. A fase N3 ocupa de 20% a 25% do sono. 
  • Sono REM: No sono REM, como o próprio nome já diz, nossos olhos se movem rapidamente, e o cérebro fica muito ativo. É nesta fase que acontece a imensa maioria dos sonhos. Os episódios de sono REM ocorrem de 4 a 6 vezes por noite e ocupam de 15% a 25% do sono.

Segundo a dra. Monica Andersen, biomédica, professora livre docente de Medicina e Biologia do Sono do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora do Instituto do Sono, a arquitetura do sono é mais ou menos padrão: nós levamos de 10 a 25 minutos para adormecer – o que é considerado normal, nem todo mundo se deita e dorme logo.  

“Aí a gente vai para a fase N1, fase N2. A primeira parte da noite, que são as primeiras quatro horas, a gente chama de sono essencial. E nesse sono essencial eu vou ter um pouquinho de cada coisa: um pouquinho do N1, um pouquinho do N2, um pouquinho do N3, e quase nada de sono REM. A gente sonha muito, mas muito pouco nessas quatro horas iniciais. Depois das quatro horas, vamos tirar um pouco o N3 e aumentar a quantidade de REM. Então, a gente sonha muito no final da madrugada”, explica a especialista.

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Sono REM, a fase dos sonhos

Como falamos, o sono REM é a fase do sono que concentra a grande maioria dos sonhos. “Até pouco tempo atrás, achávamos que o sonho ocorria puramente no sono REM. E realmente a maioria dos sonhos se dá no sono REM. Mas já há descrição hoje de sonhos em fases não REM, mas é tão pouco que a gente considera que o sono REM é o representativo da parte dos sonhos”, explica o dr. Fernando Morgadinho, neurologista e especialista em Medicina do Sono, professor associado livre docente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Unifesp e membro da Associação Brasileira do Sono (ABS).

“Durante os sonhos, nós mexemos os olhos e nosso cérebro fica extremamente ativo, quase tão ativo quanto eu e você conversando agora, acordadas. Olha só que coisa curiosa. Você tem um estado que é de extrema ativação cortical, só que ele tem uma diferença da vigília, que é a ausência de tônus muscular. Então, durante a fase dos sonhos, a gente tem um ‘relaxamento’ dos músculos que impede que façamos os movimentos. Por exemplo, você está sonhando que está digitando, imagine se de madrugada você começa a pôr os braços para cima e digitar. Essa atonia muscular é o que nos impede de realizar os sonhos”, explica a dra. Monica. 

Mas, apesar do relaxamento muscular, ainda podem acontecer alguns movimentos como mexer a boca e ter pequenos abalos musculares durante os sonhos.  

A fase do sono REM é também o melhor momento para acordar, pois nesse momento o cérebro está mais próximo do que seria acordado. “Quando você acorda sonhando é muito bom, porque o seu cérebro já está ativo, você está preparado. Seu cérebro está a 120 km por hora, e você continua a 120 km por hora”, afirma a especialista. É como acordar “pronto” para o dia. 

“Agora, imagine estar na fase N3, é como se você estivesse a 2 km por hora e de repente você é acordado. É muito abrupto, muito ruim acordar em N3 por causa dessa profundidade. As ondas cerebrais estão lentificadas”, completa. 

Quando acordamos nesse estágio, é comum termos a sensação de que estávamos muito longe, distantes da realidade. 

 

Por que sonhamos?

Em 2005, essa foi uma das perguntas na lista de 125 perguntas sem resposta para os cientistas do século 21, publicada pela revista “Science”, uma das publicações mais prestigiadas do mundo na área, em comemoração aos seus 125 anos de existência. Hoje, mais de 15 anos depois, ainda não há uma resposta definida para essa pergunta. A função do sonho é uma área misteriosa para a ciência. 

“A gente não tem até hoje na literatura descrito o porquê da gente sonhar, para que servem os sonhos. O que a gente pode dizer é que eles são um processamento do cérebro de reorganização das imagens, das informações obtidas durante o nosso dia a dia”, explica a dra. Monica. 

Para o dr. Fernando, quando analisamos o sono de maneira geral, ele talvez seja a ferramenta humana mais importante de adaptação. “A gente talvez seja a espécie que domina o planeta porque consegue se adaptar a diversas situações no que diz respeito a temperatura, clima, comportamento social e linguagem”, afirma.

Um exemplo disso é que, se você for morar fora do país, depois de alguns meses você começa a sonhar na língua estrangeira que está aprendendo. “E isso é muito importante, isso mostra pra gente uma capacidade adaptativa do sistema nervoso central a viver o ambiente em que você está. E isso funciona o tempo todo, toda noite você está se adaptando à realidade a que você está exposto”, explica o médico. “Então o sonho, na verdade, faz parte de um conjunto de ações do sistema nervoso central que tem como característica principal a sua adaptabilidade ao meio ambiente em que você vive – seja no nível cognitivo, fisiológico ou biológico.” 

O sonho muitas vezes é nebuloso porque não segue uma sequência lógica, mas ele está totalmente relacionado ao nosso dia a dia. “É uma releitura. Existem algumas teorias de que o sonho inclusive ajuda na fixação da memória; é como se você vivesse em primeira pessoa aquilo que você viu ou presenciou durante o dia. Fazer com que você viva a situação como autor principal, levando então a um aprendizado maior. São teorias que existem em relação ao sonho, mas ainda tem muita coisa que a gente não tem domínio”, completa o neurologista. 

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O conteúdo dos sonhos

Conforme falamos acima, o sonho está diretamente relacionado à nossa realidade e contexto de vida. “A gente sonha com o nosso cotidiano. Você sonha com o seu chefe, você sonha com a sua colega de trabalho, você sonha com a eleição, você sonha com aquilo que está ao seu redor. Uma mulher que está grávida sonha com a gravidez, uma pessoa que vai casar sonha com o casamento”, afirma a dra. Monica. 

“Se você estiver numa fase estressante, você vai ter sonhos mais intensos, mais fortes, mas não necessariamente pesadelos. E os pesadelos nada mais são do que sonhos que você não gosta do conteúdo. Sonhar com ladrão, por exemplo, você não gosta, mas é uma informação que você teve, talvez tenha lido no jornal, visto uma notícia de tiroteio, alguma coisa assim”, completa. 

Prova disso é que, desde a chegada da covid-19, as pessoas passaram a sonhar com coisas relacionadas à pandemia. “Algumas pessoas começaram a estudar sonhos e viram que as pessoas começaram a sonhar com aglomeração, fricção de mãos e pessoas mascaradas – porque, olha só, até a pandemia, você não costumava passar álcool em gel na mão e usar máscara. De repente, de uma forma abrupta e permeada de ansiedade, nós começamos a ter um novo contexto na nossa vida”, explica ela. 

Agora você pode estar se perguntando: por que, muitas vezes, eu sonho com coisas sem sentido ou sem nenhuma conexão com a minha realidade?

O que ocorre, segundo a especialista, é que durante os sonhos o cérebro “levanta e bagunça” todas as nossas memórias. Imagine um jogo de cartas com as informações que estão na sua mente. Na hora do sonho, é como se essas cartas fossem jogadas para cima e sorteadas de forma completamente aleatória. 

É por isso que em um mesmo sonho você pode misturar, por exemplo, a notícia de uma tragédia – como a queda de um avião que você tenha visto na TV semanas atrás – com a presença da sua melhor amiga ou mesmo de um ator famoso, por exemplo. Mesmo que você não tenha falado ou pensado neles naquele dia, aquelas pessoas e coisas estão dentro do seu “repertório”, da sua memória. E foram as sorteadas naquela noite. 

 

Sonhamos todas as noites?

Mesmo que não se lembre, se você dormiu na noite passada, você sonhou. Todas as noites em que dormimos, sonhamos – sem exceção. “Sonhar é fundamental. Todo mundo sonha, com certeza, e faz parte do processo de equilíbrio do organismo”, afirma o dr. Fernando. 

E não é pouca coisa: são cerca de 90 minutos de sonho por noite, considerando uma pessoa que esteja dormindo bem (a quantidade de horas necessárias).

Porém, para que a gente se lembre dos sonhos, é preciso acordar no momento em que o sonho está ocorrendo – ou seja, normalmente durante o sono REM. Se acordar em outra fase, você não se lembrará de nada. “E olha como a natureza é sábia: por que o seu cérebro deveria guardar 90 minutos de informação por noite?”, comenta a dra. Monica. 

Vale destacar que, se uma pessoa está dormindo menos do que precisa, ela vai sonhar menos, já que o sono REM acontece mais para o fim da madrugada, na segunda parte do sono (após o sono essencial, que são aquelas quatro horas iniciais). 

Apesar de a maioria das pessoas precisar de uma média de 7 a 8 horas de sono por noite, existem aquelas que vão se satisfazer com menos de 6 horas e também aquelas que precisam de mais de 9 horas. Isso não é preguiça, mas sim uma característica genética e individual. 

“O que vale é como você acorda de manhã. Se você acorda de manhã disposta, pronta para começar seu dia, perfeito. Agora, se você acorda ainda com sono, é sinal de que estão faltando horas de sono. É importante a gente valorizar o nosso sono, porque, para ter um dia bom, precisamos ter uma noite de sono boa”, afirma. 

 

Relação entre sono e idade

Um recém-nascido dorme muitas horas por dia, e essa quantidade de horas vai diminuindo com o passar do tempo. Com a idade, passamos a dormir menos e com menos qualidade. É algo fisiológico. 

Segundo o dr. Fernando, a fase da vida em que temos mais aprendizado é até o segundo ano de idade. É neste período que aprendemos a falar, andar, comer, brincar. Essa também é a fase em que temos mais sono e sono mais ativo. Contudo, o sono REM só é estabelecido a partir de certa idade. Um bebê pequeno não tem o sono REM como a gente conhece; isso vai amadurecendo até o segundo ou terceiro ano de vida. 

Essa fase, que é similar ao sono REM que conhecemos no adulto, é muito mais ativa. Isso faz com que a criança tenha uma capacidade plástica neuronal, ou seja, capacidade de absorver, de desenvolver, de fazer novas vias de aprendizado, que é uma coisa brutalmente maior comparado com o adulto. Então, a quantidade e o tipo de sono estão diretamente relacionados com a capacidade de desenvolvimento cognitivo e outras habilidades”, explica o neurologista. 

Em resumo, quanto maior a quantidade de sono, maior a plasticidade neuronal, ou seja, maior a capacidade de aprendizado. Por isso, as crianças dormem muitas horas – elas estão em pleno desenvolvimento, e o desenvolvimento é repleto de aprendizados. E essa capacidade vai reduzindo conforme a idade avança. “A verdade é que o sono tem uma relação direta com o envelhecimento. Você envelhece, você perde qualidade e quantidade de sono”, completa. 

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