A bariátrica costuma ser um procedimento seguro. Mas é preciso falar dos cuidados pós-cirurgia bariátrica que devem ser tomados para evitar complicações e efeitos colaterais.
A cirurgia bariátrica é um procedimento indicado para reverter casos de obesidade grau 3. Ela ficou conhecida como “redução do estômago” porque muda a anatomia original do órgão e reduz sua capacidade de receber alimentos. No Brasil, são realizadas cerca de 65 mil cirurgias por ano, sendo 54 mil pela saúde suplementar (convênio) e 11 mil pelo sistema público de saúde.
Uma pessoa não operada tem espaço para consumir aproximadamente de 1 litro a 1,5 litro de alimentos. Já um estômago pós-bariátrica tem capacidade para 25 ml a 200 ml (equivalente a um copo americano). A cirurgia afeta ainda a produção do hormônio da saciedade, o GLP-1, o que diminui a vontade de comer, mas a redução da capacidade é mesmo a principal responsável pelo emagrecimento.
Cerca de 10% do peso é eliminado no primeiro mês, com uma perda que varia de 14% a 72% ao longo da vida. “Nos primeiros meses após a cirurgia, o paciente consegue comer apenas 200 g por refeição, o que faz com que ele perca peso expressivamente”, aponta o médico Marcos Leão Vilas Bôas, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Uma pessoa não operada ingere entre 300 g e 500 g por refeição.
Em geral, a bariátrica é um procedimento seguro. A taxa de mortalidade fica entre 0,1% e 1%, de acordo com o tipo da cirurgia. A segurança e os resultados que proporciona contribuíram para que houvesse aumento de 84,73% no número de cirurgias realizadas no Brasil, passando de 34.6289 em 2011 para 63.969 em 2018. Somos o segundo país com maior número de procedimentos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Pouco se fala, porém, nos cuidados pós-cirúrgicos que devem ser tomados para evitar complicações e efeitos colaterais.
Cuidados imediatos após a cirurgia bariátrica
Existem alguns critérios para passar pela cirurgia. Ela é recomendada para indivíduos obesos com IMC acima de 40 (para referência, é o caso de uma pessoa de 1,70 metro e 116 quilos), e pessoas que tenham IMC acima de 35 (como uma pessoa de 1,70 metro e 102 quilos) com doenças associadas, como diabetes, colesterol alto, hipertensão, hérnia de disco, esteatose hepática, entre outras.
Atualmente existem duas técnicas mais utilizadas. Sleeve ou manga é o método que retira parte do estômago sem alterar o intestino. Comumente é recomendada para pacientes que apresentem um quadro menos grave de obesidade. O outro método é chamado de bypass. Ele representa 70% das cirurgias realizadas no Brasil, sendo mais praticado no sistema público. Nesse caso, o estômago é reduzido com cortes ou grampos e é feita uma alteração no intestino para reconectá-lo à parte do estômago que irá permanecer funcional.
O que interfere mais no pós-cirúrgico é o modo como a cirurgia é realizada, que pode ser de duas formas: por laparoscopia — minimamente invasiva, por meio de uma pequena incisão no abdômen — ou aberta — através de um corte de 30 centímetros. Os cuidados são praticamente os mesmos, mas no caso do método aberto, por ser mais invasivo, o paciente deve ficar em repouso por mais tempo para que a cicatrização ocorra adequadamente. Quem fez a cirurgia por esse método também deve utilizar uma cinta ou faixa abdominal pelo período indicado pelo médico para evitar que os pontos se soltem.
Primeiros dias após a cirurgia bariátrica
Nos primeiros dias, o maior desafio é conciliar nutrição e hidratação adequadas com um estômago cuja capacidade passou a ser muito reduzida. A quantidade de água recomendada tradicionalmente, de dois a três litros por dia, continua valendo, mas o paciente precisa fazer a ingestão em porções muito pequenas, tomadas várias vezes ao longo do dia. Há pacientes que são orientados a tomar quantidades da ordem de 50 ml a cada 30 minutos, por exemplo.
Quanto à alimentação, o paciente deve seguir dieta líquida durante 15 dias, passando para uma dieta pastosa ou branda até receber liberação para a dieta sólida. Em geral, essa fase demora 30 dias.
Durante seis semanas, o paciente também não deve fazer grandes esforços. Por outro lado, a recomendação não deve ser entendida como desculpa para não se movimentar. Pelo contrário, é essencial se manter ativo e fazer leves caminhadas.
O acompanhamento deve ser criterioso, principalmente no caso das mulheres, pois a alteração na absorção de nutrientes pode ser tanta que há risco de a perda de sangue da menstruação provocar anemia. O problema é agravado porque a cirurgia pode fazer com que o fluxo menstrual aumente. “Recomendamos que a paciente suspenda a menstruação com DIU ou anticoncepcional”, afirma Vilas Bôas, da SBCBM. Mas vale lembrar: o indicado é usar métodos como adesivos ou injeções, que não passam pelo estômago, pois a absorção no trato gástrico pode não ocorrer adequadamente. A suspensão é indicada mesmo para mulheres que queiram engravidar, pois pacientes pós-bariátrica devem aguardar pelo menos 15 meses e consultar seu médico antes de uma gestação.
O excesso de pele geralmente não oferece grandes riscos. Embora a sobrepele possa causar micoses e dermatites, esses são problemas que podem ser prevenidos ou evitados. De qualquer forma, costuma-se indicar cirurgia para retirá-la depois que o paciente se adéqua à nova rotina, pois ela contribui para melhorar a autoestima.
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Estado emocional após cirurgia bariátrica
Com frequência, a saúde mental está envolvida de alguma forma na obesidade. O sobrepeso pode ser uma consequência de questões psicológicas anteriores, e fazer a cirurgia não é garantia de que elas irão desaparecer. O acompanhamento psicológico e psiquiátrico é essencial antes e depois do procedimento.
O impacto da mudança brusca na alimentação, peso e estilo de vida não pode ser subestimado. Pacientes que passaram pela cirurgia têm risco de automutilação aumentado em 50%, o que inclui traumas físicos, envenenamento e overdose de medicamentos e de álcool.
Amanda Aragão é jornalista e professora, e passou por uma cirurgia bariátrica. Após recomendação médica e incentivo de amigos, a jornalista optou por fazer a bariátrica, mas afirma que a pressão social e estética tiveram papel fundamental na decisão. Na época, ela sofria de compulsão alimentar e tinha IMC acima de 40. “Após a cirurgia, eu internalizei que não podia seguir tendo compulsão, pois teria complicações.”
Ela eliminou 65 quilos no total, sendo 20 quilos só no primeiro mês. No seu caso, precisou ir somente duas vezes a consultas obrigatórias com psicólogo antes e duas vezes após a cirurgia. “Teria sido melhor se eu tivesse acompanhamento. Faltou ênfase médica sobre esse e outros cuidados”, relata Aragão. Ela afirma que um ano após a cirurgia quase chegou a ter depressão. “As pessoas começaram a me tratar melhor. Comecei a refletir sobre o meu valor: Ele sempre esteve ligado ao meu peso?” Atualmente ela conta com o apoio de terapia para auxiliá-la.
Embora a perda de peso seja rápida, há risco de o paciente recuperar o peso. Quem passou pelo procedimento tem dificuldade de comer excessivamente porque o estômago perde a capacidade de comportar grandes quantidades de alimentos, mas é necessário praticar exercícios e seguir um acompanhamento multidisciplinar com nutricionista, endocrinologista, gastroenterologista, psicólogo, entre outros profissionais.
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A importância da suplementação
Um dos principais cuidados que a pessoa operada precisa ter é com os níveis de vitaminas e minerais, já que, após a cirurgia, a absorção não é mais completa. “Ferro e vitaminas B e D são suplementadas no primeiro mês, e a partir do segundo prescreve-se um polivitamínico que deve ser tomado durante a vida toda”, afirma Vilas Bôas. Essas vitaminas são essenciais para que o paciente não desenvolva problemas como anemia, fraqueza, dor muscular e óssea. Exames anuais devem ser feitos para acompanhar os níveis de nutrientes.
Em alguns casos, a perda de peso também pode provocar perda óssea, sendo que as mulheres mais velhas que não tomam suplementos vitamínicos formam o grupo de maior risco. Exercícios físicos contribuem para retardar esse processo.
“Desde que fiz a cirurgia tenho anemia, mesmo tomando suplemento vitamínico corretamente”, afirma Amanda. Atualmente, suas taxas de vitamina D, B12 e ferro estão abaixo dos índices de referência. Suas unhas descamam, o que pode ser uma consequência da falta de nutrientes. É fundamental que pacientes tenham monitoramento individualizado, para que cada caso possa ser contornado de acordo com características particulares. A administração de ferro, por exemplo, precisa de atenção especial. “Alguns médicos recomendam tipos de ferro que não são de fácil absorção, principalmente em pessoas que fizeram a cirurgia. É preciso adequar a dose e o tipo ao paciente”, orienta.
A falta de nutrientes também pode tornar a pele mais ressecada. Outras alterações dermatológicas, como queda de cabelo, também podem ocorrer, mas de acordo com o dr. Vilas Bôas esses são problemas simples de controlar. “A queda de cabelo é reflexo da deficiência de proteínas, ferro e outros minerais. Suplementar é sempre importante para repor”, afirma o médico.
Outras alterações possíveis após cirurgia bariátrica
Especialistas apontam que, após a cirurgia, a produção de saliva diminui, o que altera diretamente o paladar. Alimentos doces ou gordurosos podem ter seu sabor maximizado e se tornarem enjoativos, o que faz com que os pacientes passem a comer menos certas categorias de alimentos.
Alguns pacientes, como Amanda, sentem mais frio após a cirurgia. A explicação é simples: o tecido adiposo (gordura) tem propriedades isolantes, e faz com que pessoas obesas tenham maior resistência a baixas temperaturas.
Pacientes que passaram por cirurgia bariátrica também relatam que houve aumento da produção de gases intestinais. De acordo com o especialista da SBCBM, o efeito ocorre porque os alimentos não são digeridos completamente, o que faz com que eles sejam consumidos por completo no intestino pelas bactérias responsáveis pela produção dos gases. Não só o volume pode ser afetado, mas também o odor.
Complicações mais graves após cirurgia bariátrica
Principalmente nos primeiros meses após a operação, o paciente pode sentir que a comida “entalou” no trato digestivo. No entanto, não se trata de somente uma sensação: o alimento de fato entala, e o paciente se sente obrigado a vomitar para liberar a passagem. Para evitar esse desconforto, recomenda-se mastigar os alimentos devagar e evitar engolir pedaços grandes.
Refrigerantes também devem ser evitados nos seis primeiros meses, pois o gás pode provocar sensação de mal-estar e estufamento. Alguns médicos recomendam cortá-los definitivamente da dieta devido à alta concentração de açúcar, particularmente prejudicial para pacientes bariátricos porque a absorção rápida provoca picos de insulina.
Alimentos açucarados, junto com os muito gordurosos ou calóricos estão relacionados a uma complicação comum, mas pouco comentada, chamada síndrome de dumping. O problema acontece quando esse tipo de alimento passa rapidamente do estômago para o intestino. O quadro é descrito como uma sensação de “quase morte”, com mal-estar, suor, enjoo, diarreia, sono e coração disparado.
Certos alimentos acabam sendo cortados da alimentação porque o paciente deseja evitar passar por essa sensação. “Essa reação é um termômetro do corpo. O paciente não muda a alimentação porque ele quer: ele muda porque a cirurgia impõe”, alerta o dr. Marcos. Amanda Aragão relata que não tem propriamente crises de dumping, mas que ocorrem casos de hipoglicemia reativa quando ela consome grande quantidade de carboidratos simples, como macarrão. O problema é identificado pelo cansaço excessivo e má digestão.
Assim como o dumping, outros alimentos podem implicar dificuldade na hora da digestão. Uma pesquisa publicada em 2015 pela American Society for Bariatric Surgery (Sociedade Americana para Cirurgia Bariátrica, em tradução livre) acompanhou 72 pacientes que fizeram cirurgia bypass e identificou que 49% deles tiveram intolerância à carne vermelha no primeiro ano após a cirurgia. No quarto ano, 39% do grupo total apresentava intolerância. Nesses casos, é preciso ficar atento para adequar o cardápio de forma que as proteínas e minerais sejam substituídos por outros tipos de carnes, vegetais e, em alguns casos, suplementos vitamínicos.
Hérnias também podem ocorrer por decorrência da cirurgia. Elas são caracterizadas pelo deslocamento de um órgão ou estrutura para fora de sua localização original. A cirurgia bariátrica, principalmente feita por via aberta, fragiliza a parede interna do abdômen e pode ocasionar hérnias incisionais, ou seja, o deslocamento de órgãos da cavidade abdominal para dentro de incisões realizadas durante a cirurgia. Se a hérnia for estrangulada pelo orifício pelo qual ela avançou, a corrente sanguínea é interrompida, podendo gangrenar a região e provocar complicações mais graves. O tratamento de hérnia é cirúrgico.
Em alguns casos pode ocorrer também um volvo gástrico ou uma torção do intestino, problemas que obstruem a passagem de alimentos ou fezes. Amanda descobriu que possui esse tipo de torção quatro anos após a cirurgia. Os médicos afirmam que ela não deve se preocupar, mas Amanda tem receio de o quadro evoluir para um tipo específico de hérnia chamado hérnia de Petersen, que é de difícil diagnóstico e pode trazer complicações graves.
Amanda avalia que saber de antemão os riscos de complicações como essas e outras informações sobre o pós-operatório fariam-na não passar pela cirurgia. “Até que ponto eu escolhi de fato fazer a cirurgia se eu não tinha todas as informações sobre ela? Não sou contra, existem casos que precisam realmente de cirurgia bariátrica, mas sinto que ela foi banalizada”, conta a jornalista e professora.
O presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica diz não poder julgar a atuação dos profissionais, mas a entidade recomenda que todas informações sejam transmitidas ao paciente. A SBCBM mantém em seu site um vídeo bem completo com informações importantes sobre o pós-operatório, e orienta que médicos sempre o mostrem aos seus pacientes.
De modo geral, o indicado é que, ao sentir dores fortes na região abdominal, cólicas, enjoo frequente ou outros sintomas atípicos após a estabilização da cirurgia, o paciente procure um médico para analisar seu quadro e, caso necessário, inicie o tratamento adequado. “Há um ‘preço’ a se pagar, que é seguir o acompanhamento médico, realizar exames periódicos e tomar vitaminas corretamente. Mas o lado ruim da cirurgia bariátrica é muito pequeno quando comparado ao benefício”, reforça Vilas Bôas. A obesidade é um fator de risco para diversas doenças, como câncer, infarto, hipertensão e diabetes. Em muitos casos, a cirurgia bariátrica pode ser a melhor saída para reduzir riscos ao longo da vida, ainda mais em um país como o Brasil, que tem uma população obesa cada vez mais numerosa.