A depressão pós-parto é um transtorno mental que atinge mães no puerpério. Entenda quais são os sintomas e o tratamento da doença.
A depressão pós-parto é um transtorno que pode acometer mães até quatro semanas depois do parto. A doença tem alta prevalência, mas muitas vezes é difícil de ser diagnosticada, já que muitas vezes as pessoas próximas não têm conhecimento sobre o problema e a própria paciente não entende o que está acontecendo e passa a se responsabilizar pelos sentimentos de tristeza.
Os sintomas podem incluir humor deprimido, cansaço, insônia, irritabilidade, ansiedade excessiva, alterações de peso e apetite, dificuldade e perda de prazer nos cuidados com o bebê, o que também acaba causando culpa em muitas mulheres.
Segundo Joel Rennó, psiquiatra, coordenador do Programa de Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq/HCFMUSP) e coordenador da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), entre 15% e 30% das mulheres têm depressão pós-parto no puerpério.
“Importante ressaltar que apenas 18% das mulheres diagnosticadas com depressão na gestação e no pós-parto procuram tratamento, em parte porque alguns sintomas confundem-se com a gestação normal – por exemplo, alterações no sono, apetite, cansaço –, e em parte em razão da crença de que esses devem ser períodos de satisfação e alegria e não tristeza na vida da mulher. Portanto, essas mulheres sofrem caladas”, afirma.
Depressão pós-parto ou baby blues?
O baby blues é uma condição bastante comum no puerpério que causa sintomas semelhantes aos da depressão pós-parto. Porém, nesse caso eles tendem a ser mais leves, transitórios e autolimitados. “Esses sintomas geralmente se desenvolvem dentro de dois a três dias após o parto, atingem um pico nos próximos dias e se resolvem espontaneamente em duas semanas após o início”, explica o médico.
O baby blues é considerado um fator de risco para a depressão pós-parto, portanto, é preciso prestar atenção aos sintomas e especialmente à duração deles.
“O baby blues não é um estado clínico grave, mas exige uma atenção especial da família. É preciso estar atento à evolução dos sintomas e perceber, quando necessário, a possível necessidade de intervenção de um especialista para a avaliação do quadro clínico da mãe. Normalmente, é um período controlável e temporário, que pode ser contornado com uma estrutura de apoio familiar firme e estável. Porém, o diagnóstico deve ser reavaliado caso se prolongue por mais de duas semanas”, afirma Cláudia Murta, psicóloga e professora titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
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Culpa materna
Obviamente, ninguém escolhe ter uma doença. Mas quando falamos em transtornos mentais, ainda há muito estigma e desinformação. Junte isso à fragilidade do pós-parto e a situação fica ainda mais delicada. Muitas mães muitas se culpam por se sentirem mal, especialmente pelas cobranças impostas pela sociedade ou mesmo pelas pessoas próximas de que elas estejam apenas felizes e gratas nessa fase.
A pediatra Eliana Sabino passou por um quadro de depressão pós-parto após o nascimento de sua segunda filha, em abril de 2009. Na época, tinha 34 anos, cursava o terceiro período do curso de medicina e já tinha um filho de 8 anos. A gestação não foi planejada, mas, mesmo assim, foi motivo de alegria e semintercorrências. “Apesar de ter sido um desafio cansativo conciliar a carga horária longa de aulas com a rotina exigente de uma gestante, ainda assim, foi uma alegria inesperada e aquele amor incondicional me preencheu de novo, mesmo sendo a segunda gravidez, tudo parecia uma novidade diferente”, conta.
O sofrimento de Eliana começou pouco tempo depois do parto. “O parto não teve complicações, mas após as primeiras 48 horas, lembro que a sensação que eu tinha era como se estivesse sozinha flutuando em alto mar em um silêncio ensurdecedor, como se houvesse um mundo inteiro desconhecido abaixo de mim e sobre o qual eu não tinha nenhum controle. Foi nesse momento que recebi uma ligação no meio da madrugada com a notícia de que havia perdido um grande amigo, minha dupla de apoio na faculdade, em um acidente de carro.”
Ela passou a ter sintomas como choros que vinham com uma sensação de bolo na garganta que lhe faziam sentir-se muito mal, vulnerável e com medo. E tudo foi piorando de forma progressiva. “Minha angústia era tão grande que eu não conseguia perceber que precisava de ajuda, realmente acreditei que estava sendo ingrata por me sentir daquela maneira, genuinamente pensei que era culpa minha.”
“Uma coisa era certa, eu tinha muito amor pela minha filha desde o primeiro dia, mas me senti insegura, incompreendida, angustiada, incapaz de ser mãe, incapaz de amamentar… Existia um autojulgamento muito grande. Eu pensava que era ingratidão da minha parte ser presenteada por Deus com uma filha saudável e ficar sofrendo sem compreender o porquê. Os sintomas foram piorando a cada dia até chegar a crises de pânico com choro, dificuldade respiratória, insônia, vômitos, falta de apetite e indisposição”, conta.
“Se tem um período em que a mulher é mais estigmatizada ainda, esse período é o período do ciclo gravídico puerperal. A gente sabe que infelizmente a tristeza é rechaçada por todos, é como se a mulher não pudesse ter o direito de se sentir triste, de se sentir desanimada durante esse período. Então, é fundamental que sejam feitos, em primeiro lugar, trabalhos de orientação não só à paciente, mas também aos familiares envolvidos no tratamento”, afirma o dr. Joel.
Fatores de risco para a depressão pós-parto
Segundo o psiquiatra, existem alguns fatores que podem aumentar o risco de uma mulher desenvolver a depressão pós-parto, como:
- Nível socioeconômico baixo;
- Maior número de filhos;
- Gravidez não planejada;
- Gravidez na adolescência;
- Eventos traumáticos na gestação e no parto;
- Histórico de transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM);
- Transtornos de humor prévios;
- Histórico de abuso físico, psicológico ou sexual;
- Depressão em gestação ou pós-parto anteriores;
- Etilismo (consumo excessivo de álcool), tabagismo ou uso de outra drogas;
- Violência doméstica;
- Hiperêmese gravídica (náuseas e vômitos intensos na gestação).
Quando falamos em causas, o médico explica que existem evidências de que as diversas oscilações hormonais desse período, além de vulnerabilidades genéticas, podem influenciar os sistemas biológicos e circuitos neuronais relacionados à depressão e, portanto, são fatores que predispõem à doença.
Ainda segundo ele, cerca de 60% dos quadros de depressão pós-parto iniciam-se já na gravidez. Por isso, uma gravidez de risco ou com outros gatilhos estressores é um grande fator de risco para a depressão pós-parto.
As mulheres no geral estão mais vulneráveis a questões de saúde mental no período de gestação e puerpério, pois normalmente experimentam situações e sentimentos extremamente intensos. “O pós-parto apresenta sintomas patológicos maiores, que exigem mais atenção que durante o período gestacional. Todavia, é preciso que haja ao longo da gestação um acompanhamento que vá muito além do aspecto fisiológico. Grande parte dos distúrbios psíquicos diagnosticados no pós-parto advém da gestação”, explica a psicóloga.
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Tratamento e possíveis complicações
“O tratamento da depressão pós-parto pode ser feito com diversas modalidades terapêuticas. A depender da intensidade do sofrimento e do grau da incapacidade funcional, recomenda-se sempre um somatório de medidas”, diz o psiquiatra.
Em casos leves, a psicoterapia é indicada. Cláudia destaca que o acompanhamento psicológico para as gestantes e puérperas em estado depressivo busca elaborar junto a elas o trabalho com os sentimentos que possam favorecer o estado depressivo. “Assim, neste acompanhamento, trabalhamos os sentimentos de medo, angústia, tristeza, vergonha e culpa que dificultam todo o processo de gestação e puerpério. Faz-se muito importante o acompanhamento psicológico durante a gestação e puerpério, pois sabemos que os estados emocionais interferem no aparecimento de doenças no tipo de parto e nas suas complicações, no aleitamento materno, no desenvolvimento do bebê, na capacidade da mulher de cuidar do recém-nascido, no retorno da mulher à vida sexual, na sua reinserção profissional após a licença maternidade, dentre outros.”
Em casos moderados e graves, pode ser recomendado o uso de medicamentos antidepressivos. “Nenhum antidepressivo está contraindicado na gravidez ou lactação, mas alguns aspectos de segurança devem ser discutidos sempre em uma decisão compartilhada envolvendo o psiquiatra, a paciente e o obstetra para fazermos um balanceamento dos riscos e benefícios”, completa o dr. Joel.
“Sei que sou privilegiada, porque além do tratamento medicamentoso e o acompanhamento psicológico, tive a assistência completa que me conscientizou do que estava de fato acontecendo dentro de mim, retirando das minhas costas o peso da culpa por ser uma mãe ingrata e colocando no lugar uma rede de apoio consciente que estava ao meu lado quando apareciam as vozes de ‘para que isso? Não tem motivo. Você devia ser grata por ter um filho saudável!’”, conta Eliana.
A médica estava no início do curso de medicina e conta que não tinha conhecimento ou experiência suficiente para enfrentar a situação. Assim, recebeu assistência de um psiquiatra que era seu professor na época para iniciar o tratamento.
“Confesso que senti receio por me expor daquela maneira, mas fui extremamente acolhida. Para além de todo o conhecimento técnico e científico, sua empatia foi primordial para minha melhora e com acolhimento que recebi dele e da minha rede de apoio já consciente da situação, tive uma resposta excelente com as intervenções, até que com dois meses do pós parto, já pude retornar à minha rotina acadêmica, superei as dores e dificuldades da amamentação e tive o privilégio de amamentar exclusivamente até os 6 meses. O que posso dizer para as mamães que estão enfrentando isso agora é: tudo bem não estar tudo bem o tempo todo, não se sinta culpada por sentir e assim que surgirem os primeiros sintomas, não hesite em buscar ajuda. Isso também demonstra sua força.”
Sem o tratamento adequado, a depressão pós-parto pode interferir negativamente no vínculo entre mãe e filho, causar problemas familiares e prejudicar a amamentação. Os bebês podem ter prejuízos no desenvolvimento cognitivo, psicomotor e de linguagem, além de estarem mais vulneráveis a desenvolver problemas de comportamento, como dificuldades para dormir e comer, crises de birra e hiperatividade.
Além disso, se não for tratada, os sintomas são potencializados e a doença pode durar meses e até se tornar um distúrbio crônico. Em casos mais graves, a depressão pós-parto pode levar a mulher ao suicídio.
Rede de apoio é fundamental
O dr. Joel destaca que em todo transtorno mental – incluindo a depressão pós-parto – a rede de apoio é fundamental. “Mas é importante que essa rede de apoio não venha acompanhada de críticas veladas, de relatos de experiências prévias que podem ter dado certo. É importante que não se faça comparações, não se regre condutas que sejam universais a todas as mulheres e que as mães possam expressar livremente seus sentimentos, mesmo que sejam sentimentos negativos, e que isso não [tenha] uma conotação de ‘mãe má’, jamais.”
O especialista destaca que muitas mulheres enfrentam dificuldades com seus familiares, que às vezes, mesmo com boas intenções, acabam fazendo comentários que fazem com que a mulher se sinta mal como mãe.
Foi mais ou menos isso que aconteceu com Eliana 14 anos atrás, antes de seus familiares terem conhecimento do problema.
“Esse é um tópico muito importante, mas percebo que ainda é subestimado. Eu tive rede de apoio, mas eram outros tempos, outras crenças e na época essa rede de apoio não tinha o conhecimento para compreender que eu estava depressiva e precisava de ajuda, apenas repetiam que o puerpério era difícil mesmo e que eu não tinha motivos para ficar triste. Só perceberam que eu definitivamente precisava de ajuda quando começaram a acontecer as crises de pânico com necessidade de atendimentos de urgência. Hoje, após ter vivenciado a depressão pós-parto e como profissional de saúde, estou certa de que a rede de apoio é um fator primordial no diagnóstico precoce da doença e sucesso no tratamento”, afirma a médica.
Depois do tratamento, ficou claro para ela o papel fundamental da rede de apoio na maternidade. “Muito mais do que pegar a criança no colo por alguns minutos enquanto a mãe descansa os braços, é estar sensível ao pedido de socorro que nós mães, que doamos corpo, alma e espírito ao nosso pequeno, por vezes, não conseguimos expressar.”
Cláudia ressalta ainda que o trabalho de uma equipe multidisciplinar é fundamental no tratamento da depressão pós-parto. “Profissionais da área de ginecologia, fisioterapia, enfermagem, assistência social e psicologia são imprescindíveis nesse processo, pois tanto a gestante quanto à puérpera em depressão precisam recuperar seus corpos e mentes tão transformados pelo período puerperal.”
“Alguns países como a Nova Zelândia, por exemplo, possuem casas de acolhimento para as puérperas preparadas para cuidar do bebê durante o tempo que for necessário a fim de que a mãe possa descansar e recuperar as forças. Nesses espaços, tanto a mãe quanto o bebê são cuidados por equipe multiprofissional. Esses espaços são mantidos pelo Estado e o acolhimento acontece mediante encaminhamento da assistência da saúde. Digo isso porque as políticas públicas devem se voltar para o atendimento multi e interdisciplinar da depressão puerperal a fim de proporcionar uma vivência do período perinatal de forma mais aprazível a gestante e para a puérpera”, completa.
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É possível prevenir a depressão pós-parto?
De acordo com o psiquiatra do IPq, nas mulheres do grupo de risco, mas sem sintomas, há baixa evidência científica de que o uso de medicamentos como a sertralina – um tipo de antidepressivo bastante utilizado – preveniria que essa mulher desenvolvesse a doença.
“Em termos de intervenção farmacológica tudo é muito questionável, salvo, é claro, se você diagnosticar um quadro de leve intensidade progredindo para intensidade moderada e intervir [com medicação] em uma doença já instalada no seu início, aí sim você pode evitar um quadro grave no período do pós-parto”, esclarece.
Mas existem algumas medidas que podem auxiliar na prevenção da depressão tanto na gravidez quanto no pós-parto, como:
- Aconselhamento profissional;
- Psicoterapia (terapia cognitivo-comportamental e terapia interpessoal);
- Intervenções psicossociais (no caso da mulheres com histórico de depressão ou fatores de risco socioeconômicos, como baixa renda ou gravidez na adolescência);
- Apoio de outras mães dividindo suas experiências e normalização de sentimentos;
- Trabalhar habilidades para lidar com o parceiro ou parceira e com familiares do convívio familiar, que muitas vezes fazem críticas à mãe e colocam nela a responsabilidade de tudo que envolve o bebê;
- Ter informações realistas sobre a maternidade;
- Ter informações e conselhos sobre os cuidados com recém-nascido;
“As pessoas acham que a mulher já nasce programada para ser mãe, que ela não tem dúvidas, medos, incertezas, inseguranças em relação a sua real capacidade de ser mãe ou às vezes até de cuidar do bebê, o que é uma situação de muito estigma para várias mulheres. Elas se colocam como se elas tivessem que ter habilidades com as quais elas já nasceram programadas”, destaca.
Ninguém nasce sabendo cuidar de um bebê. Os cuidados são aprendidos e aprimorados no dia a dia. Não se cobre tanto. Se você é mãe e tem sintomas de depressão pós-parto, não tenha vergonha de pedir ajuda. Se você tem uma parceira, familiar ou amiga que apresenta sinais da doença, dê apoio e incentive-a a buscar ajuda, sem julgamentos.