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Tabagismo, álcool e infecção por HPV são fatores de risco para câncer de cabeça e pescoço

Os tumores de cabeça e pescoço, que antes estavam associados a pessoas mais velhas com histórico de consumo de álcool ou tabagismo, agora começam a aparecer em pacientes mais jovens com infecção por HPV.
Publicado em 26/07/2021
Revisado em 26/07/2021

Os tumores de cabeça e pescoço, que antes estavam associados a pessoas mais velhas com histórico de consumo de álcool ou tabagismo, agora começam a aparecer em pacientes mais jovens com infecção por HPV.

 

Os tumores de cabeça e pescoço abrangem o câncer de face (cavidade nasal e seios paranasais), boca, garganta (ou faringe), laringe, glândulas salivares e tireoide. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), eles ocupam a segunda posição entre os cânceres que mais acometem homens no Brasil (atrás apenas do câncer de próstata) e a quinta entre os que mais atingem as mulheres. 

Os sintomas dependem da região afetada, mas um dos sinais mais importantes é o surgimento de uma ferida ou nódulo na região da boca ou garganta que não sara mesmo depois de três semanas. A lesão pode provocar dor para engolir, tosse persistente ou rouquidão.

Ainda que não se saiba a causa de alguns desses tumores, outros possuem fatores de risco bastante conhecidos (especialmente os tumores de boca, garganta e laringe). São eles: tabagismo, consumo exagerado de álcool e infecção por HPV.

 

Tabagismo, alcoolismo e câncer de cabeça e pescoço

O dr. Gustavo Philippi de Los Santos, cirurgião de cabeça e pescoço e médico assistente do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que, quando se fala em tabagismo, nenhuma quantidade de cigarros é segura.

“Quanto mais você fuma, maior o risco. Não só o cigarro normal, mas também o palheiro, a maconha, o narguilé. Até o fumante passivo (aquele que convive com pessoas que fumam diariamente) está mais sujeito ao tumor do que a população em geral”, diz.

Ainda assim, não é difícil encontrar pessoas idosas que fumaram a vida toda e nunca tiveram problemas mais graves. O dr. Philippi explica que isso tem a ver com a predisposição genética, já que o número de pacientes de apenas 20 ou 30 anos com problemas causados pelo tabagismo também é alto. “A gente não tem como saber, então o risco é muito grande”, pontua.

Apesar de não existir uma quantidade considerada segura para o consumo de álcool, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) alerta que o nível moderado é de até 14 g de álcool, o que equivale a uma latinha de cerveja de 350ml ou uma taça com 150ml de vinho, sendo 1 dose por dia para mulheres e no máximo 2 para homens. De acordo com o INCA, os dois hábitos somados (tabagismo e consumo exagerado de álcool) representam um risco 30 vezes maior de desenvolver câncer de cabeça e pescoço se comparado com indivíduos que não tenham esses costumes.

Veja também: Uso nocivo do álcool | Artigo

 

Quem são as pessoas mais afetadas?

Ainda de acordo com o INCA, homens adultos acima de 50 anos são os mais afetados pela doença, especialmente aqueles com histórico de consumo de álcool e tabagismo. Para o dr. Philippi, os números têm a ver com uma questão social.

O tabagismo é mais maléfico às mulheres do que aos homens por conta da rápida metabolização das substâncias psicoativas do cigarro e das próprias especificidades da população feminina, como a gravidez e o uso de pílulas anticoncepcionais. “Porém, como eles ainda fumam muito mais, estão mais sujeitos a esses tumores. São três homens para cada mulher com a doença”, ilustra.

Entretanto, o cenário vem mudando. A proibição do ato de fumar em locais fechados, a inclusão do tratamento do tabagismo no Sistema Único de Saúde (SUS) e outras medidas antitabaco implementadas pelo governo brasileiro reduziram em 40% o número de fumantes na última década, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Por outro lado, os cânceres de cabeça e pescoço estão atingindo um número cada vez maior de jovens adultos (entre 30 e 45 anos) e mulheres que não bebem ou fumam. Isso porque a quantidade de quadros ligados à infecção por HPV, especialmente os de câncer de garganta, vem crescendo.

Veja também: Mais da metade dos jovens têm HPV no Brasil

 

Por que o HPV é mais um risco para o câncer de cabeça e pescoço?

O HPV é uma infecção sexualmente transmissível (IST) provocada por um vírus, por meio do contato direto com a pele ou mucosa infectada, principalmente através do sexo oral. A infecção pode provocar verrugas na região genital e no ânus, mas a maioria das pessoas não apresenta nenhum sinal.

O dr. Philippi explica que, assim como o álcool e o tabaco, o vírus entra nas células e começa a alterar seu DNA, gerando células “doentes” durante a replicação. O organismo, então, reage para destruí-las, mas, com o tempo, o vírus se fortalece e começa a prejudicar os tecidos que defendem o corpo das células doentes. Estas, por sua vez, se multiplicam mais rápido do que as células normais e formam, assim, um tumor. 

No Brasil, 38,4% das pessoas infectadas pelo HPV possuem um subtipo de alto risco, isto é, associado a algum câncer, como o de cabeça e pescoço.

“Para que todo esse processo aconteça, é preciso anos de infecção. Em alguns casos, são quase três décadas até o vírus se transformar em câncer. Os tumores que estamos vendo se desenvolverem nos últimos anos têm muito a ver com a revolução sexual da década de 1980”, explica o dr. Philippi.

A revolução sexual foi um período de “libertação” que aconteceu entre as décadas de 1960 e 1980 em vários países, mudando a forma como as pessoas se relacionavam sexualmente. Tais transformações esbarraram no início da epidemia da aids, quando o mundo começou a discutir a utilização de preservativos.

Veja também: Câncer de garganta e sexo oral | Drauzio News #32

 

A camisinha e a vacina contra o HPV

“A camisinha, é claro, ajuda a diminuir a chance de contaminação. O problema é que, durante o sexo oral, as pessoas não têm o hábito de usar o preservativo. E o próprio contato da secreção com o lábio propicia a transmissão. É um vírus que se transmite muito mais do que os outros, até mais que o HIV”, explica dr. Philippi.

Portanto, o ideal mesmo é tomar a vacina, a qual já está disponível no SUS desde 2014. O imunizante é destinado a meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, além de mulheres imunossuprimidas de 9 a 45 anos e homens imunossuprimidos de 9 a 26 anos. A vacinação, que ocorre durante o ano todo nos postos de saúde, exige duas doses com intervalo de 6 meses entre si.

“Não dá para saber quem vai desenvolver a infecção pelo HPV uma vez em contato com o vírus. Então, se um menino estiver vacinado, além de ele não se contaminar, ele também não vai transmitir, protegendo a si mesmo e à pessoa com quem ele tiver relações”, destaca o médico.

Porém, ainda que o imunizante seja altamente eficaz e seguro, muitos pais não levam seus filhos para se vacinar com medo de estarem incentivando-os a iniciar a vida sexual. O dr. Philippi mostra que é justamente o contrário:

“A gente está protegendo as crianças para que, quando elas chegarem aos 50 anos, elas estejam saudáveis e menos sujeitas a cânceres como o de garganta”, explica.

Felizmente, o câncer de cabeça e pescoço associado ao HPV é menos agressivo do que aqueles causados pelo tabagismo ou consumo de álcool. O cirurgião acredita que nos próximos dois anos já teremos pesquisas de tratamento em fase III (isto é, que contam com a testagem em voluntários), possibilitando terapias menos intensas e invasivas a esses pacientes. 

Veja também: Por que vacinar seus filhos contra o HPV

 

Diagnóstico e tratamento

O tratamento dos tumores depende do local e do estágio em que ele está: 

  • Cirurgia: Atua na retirada da lesão quando ela ainda é pequena, com 90% a 95% de chance de cura. Entre as possíveis sequelas estão a cicatriz do procedimento, a possibilidade da língua ficar um pouco presa e maior dificuldade para falar, engolir e mexer o pescoço.

 

  • Quimioterapia: Em conjunto com a cirurgia, atua diretamente na divisão das células “doentes” quando a lesão já está com 3 centímetros ou mais e o tumor invadiu os tecidos vizinhos. Apresenta cerca de 60% de chance de cura. As possíveis sequelas são queda de cabelo, náusea, vômito e anemia.

 

  • Radioterapia: Também em conjunto com a cirurgia, tem ação semelhante à quimioterapia, mas deixa a pele mais enrijecida, com o aspecto de queimado de sol. Pode causar secura e inchaço na boca, o que dificulta para falar e engolir.

Segundo o dr. Philippi, o problema é que a maioria dos diagnósticos acontece em uma fase já bastante avançada do câncer, reduzindo as taxas de cura para 20% a 25% e aumentando a quantidade de sequelas. Por isso, procurar um médico assim que notar os sintomas é fundamental.

Veja também: Quimioterapia: Medos e dúvidas | Entrevista

 

Prevenção

Além do diagnóstico precoce, um estilo de vida mais saudável também pode ajudar na profilaxia desses tumores. Algumas dicas são:

  • Manter a higiene oral, cuidando dos dentes e da limpeza da boca;
  • Praticar exercícios físicos com frequência;
  • Manter uma boa alimentação;
  • Evitar alimentos ultraprocessados ou defumados;
  • Não exagerar no consumo de álcool;
  • Não fumar;
  • Vacinar as crianças contra o HPV;
  • Utilizar preservativos durante as relações sexuais.

Se você já for fumante, o médico recomenda buscar auxílio profissional, o qual poderá indicar a utilização de medicamentos para reduzir a ansiedade ou de nicotina em formato de chicletes ou de adesivo. “Até ocupar a boca com palitos pode ser uma opção para substituir o vício”, aconselha dr. Philippi.

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