Pílulas anticoncepcionais | Entrevista

José Mendes Aldrighi é médico, professor de Ginecologia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e chefe do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Em co-autoria com André Arpad Falud e Antônio Pádua Mansur, escreveu o livro “Doença Cardiovascular no Climatério” (Editora Atheneu). postou em Entrevistas

Ginecologista entregando cartela de anticoncepcionais para paciente,

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Publicado em: 22 de fevereiro de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Apesar de a pílula ter aumentado a independência da mulher, trouxe também muitas dúvidas. Leia a entrevista sobre pílulas anticoncepcionais.

 

A primeira pílula anticoncepcional, Enovid-R, lançada no mercado em 1960, foi descoberta por acaso. Por estranho que possa parecer, interessados em descobrir um caminho para combater a esterilidade feminina, os pesquisadores chegaram a uma fórmula com ação contraceptiva. Esse achado foi de extrema importância para o sucesso da Revolução Sexual, que pôs fim a séculos e séculos de repressão, sobretudo para as mulheres, e alterou padrões de comportamento, visão de mundo e estilo de vida dos dois gêneros.

 

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Com a pílula, as mulheres se tornaram donas do próprio corpo, puderam exercer a sexualidade sem o ônus da gravidez indesejada. Isso lhes abriu as portas do mercado de trabalho e lhes possibilitou investir em novos tipos de relacionamento. Desde então, a pílula vem sendo utilizada como forma de garantir a liberdade sexual, já preconizada por pensadores como Freud, Reich e Kinsey.

As primeiras lançadas no mercado continham altas doses de estrogênio e provocavam efeitos colaterais indesejáveis, como aumento de peso, distúrbios vasculares e dor nas mamas. A redução desse hormônio e do progestogênio nas fórmulas mais modernas reduziu significativamente a ocorrência dos efeitos indesejáveis. Entretanto, seu uso é contraindicado após os 35 anos para as mulheres que fumam, porque aumenta o risco de acidentes cardiovasculares.

 

COMPOSIÇÃO E EFEITOS COLATERAIS DAS PÍLULAS ANTICONCEPCIONAIS

 

Drauzio – As primeiras pílulas que surgiram eram muito diferentes das atuais?

José Mendes Aldrighi – As pílulas contraceptivas lançadas em 1960 tinham doses altíssimas de hormônios. As atuais contêm muito menos progesterona e estrogênio em sua composição.

 

Drauzio – Quais as consequências da alta dosagem de hormônio existente nas primeiras pílulas anticoncepcionais?

José Mendes Aldrighi – Três anos depois do lançamento no mercado, as mulheres começaram a apresentar alguns problemas que foram atribuídos ao uso da pílula. O primeiro foi o tromboembolismo. Em vista disso, um comitê na Inglaterra achou por bem estudar o assunto para encontrar o que provocava essa complicação e concluiu que estava associada à alta dosagem de estrogênio.

O passo seguinte, então, foi pedir aos laboratórios que reduzissem a quantidade de estrogênio nas pílulas (as atuais contêm 20 microgramas de estrogênio; as produzidas em 1960 continham 150 microgramas) e a incidência de trombose caiu 25%.

Ao contrário das pílulas modernas que trazem até benefícios para o útero, as produzidas na década de 1960 exerciam um impacto negativo sobre esse órgão, que se refletia na ocorrência maior de câncer.

 

Vídeo: Dr. Drauzio fala sobre pílulas anticoncepcionais e trombose

 

Drauzio – Reduzir a quantidade de hormônio fez também diminuir outros efeitos colaterais desagradáveis que algumas mulheres apresentam quando tomam pílula?

José Mendes Aldrighi – O grande benefício que a pílula representou na vida das mulheres foi a condição de exercer sua sexualidade sem o ônus da gravidez, risco sempre presente antes da década de 1960.

A redução dos níveis de estrogênio também tornou possível controlar dois efeitos adversos das pílulas de alta dosagem hormonal: o aumento de peso e a dor nas mamas. Hoje, sabemos que elas promoviam inchaço e não propriamente acúmulo maior de tecido adiposo. De qualquer forma, a baixa dosagem de hormônios que entra na composição das pílulas modernas faz a mulher inchar menos e, consequentemente, ganhar menos peso.

 

INDICAÇÃO PRECOCE DE PÍLULAS ANTICONCEPCIONAIS

 

Drauzio – Com que idade uma mulher pode começar a usar a pílula como anticoncepcional?

José Mendes Aldrighi – Temos observado que o início da atividade sexual das adolescentes está ocorrendo cada vez mais cedo. Entretanto, podemos dizer que, a maioria das meninas só procura orientação médica, quando já mantém relações sexuais há seis, oito meses. O pior é que, nessa altura, muitas estão grávidas ou tendo vida sexual intensa sem utilizar método contraceptivo adequado.

Uma pesquisa que realizamos em 1989 mostrou que o início da vida sexual ocorre, em média, ao redor dos 15 anos. Nessa oportunidade, foi muito discutido se a pílula dada precocemente, poderia resultar num transtorno futuro para a adolescente.

Levando em conta que já atendemos meninas grávidas de gêmeos aos 11 anos, considero descabido o argumento de que não é necessário indicar a pílula anticoncepcional nessa faixa etária, porque elas ainda não estariam amadurecidas para engravidar. Por outro lado, é preciso reiterar que o uso da pílula não representa fator de risco para infertilidade no futuro nem para a interrupção no crescimento como algumas mães temem. A dose de estrogênio que as pílulas atuais contêm em sua fórmula é extremamente baixa e não causa qualquer prejuízo para o desenvolvimento da garota.

Portanto, do ponto de vista prático, a pílula anticoncepcional pode ser utilizada precocemente, desde que a menina seja examinada, orientada e acompanhada por um profissional da saúde.

 

USO CONTÍNUO DE PÍLULAS ANTICONCEPCIONAIS

 

Drauzio – A pílula pode ser utilizada ininterruptamente ou você recomenda que a mulher faça algumas pausas?

José Mendes Aldrighi – Quando começamos a trabalhar com anticoncepção, a regra era que as mulheres deveriam fazer pausas no uso de pílulas contraceptivas. Hoje, a experiência nos mostra que, quando há pausas, o índice de gravidez indesejada fica ao redor de 20%. Alto, portanto.

 

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Além disso, o medo de que o uso ininterrupto e prolongado da pílula pudesse transformar-se num problema clínico mostrou-se improcedente. Na verdade, acontece o contrário. As pausas fazem com que o organismo esteja em constante processo de adaptação. Vamos tomar, como exemplo, o metabolismo que acaba se ajustando ao uso de hormônios. Uma vez suspensa a administração da pílula, ele entra em repouso. Algum tempo depois, porém, recebe nova carga de hormônios e precisa readaptar seu funcionamento.

 

CONTRAINDICAÇÕES DAS PÍLULAS ANTICONCEPCIONAIS

 

Drauzio – Existem situações em que o recomendável é fazer uma pausa na utilização da pílula? 

José Mendes Aldrighi – Recomenda-se que a mulher suspenda o uso da pílula semanas antes de fazer uma cirurgia eletiva. Por exemplo, se marcou uma operação de vesícula ou cirurgia plástica, é aconselhável que deixe de tomar a pílula entre quatro e seis semanas antes da intervenção, porque a ingestão de estrogênio pode representar fator de risco para a formação de trombos. Essa recomendação é válida também para as mulheres que vão extrair o dente do siso, para evitar a ocorrência de sangramento mais intenso.

 

Drauzio – Essa é uma informação importante, visto que nessa idade muitas mulheres precisam extrair esse dente. Você recomenda que quanto tempo antes de arrancar o dente do siso elas parem de tomar a pílula?

José Mendes Aldrighi – De 4 a 6 semanas. E não é somente nesses casos. Essa é a atitude mais prudente quando decidem fazer uma cirurgia para reduzir ou aumentar o tamanho das mamas. Aliás, como essa operação é mais extensa do que uma simples extração do siso, o melhor é que só voltem a tomar a pílula somente 4 semanas depois da operadas.

 

Drauzio – Resumindo: a orientação é que qualquer que seja o tipo de cirurgia, mesmo que seja uma simples extração do dente do siso, a mulher deve suspender o uso da pílula 4 semanas antes da intervenção e só retomá-lo 4 semanas depois. Fora isso, você não vê necessidade de prescrever períodos de descanso.

José Mendes Aldrighi – Exatamente, embora não haja base cientifica para a prescrição desses descansos. No entanto, existem situações em que somos obrigados a interromper o uso do hormônio imediatamente. Se a jovem apresentar dor de cabeça intensa sem nenhuma outra causa aparente, suspende-se a pílula anticoncepcional e acompanha-se a evolução do quadro. A mesma conduta é adotada quando aparecem alterações visuais, como a diplopia (visão dupla) ou a perda da visão lateral, para afastar a hipótese de estarmos diante de um problema vascular causado pela pílula.

Também tenho proposto a suspensão da pílula quando a duração das menstruações diminui muito, porque há mulheres mais sensíveis ao hormônio nela contido. Por exemplo, antes de tomar a pílula, o período menstrual era de 5 dias. Depois, passou para 1 ou 2 dias, ou a mulher até deixou de menstruar. Esses casos requerem retorno imediato ao médico para acompanhamento e orientação.

 

CONTROLE PERIÓDICO

 

Drauzio – Quem toma pílula precisa da orientação periódica de um profissional com experiência na área?

José Mendes Aldrighi – Sem dúvida. Essa é uma recomendação importante, uma vez que é comum as jovens começarem a tomar a pílula, seguindo o conselho de uma amiga ou a indicação do farmacêutico e não recebem as informações imprescindíveis para seu uso adequado e seguro. Veja o exemplo da associação da pílula anticoncepcional com o cigarro. Há muito está consagrado que, nas mulheres acima dos 35 anos, o uso da pílula representa um fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, risco que aumenta se forem fumantes. No entanto, aceita-se que as mais jovens tomem a pílula, mesmo sendo fumantes.

Nós médicos, porém, preocupados com a prevenção de distúrbios vasculares, devemos insistir para que essas jovens abandonem o tabagismo, porque a combinação do cigarro com a pílula aumenta o risco de trombose.

 

INDICAÇÃO NO CLIMATÉRIO

 

Drauzio – Até que idade a mulher pode tomar a pílula anticoncepcional?

José Mendes Aldrighi – A partir dos 40 anos, a mulher entra numa nova fase da vida: o climatério, um período que se inicia mais ou menos nessa faixa de idade e se estende até os 65 anos. Em geral, entre os 40 e os 50 anos (por volta dos 50 anos ocorre a menopausa, isto é, a última menstruação), ela menstrua normalmente e pode engravidar. Por isso, pode valer-se da pílula contraceptiva, desde que não seja fumante nem hipertensa (pressão alta) ou portadora de diabetes. As obesas e aquelas com antecedentes familiares de doenças cardíacas com morte abaixo dos 55 anos também não devem fazer uso da pílula anticoncepcional.

Essa é uma contraindicação que merece ser enfatizada: quem tem um parente de primeiro grau (pai, mãe, irmão, por exemplo) cuja causa da morte antes dos 55 anos foi um problema cardiovascular deve abolir o uso da pílula como método contraceptivo.

 

Drauzio — Não havendo fatores de risco associados, como os que você acaba de citar, o uso da pílula anticoncepcional pode trazer benefícios para as mulheres nessa faixa de idade que vão além das vantagens contraceptivas. Você poderia explicá-los?

José Mendes Aldrighi – Está provado que, além da ação contraceptiva, a pílula anticoncepcional protege as mulheres acima de 40 anos contra a perda de cálcio ósseo, ou seja, contra a osteopenia ou osteoporose.

Todos nós, homens e mulheres, construímos uma espécie de banco de cálcio desde a infância, que vai sendo incorporado aos nossos ossos à medida que nos alimentamos e fazemos exercícios. Quanto mais cálcio ingerirmos e exercícios fizermos, quanto menos fumarmos, maior será nosso capital reservado para consumo no futuro, quando a absorção desse mineral tiver diminuído.

Esse processo inexorável atinge mais as mulheres do que os homens. A partir dos 35 anos, quase todas começam a apresentar perda fisiológica de cálcio nos ossos. Em média, perdem 0,18% ao ano. Aquelas que acumularam uma reserva consistente, não sentem muito as consequências dessa perda. Não é o que acontece com as fumantes, por exemplo. Essas, a partir dos 35 anos, começam a perder o pouco que têm de massa óssea e evoluem para a osteopenia — se a carência for pequena — e para a osteoporose — se for acentuada.

 

TIPOS DE PÍLULAS ANTICONCEPCIONAIS

 

Drauzio – Qual é a composição das pílulas anticoncepcionais disponíveis atualmente no mercado?

José Mendes Aldrighi – Basicamente, existem 2 grandes grupos de pílulas anticoncepcionais. O primeiro é constituído pelas pílulas que contêm dois hormônios femininos sintéticos: o estrogênio associado ao progestogênio. Além de bloquear a ovulação, essas pílulas agem sobre o colo do útero, impedindo que dilate, como forma de dificultar a passagem do espermatozoide para a cavidade uterina, ou seja, elas fecham a porta de entrada do espermatozoide. Além disso, agem no próprio útero evitando que adquira as condições necessárias para acolher o ovo.

O segundo grupo é formado pelas pílulas que contêm só progestogênio. Essas agem sobre a hipófise para bloquear a ovulação e provocam um fechamento mais intenso do colo do útero para impedir a ascensão do espermatozoide.

 

Drauzio – Quais as vantagens dos hormônios sintéticos com finalidade contraceptiva aplicados por via injetável?

José Mendes Aldrighi – Além de as associações hormonais serem aplicadas por via injetável numa dose única uma vez por mês, elas representam uma opção para as mulheres com intolerância aos hormônios por via oral e para as adolescentes, uma vez que com frequência elas se esquecem de tomar a pílula. Outra vantagem é que ajudam a manter a privacidade, pois desobrigam as jovens de andar com a cartela de comprimidos na bolsa.

O laboratório que fabrica a injeção também fornece uma seringa com agulha pequena, que torna a aplicação praticamente indolor e seu preço regula com o das pílulas convencionais.

 

Vídeo: Dr. Drauzio fala sobre os anticoncepcionais injetáveis

 

Drauzio – É mesmo comum ouvir as meninas dizerem: “Ah, esqueci de tomar a pílula ontem. O que é que eu faço?”. Qual é sua recomendação para a escolha do método anticoncepcional mais indicado para essas garotas?

José Mendes Aldrighi – O primeiro passo é o médico mostrar-se grande amigo daquela cliente, a fim de estabelecer um vínculo de confiança que favorece a conversa sincera entre ambos. Depois, é preciso ser bastante didático, ao expor quais são os métodos contraceptivos disponíveis e as vantagens e desvantagens de cada um deles. Se a escolha recair sobre a pílula anticoncepcional, é fundamental fazer a moça entender como funciona o medicamento e a necessidade de tomá-lo todos os dias para garantir sua eficácia.

 

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O esquema é o seguinte: no primeiro mês, ela deve começar a tomar a pílula no primeiro dia de sangramento menstrual e seguir tomando por 21 dias seguidos, sempre no mesmo horário. Depois faz uma pausa de 7 dias e recomeça a tomá-las, seguindo a mesma orientação: toma por 21 dias consecutivos, para 7 dias, volta tomar 21, para 7, e assim sucessivamente.

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