O sono é um pilar fundamental para a saúde e o desenvolvimento adequado das crianças. Saiba mais sobre essa relação.
O sono é importante em todas as fases da vida e tem impacto direto na nossa saúde e bem-estar de maneira geral. Mas para as crianças, o sono é ainda mais importante, porque desempenha um papel relevante no desenvolvimento infantil. Enquanto elas dormem – aliás, isso vale para todos nós –, diversos processos neurofisiológicos ocorrem no cérebro.
Segundo Ellen Balielo Manfrim, neuropediatra, neurofisiologista e diretora da Clínica Integrar, em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), durante o sono, o corpo e o cérebro da criança passam por processos de crescimento, consolidação da memória, regulação hormonal e reparação celular. Por isso, a qualidade e a quantidade adequada de sono são essenciais para o desenvolvimento saudável das crianças.
“É importante estabelecer rotinas regulares de sono, criar um ambiente propício para o descanso, limitar o uso de dispositivos eletrônicos antes de dormir e incentivar hábitos de sono saudáveis desde cedo. Se houver preocupações persistentes com o sono de uma criança, é recomendável buscar orientação de um profissional de saúde”, afirma.
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Qual o papel do sono no desenvolvimento?
A especialista lista as principais áreas do desenvolvimento que são impactadas pelo sono:
- Crescimento físico: durante o sono, a glândula pituitária (hipófise) libera o hormônio do crescimento, que é essencial para o desenvolvimento físico adequado das crianças. Durante os estágios mais profundos do sono, ocorre a síntese de proteínas, o que contribui para o crescimento e a reparação dos tecidos;
- Desenvolvimento cognitivo: o sono desempenha um papel importante na consolidação da memória e no aprendizado. Durante o sono, o cérebro reorganiza e armazena as informações adquiridas durante o dia. O sono adequado melhora a capacidade de atenção, concentração, resolução de problemas e desempenho cognitivo em geral;
- Saúde emocional: a falta de sono pode afetar negativamente o equilíbrio emocional das crianças. A privação crônica de sono pode causar problemas de regulação emocional, aumento da irritabilidade, dificuldades de controle de impulsos e maior suscetibilidade a transtornos como ansiedade e depressão;
- Desenvolvimento do sistema imunológico: durante o sono, o sistema imunológico é fortalecido, o que ajuda a criança a combater doenças e infecções. O sono inadequado ou interrompido pode levar a um sistema imunológico enfraquecido, tornando as crianças mais vulneráveis a problemas de saúde;
- Desenvolvimento comportamental: o sono inadequado pode afetar o comportamento das crianças. Crianças que não dormem o suficiente têm maior risco de desenvolver problemas de hiperatividade, impulsividade, agressividade e dificuldades de regulação comportamental.
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A relação entre o sono e os aprendizados
O sono tem papel importante no processo de aprendizado. Os bebês, por exemplo, aprendem habilidades novas em questão de semanas. Somente no primeiro ano de vida, a criança aprende a comer, a brincar, a rolar, a engatinhar, a se comunicar, entre dezenas de outras tarefas.
“A criança está aprendendo todos os dias: movimentos novos, palavras novas, coisas novas na escola. E o sono vai preparar a gente para o aprendizado no dia seguinte, além de repassar as informações que aconteceram durante o dia. Então, durante o sono a gente vai repassar todas as informações que nós tivemos ao longo do dia. Em outra fase do sono, nós vamos separar as informações que são importantes e, finalmente, a gente vai organizar essas informações importantes. De nada adianta eu ter várias informações, mas elas não estarem organizadas”, afirma Cristiane Fumo dos Santos, pediatra e presidente do Departamento de Medicina do Sono na Criança e no Adolescente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
“Pesquisas sugerem que o sono auxilia na consolidação da memória de várias maneiras. Ele fortalece as conexões sinápticas entre os neurônios, melhora a retenção de informações importantes e ajuda a filtrar e descartar informações irrelevantes. Além disso, o sono adequado melhora a plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de se adaptar e aprender”, explica a neuropediatra Ellen Manfrim.
Porém, ela destaca que o sono sozinho não é suficiente para o aprendizado efetivo. “O processo de aprendizado envolve a atenção durante a aquisição das informações, o processamento ativo e a prática repetida. O sono desempenha um papel complementar, facilitando a consolidação e o armazenamento das informações aprendidas.”
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Problemas de sono
Assim como os adultos, as crianças também podem ter distúrbios de sono. Conheça os sinais mais comuns que podem indicar algum problema, de acordo com a neuropediatra:
- Dificuldade para adormecer: a criança tem dificuldade para pegar no sono, demorando muito tempo para adormecer após deitar;
- Dificuldade para manter o sono: a criança acorda frequentemente durante a noite e tem dificuldade de voltar a dormir sozinha;
- Ronco alto: roncos frequentes e altos podem indicar a presença de apneia do sono ou outros distúrbios respiratórios durante o sono;
- Respiração irregular: a criança pode apresentar pausas na respiração durante o sono, seguidas de engasgos ou suspiros;
- Pesadelos frequentes: pesadelos frequentes que perturbam a criança e causam despertares noturnos podem indicar problemas de sono;
- Sonambulismo: a criança pode levantar-se da cama durante o sono, caminhar ou realizar outras atividades sem estar plenamente consciente;
- Terrores noturnos: episódios intensos de medo durante o sono, nos quais a criança pode gritar, chorar e ficar agitada (diferenciam-se dos pesadelos pela falta de consciência e memória posterior ao evento);
- Sonolência excessiva durante o dia: se a criança apresenta sonolência excessiva durante o dia, mesmo depois de ter dormido uma quantidade adequada de horas, isso pode indicar um distúrbio do sono;
- Irritabilidade e alterações de comportamento: a falta de sono adequado pode levar a mudanças no comportamento como irritabilidade, agitação, hiperatividade ou dificuldade de concentração.
“É importante ressaltar que esses sinais podem indicar a presença de um distúrbio do sono, mas também podem estar relacionados a outros problemas de saúde. Se você suspeitar que seu filho(a) está sofrendo de algum distúrbio do sono, é recomendável consultar um médico especialista em medicina do sono ou pediatra para obter um diagnóstico adequado e orientações de tratamento”, esclarece a dra. Ellen.
A pediatra Cristiane Santos destaca que a criança que não está dormindo bem não se comporta como o adulto que não está dormindo bem. “O adulto que não está dormindo bem vai ficar lentificado e sonolento no dia seguinte. A criança que não está dormindo bem vai ficar irritada, hiperativa – tanto que nós temos a recomendação de, antes de fecharmos um diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) diante de uma criança hiperativa, avaliar o sono. Precisamos fazer algum exame específico? Não. Muitas vezes, uma boa conversa com o pediatra já vai ser o suficiente”, explica.
Segundo a médica, também é importante observar se a criança está dormindo o tempo adequado, em um horário adequado, se existe uma grande diferença no padrão de sono da semana e do final de semana, se ela apresenta outros problemas de saúde que podem interferir no sono – como asma, rinite e dermatite atópica, por exemplo, que são condições que tendem a piorar à noite – e se ela está com olheiras.
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Quanto tempo as crianças devem dormir?
A necessidade de horas de sono por noite muda conforme a idade. Quando nascemos, precisamos de muitas horas e, conforme envelhecemos, essa necessidade vai diminuindo. Veja quantas horas as crianças devem dormir, em média, de acordo com a faixa etária:
- 0 a 3 meses – 14 a 17 horas
- 4 a 11 meses – 12 a 15 horas
- 1 a 2 anos – 11 a 14 horas
- 3 a 5 anos – 10 a 13 horas
- 6 a 13 anos – 9 a 11 horas
- 14 a 17 anos – 8 a 10 horas
Vale destacar que alguma variação fora dessa média pode ser normal. “A gente tem essa tabela do tempo de sono de acordo com a idade, mas é importante que a gente entenda que cada criança – cada pessoa, isso não é só na infância – tem uma necessidade diferente de sono. Então, aquela história de que o adulto precisa de 8 horas de sono, não é verdade. Algumas pessoas vão precisar de mais, outras pessoas vão precisar de menos”, afirma a pediatra.
Além disso, é preciso observar a qualidade e não somente o tempo de sono. “Esse tempo que a criança está dormindo está sendo um sono com qualidade ou tem algo que está atrapalhando esse sono?”, completa.
Orientações para um sono de qualidade
Para ajudar a criança a ter uma boa noite de sono, é necessário, primeiramente, prestar atenção ao dia dela. “Não adianta a gente tentar organizar a noite se o dia está bagunçado. Eu começo as questões de sono com ‘que horas é o jantar?’. Se o jantar acontece entre 17h e 20h, a gente já entendeu que essa criança não tem rotina, então não adianta tentar mudar algo no começo da noite enquanto a gente não muda o dia”, afirma a dra. Cristiane.
A rotina é essencial para o sono e o bem-estar das crianças. Além de ter horários regulares para dormir – inclusive evitando diferenças muito grandes entre a semana e o final de semana –, também é benéfico tentar fazer as atividades do dia a dia sempre nos mesmos horários, como refeições, atividade física, horários da escola, etc.
A rotina de sono vai depender da idade da criança. “Para bebês, eu gosto muito de banho para aqueles que não se agitam com o banho (tem algumas crianças que a gente pula essa parte da rotina, porque para elas não funciona bem). Se tiver alguma mamada, lanche, [dar esse lanche], escovar os dentinhos antes de dormir, ir para o quarto, colocar o pijaminha. E aí ter uma historinha. Essa historinha pode ser contada pelos pais, pode ser um livro, uma música, uma oração, de acordo com as características de cada família”, recomenda a pediatra.
“E para crianças maiores, além dessas rotinas – em geral, a gente pula a parte do banho –, a leitura de um livro ajuda bastante, além de aumentar o tempo de sono, tem outros efeitos benéficos, como melhorar o vocabulário da criança”, completa.
“Bebês e crianças mais novas podem precisar de mais horas de sono e de uma rotina mais estruturada, enquanto crianças mais velhas podem ter horários de sono mais flexíveis, mas ainda se beneficiam de uma rotina regular. Estabelecer uma rotina do sono consistente e saudável desde cedo pode ajudar as crianças a desenvolverem bons hábitos de sono que as acompanharão ao longo da vida, promovendo seu crescimento, saúde e bem-estar geral”, diz a dra. Ellen.
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