Uso abusivo de álcool: quais são os sinais de alerta?

copos com dose de bebida alcoólica. veja os sinais do uso abusivo de álcool

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Publicado em: 28 de fevereiro de 2024

Revisado em: 4 de março de 2024

Saiba quais sinais indicam que o consumo de bebidas alcoólicas pode estar passando de ponto e como buscar ajuda em caso de uso abusivo de álcool. 

 

O álcool está presente no dia a dia de muitas pessoas, seja em eventos sociais (festas, churrascos, happy hours) ou em casa, muitas vezes sendo usado como forma de relaxar depois de um dia estressante. 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reforça que não existe nível seguro para o consumo de álcool, o que significa que qualquer quantidade pode ser prejudicial ao organismo. Mas quando existe de fato um quadro de alcoolismo, as consequências podem ser graves e levar a sérios problemas de saúde física (como cirrose hepática, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares) e mental (como ansiedade, depressão e outros transtornos psiquiátricos).

De acordo com dados do Ministério da Saúde, cerca de 18% da população brasileira adulta faz uso abusivo de álcool. Embora seja mais frequente entre os homens, o consumo abusivo entre as mulheres tem crescido nos últimos anos. Além disso, em 2021, o SUS registrou um aumento de 12% no atendimento a pessoas com transtornos mentais por uso de álcool e drogas em relação ao ano anterior. 

Muitas pessoas têm dificuldade de perceber quando o seu consumo de álcool começa a se tornar problemático. Por isso, é importante prestar atenção aos sinais de alerta e entender quando é hora de procurar ajuda especializada. 

 

Sinais de alerta

A psiquiatra Renata Figueiredo, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), lista os principais sinais de alerta que podem indicar um problema com o álcool e que a pessoa precisa buscar ajuda:

  • Consumo excessivo: beber mais do que o pretendido, ou beber com mais frequência do que o planejado;
  • Desenvolvimento de tolerância: necessidade de consumir quantidades cada vez maiores de álcool para sentir os mesmos efeitos;
  • Desejo incontrolável de beber: sentir uma forte vontade de beber e dificuldade em controlar o consumo; 
  • Negligência de responsabilidades: priorizar o consumo de álcool em detrimento de responsabilidades familiares, profissionais ou sociais; 
  • Prejuízos à saúde: experimentar problemas de saúde relacionados ao consumo de álcool, como problemas hepáticos, gastrointestinais ou cardiovasculares;
  • Problemas interpessoais: passar a ter conflitos recorrentes com amigos, familiares ou colegas devido ao consumo de álcool;
  • Isolamento social: retirar-se de atividades sociais habituais para beber sozinho ou em situações isoladas;
  • Dificuldade de parar: tentar diminuir ou parar de beber sem sucesso, mesmo quando há reconhecimento dos problemas causados pelo consumo de álcool;
  • Abstinência: experimentar sintomas físicos e emocionais desagradáveis quando não se consome álcool, como tremores, ansiedade, sudorese e irritabilidade;
  • Prioridade do álcool sobre si mesmo: ignorar o autocuidado e o bem-estar pessoal em favor do consumo de álcool. 

Arthur Guerra, psiquiatra e presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), explica que o desejo de beber é um dos sinais mais perceptíveis pela própria pessoa. “A vontade de beber é tão forte que a pessoa não consegue pensar em outra coisa. Acompanhado disso, ocorrem episódios de ‘fissura’, ou seja, há um desejo intenso ou urgência em consumir álcool, muitas vezes incontrolável.”

Enquanto isso, a dificuldade de parar de beber é um dos sinais mais percebidos pelas outras pessoas e costuma ser uma das principais pistas de que o uso se tornou problemático.

Segundo o médico, quando o quadro de consumo nocivo começa a se agravar, é comum que a pessoa passe a priorizar a bebida cada vez mais, deixando de lado outras atividades e obrigações. Além disso, muitas pessoas acabam usando o álcool para aliviar os sintomas de abstinência e acabam entrando em um círculo vicioso. “O reconhecimento desses sinais é extremamente relevante, pois marcam a necessidade de acompanhamento médico e de outros profissionais da saúde”, afirma. 

        Assista: Quando o consumo de álcool se torna excessivo?

 

Fatores que aumentam o risco de dependência

“Vários fatores podem aumentar o risco de uma pessoa desenvolver dependência química por álcool”, afirma a dra. Renata. Esses fatores podem incluir:

  • Histórico familiar de dependência química;
  • Ambientes nos quais o consumo de álcool é comum, aceito ou até mesmo incentivado, como em determinados grupos sociais ou culturas; 
  • Experiências traumáticas como abuso, negligência, violência ou eventos estressantes significativos (podem aumentar a probabilidade de uma pessoa recorrer ao álcool como forma de lidar com suas emoções);
  • Transtornos de saúde mental, como depressão, ansiedade, transtorno bipolar ou transtorno de estresse pós-traumático (podem coexistir com o abuso de álcool e aumentar o risco de dependência);
  • Início do consumo de álcool em idade precoce, especialmente durante a adolescência;
  • Pressão social para beber, influência dos pares e normas culturais que promovem o consumo excessivo de álcool; 
  • Facilidade de acesso ao álcool e disponibilidade de bebidas alcoólicas em excesso; 
  • Certos traços de personalidade, como impulsividade, busca por sensações ou baixa autoestima. 

“É importante notar que a presença de um ou mais desses fatores não garante o desenvolvimento de dependência, mas sim aumenta o risco. Conhecer os fatores de risco pode ajudar na prevenção e na abordagem precoce de problemas relacionados ao álcool”, explica a médica. 

 

Questão genética

Conforme falamos acima, um dos fatores de risco para a dependência química por álcool é o histórico familiar da doença. Ou seja, pessoas cujo pai tem problemas com alcoolismo, por exemplo, estão mais vulneráveis à dependência. “Mas, como todas as doenças complexas, não estamos falando de apenas um gene. Existem diversos genes com potenciais efeitos no risco de alcoolismo. Por conta disso, esta é ainda uma questão em intenso estudo”, explica o dr. Arthur. 

Segundo o psiquiatra, existem também, em contrapartida, fatores genéticos de proteção contra o uso abusivo de álcool – por exemplo, pessoas com características genéticas que fazem que elas sintam os efeitos tóxicos do álcool logo nas primeiras doses, o que dificulta ou impede o consumo subsequente e, assim, reduz o risco de problemas graves associados ao álcool.

“Em resumo, sabemos que há um componente genético, com efeitos agregados de diversos genes, e há estudos ainda buscando avançar nosso conhecimento sobre isso. O que também está bastante estabelecido é a influência dos fatores ambientais e sociais que, quando desajustados, podem ser fator de risco para problemas com o uso de álcool”, completa o especialista.

        Veja também: Por que algumas pessoas trocam uma dependência por outra?

 

Como buscar ajuda e como ajudar

“Tanto a pessoa que está lutando contra a dependência de álcool quanto as pessoas próximas desempenham papéis importantes no processo de busca de ajuda e recuperação”, afirma a dra. Renata. 

De acordo com a especialista, o primeiro passo é reconhecer que há um problema com o álcool e estar disposto a buscar ajuda para lidar com isso. A partir daí, uma série de medidas podem ser tomadas, como: consultar um médico psiquiatra, que irá avaliar o caso e dar as orientações adequadas sobre os próximos passos; buscar grupos de apoio, que podem oferecer suporte emocional, compartilhamento de experiências e estratégias para recuperação; buscar tratamento especializado, que pode incluir programas de tratamento como reabilitação em regime ambulatorial ou internação, terapia cognitivo-comportamental e terapia familiar; e adotar hábitos saudáveis, como exercícios físicos, alimentação equilibrada, sono adequado e práticas de relaxamento, o que pode auxiliar no processo de recuperação. 

O SUS disponibiliza, por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), pontos de atenção para o atendimento de pessoas com transtornos mentais e/ou com problemas decorrentes do uso de álcool e outras substâncias. “Uma das principais são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que são abertos e comunitários. Fora da rede do SUS há também os grupos de ajuda mútua, como os Alcoólicos Anônimos, que são um excelente complemento para o tratamento médico e psicológico”, informa o dr. Arthur. 

Para o médico, o apoio de pessoas próximas pode acontecer em três etapas: reconhecimento, acolhimento e motivação. “Reconhecer os sinais de consumo problemático de álcool é importante, pois já acende um sinal de alerta de que algo não está bem. Acolher a pessoa com esse uso problemático é tanto ético quanto estratégico, já que um vínculo amigável pode facilitar a conversa e não afasta a pessoa quando você apresenta sua percepção do problema. Por fim, a motivação pode aparecer em muitas situações: motivação para procurar tratamento, para continuá-lo, para retomá-lo em caso de recaída, para mudar o estilo de vida, e assim por diante. O vínculo social ajuda muito em todas essas etapas. Ter uma rede de apoio que reconhece, acolhe e motiva é de grande valia”, destaca. 

A dra. Renata também lista algumas orientações para quem está tentando ajudar: 

  • Mostrar apoio incondicional e encorajamento à pessoa que está buscando ajuda é fundamental para sua motivação e determinação; 
  • Aprender sobre dependência de álcool e suas implicações, assim as pessoas próximas podem entender melhor os desafios enfrentados;
  • Definir limites saudáveis ​​e assertivos para garantir que o comportamento de consumo de álcool não afete negativamente a si mesmos ou a outros membros da família; 
  • Participar de terapia familiar pode ajudar a melhorar a comunicação, resolver conflitos e fortalecer os laços familiares durante o processo de recuperação; 
  • É importante que as pessoas próximas também cuidem de sua própria saúde emocional e bem-estar enquanto apoiam alguém em recuperação. 

 

Consumo abusivo de álcool x dependência química

De acordo com a psiquiatra da ABP, nem toda pessoa que tem uma relação problemática com a bebida alcoólica é dependente química. “A relação problemática com o álcool pode incluir padrões de consumo que causam problemas de saúde, sociais, financeiros ou ocupacionais, mas que podem não atender aos critérios diagnósticos para dependência.”

Pessoas que têm relação problemática com o álcool podem apresentar uma série de sinais de alerta, mas a médica explica que a dependência de álcool é diagnosticada com base em critérios específicos estabelecidos nos manuais diagnósticos, como o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria). “Estes critérios incluem uma combinação de sintomas comportamentais, emocionais e físicos que indicam uma compulsão pelo álcool e uma incapacidade de controlar o consumo”, afirma. 

Em ambos os casos, a recomendação é buscar tratamento. “É importante ressaltar que, independentemente de ser uma relação problemática com o álcool ou uma dependência, é fundamental procurar ajuda profissional para avaliação. O tratamento adequado pode ajudar a abordar os problemas relacionados ao álcool e promover a saúde e o bem-estar a longo prazo”, completa. 

Portanto, se você consome bebida alcoólica com frequência, é importante fazer uma reflexão sobre o espaço que o álcool ocupa em sua vida, identificar possíveis danos e buscar ajuda se necessário. 

“O álcool é uma substância que acompanha a humanidade há milhares de anos, e provavelmente este será o caso neste próximo milênio. Contudo, o consumo de álcool, no padrão nocivo, não deve ser trivializado. Há grandes riscos associados a ele, não apenas para o próprio indivíduo, mas para as pessoas no entorno. Seu consumo impacta os outros não apenas em termos de fatores de risco, mas também como um exemplo de interação com a bebida. Isso é especialmente importante para pessoas com filhos, pois o consumo dos pais afeta diretamente a percepção que os filhos vão ter sobre a bebida”, destaca o dr. Arthur. 

        Veja também: Uso de álcool: o que a ciência sabe

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