Pericardite é um processo inflamatório que afeta a membrana que recobre e protege o coração. A doença pode ser aguda ou crônica.
A parede do coração é constituída por três diferentes camadas: pericárdio (membrana que envolve o coração), o miocárdio (músculo cardíaco) e endocárdio (o revestimento interno das cavidades do coração das válvulas cardíacas).
O pericárdio é uma membrana dupla, semelhante a um saco, que envolve e protege o coração e as raízes dos vasos, separando-os de outras estruturas anatômicas que ocupam o mediastino (parte central da região torácica situada entre os pulmões, o esterno, a coluna vertebral e o diafragma).
A camada externa do pericárdio é fibrosa e resistente (daí o nome pericárdio fibroso), rica em colágeno e fibras elásticas. A interna – o pericárdio seroso – é constituída por duas lâminas, entre as quais existem espaços virtuais preenchidos por fina camada de um fluido lubrificante. A função desse líquido é neutralizar o atrito entre as paredes do coração e a membrana dura que o envolve, de tal modo que ele possa deslizar livremente dentro dessa espécie de bolsa durante os batimentos cardíacos.
Cabe também ao pericárdio manter o coração na posição correta dentro da cavidade torácica e o líquido pericárdico nos níveis adequados, assim como atuar como barreira física contra infecções e estabelecer limite para a distensão dos ventrículos.
A doença
Pericardite é um processo inflamatório que afeta a membrana que recobre e protege o coração. A doença pode ser aguda ou crônica. A forma aguda, em geral, é de instalação súbita e se estende por volta de uma a três semanas. Não raro, depois do primeiro episódio de pericardite aguda, seguido por um período de remissão completa durante quatro ou seis semanas, as crises podem repetir-se de tempos em tempos, o que caracteriza a pericardite aguda recorrente.
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Na forma crônica, o processo inflamatório se desenvolve aos poucos e evolui por longos períodos. Muitas vezes, o quadro permanece assintomático até que surge um acúmulo de líquido no espaço pericárdico ou um espessamento dessa parede, provocado pela formação de tecido fibroso endurecido (cicatrizes) em torno do coração, que tem o seu tamanho reduzido e as funções comprometidas.
Causas
São muitos os casos em que se torna difícil descobrir a causa da pericardite que passa a ser classificada como idiopática, ou seja, sem motivo aparente. O fato é que aproximadamente 90% das pericardites agudas primárias são idiopáticas e têm quadro clínico semelhante ao de outros episódios virais, cujo agente infeccioso não foi ainda testado.
No caso específico da pericardite aguda, a infecção por vírus de diferentes tipos está entre as causas mais frequentes da enfermidade. Entre eles, destacam-se o vírus influenza da gripe, o Coxsackievirus, o adenovírus, o sincicial respiratório, o Epstein Barr, o Herpesvirus, assim como os vírus da caxumba, da catapora, do sarampo e das hepatites, por exemplo. Todos eles podem ser responsáveis pelo aparecimento da forma primária da doença, que é autolimitada, acomete pessoas de qualquer idade, principalmente os homens entre 16 e 65 anos.
Nessa mesma categoria, estão as pericardites causadas por bactérias (especialmente estreptococos, estafilococos, pneumococos, meningococos e Haemophillus) e, mais raramente, por fungos (a Cândida é um deles) e alguns parasitas (o Toxoplasma gondii). O bacilo de Koch da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis) responde por grande parte das infecções bacterianas que alcançam o pericárdio via sistema linfático ou circulatório e podem ter natureza purulenta.
Não se deve descartar a possibilidade de o comprometimento do pericárdio ser secundário a outras condições de saúde, sejam elas relacionadas:
- Com o sistema imune (lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, febre reumática);
- Com doenças metabólicas (uremia, insuficiência renal e cetoacidose diabética);
- Com neoplasias, especialmente câncer de mama, de pulmão, linfomas, e tratamento radioterápico;
- Com doenças inflamatórias intestinais (retocolite ulcerativa, doença de Crohn, gastroenterites);
- Com traumas no tórax;
- Com alguns medicamentos (ex: trombolíticos e anticoagulantes).
A pericardite pode ocorrer, ainda, semanas depois de um ataque cardíaco ou cirurgia no coração. Conhecida como síndrome de Dressler ou síndrome pós-injúria cardíaca, parece ter caráter imunológico e afetar também a pleura, membrana que envolve os pulmões.
Sintomas
O principal sintoma da pericardite aguda é uma dor em pontada, repentina e forte, bem no meio do peito, que varia de intensidade com a mudança de posição: aumenta quando a pessoa deita e diminui, quando sentada, inclina o corpo para frente. Tossir, engolir e respirar fundo podem agravar a intensidade da dor própria da pericardite aguda, que nas crianças acomete mais o abdômen.
Na pericardite crônica, geralmente uma evolução da pericardite aguda, a dor no centro do peito, que irradia para as costas, pescoço e ombro esquerdo, aumenta quando a pessoa respira fundo. No entanto, dependendo do tipo e da gravidade do quadro, ela pode vir acompanhada de outros sintomas como:
- Tosse seca;
- Dispneia (falta de ar);
- Sensação de fraqueza;
- Cansaço;
- Febre baixa;
- Palpitações;
- Inchaço abdominal, nas pernas e nos pés.
Diagnóstico
O diagnóstico da pericardite leva em conta as queixas do paciente, a avaliação clínica e o levantamento do histórico pessoal e familiar da doença. Exames complementares de imagem – raios x, eletrocardiograma, ecocardiograma, cateterismo, tomografia computadorizada, ressonância magnética – e exames laboratoriais de sangue, como hemograma completo, PCR, creatinina e cultura, podem ser úteis para determinar a causa da doença, quando é possível, e orientar o tratamento.
O exame clínico inclui ainda a ausculta dos batimentos cardíacos, que pode indicar duas diferentes condições:
- Ruído de fricção característico do “atrito pericárdico”, sinal de que membranas do pericárdio estão inflamadas e roçando umas nas outras;
- Som abafado provocado pelo acúmulo de líquido no interior do saco pericárdico, que atua como barreira para a propagação dos sons gerados pelo coração.
Dadas as características da dor da pericardite, fica difícil estabelecer o diagnóstico diferencial da doença com o infarto do miocárdio e a embolia pulmonar, provocada pela presença de um coágulo de sangue na artéria pulmonar, uma vez que que os sintomas são muito semelhantes nos três casos.
Complicações
Sem tratamento, a pericardite pode evoluir para complicações graves que põem em risco a vida dos doentes.
O tamponamento cardíaco é uma delas. A outra é a pericardite constritiva. Na sua maioria, ambas derivam da inflamação das camadas que constituem o pericárdio.
No tamponamento cardíaco, a inflamação pode levar à produção anormal do fluido lubrificante, ou de sangue, substâncias que se acumulam no interior da membrana pericárdica que circunda o coração. Esse derrame anormal de líquido comprime as câmaras cardíacas, o que dificulta a entrada de sangue nos ventrículos e, consequentemente, reduz a quantidade de oxigênio que deveria chegar aos órgãos e outros tecidos do corpo. Queda brusca da pressão arterial, falta de ar, tontura, batimento cardíaco e respiração acelerados, inchaço nas veias do pescoço são os sintomas mais frequentes do distúrbio.
O tamponamento cardíaco é uma emergência médica que pode resultar em perda da consciência e morte, se o excesso de líquido, ou de sangue, que se alojou nas lâminas ao redor do coração não for retirado sem perda de tempo. Em geral, num primeiro momento, o médico utiliza a técnica da pericardiocentese para drenar o derrame pericárdico, a fim de que o coração volte a bombear o sangue normalmente.
Na pericardite constritiva, a inflamação prolongada das membranas do pericárdio e a repetição frequente das crises podem gerar retração e fibrose (endurecimento) do tecido pericárdico, que perde a elasticidade e passa a comprimir o coração. As cicatrizes que se formam no local dificultam o bombeamento do sangue. Falta de ar, cansaço, inchaço nas pernas e no abdômen são sinais da pericardite constritiva que pode evoluir para insuficiência cardíaca grave.
A punção e drenagem do derrame pericárdico por pericardiocentese é um procedimento de caráter provisório no tratamento do tamponamento cardíaco e da pericardite constritiva. Neste último caso, o tratamento definitivo requer a remoção, por via cirúrgica, do tecido cicatricial enrijecido que se forma ao redor do coração.
Tratamento
O tratamento das pericardites varia de acordo com as características e gravidade da doença. Nos quadros virais leves ou idiopáticos, em geral, o tratamento é sintomático com analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios ou medicação antifúngica. Quando a resposta a esse esquema terapêutico não é satisfatória, a indicação de corticosteroides pode ser benéfica para alívio dos sintomas e controle da inflamação. Nessa fase, se não pertencer aos grupos de risco, o paciente pode permanecer em casa, desde que em repouso. A prática de exercícios físicos extenuantes é desaconselhada enquanto durar o processo inflamatório. Antibióticos ficam reservados para os episódios de infecção bacteriana. Os diuréticos ajudam a diminuir o líquido acumulado em torno do coração.
Quando a pericardite aguda é manifestação de uma doença sistêmica de causa conhecida, o tratamento se volta para o controle específico do transtorno subjacente.
A colchicina, potente anti-inflamatório utilizado nas crises agudas de gota, mostrou também eficácia como terapêutica adjuvante no primeiro episódio da pericardite aguda e na recorrência das crises. Estudos mostraram que o uso dessa droga conhecida desde o tempo dos faraós, diminui o tempo de hospitalização dos doentes. No entanto, considerados os efeitos adversos associados, seu uso pode ser contraindicado para alguns pacientes.
Embora possa transformar-se numa doença grave, a pericardite leve tem cura, desde que, diagnosticada precocemente, receba o tratamento adequado.
Recomendação
Os sintomas da pericardite aguda podem permanecer alguns dias; os da pericardite crônica podem durar meses, ou são recorrentes. Não subestime esses sinais. Procure assistência médica imediatamente se desconfiar que eles podem estar indicando que algo não vai bem no seu coração.