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Radioterapia | Entrevista

Publicado em 24/08/2011
Revisado em 11/08/2020

Desenvolvimento da radioterapia tem permitido resultados cada vez melhores com menos efeitos colaterais. Saiba mais nesta entrevista.

 

Os raios X foram descobertos em 1895 por Wilhelm Roentgen e não demorou para que fossem usados em Medicina para tirar radiografias que facilitavam o diagnóstico de  muitas doenças. Logo se percebeu também que eles tinham a capacidade de curar alguns tipos de tumores malignos.

A experiência mostrou ainda que a sensibilidade das células tumorais à exposição desses raios não era idêntica em todas elas. Algumas eram destruídas imediata e completamente com doses baixas de radiação; outras precisavam de doses muito altas para reagir.

 

Veja também: Entrevista sobre o tratamento do câncer

 

Descobrir que a radiação danifica o material genético da célula maligna foi o passo definitivo para o surgimento da radioterapia, uma especialidade médica reconhecida em 1922 pelo Congresso Mundial de Oncologia de Paris, que evoluiu muito no decorrer do século 20 e chega ao século 21 contando com aparelhos de altíssima precisão para destruir o tumor sem causar danos às células normais que lhe são próximas.

 

SENSIBILIDADE À RADIOTERAPIA

 

Drauzio – Você poderia explicar o princípio básico da radioterapia? Como à custa de radiações consegue-se destruir a célula maligna?

João Luis Fernandes da Silva – Não podemos confundir radiação ou radioterapia com queimadura. Por isso, a radiação é usada para tratamento de tumores que têm uma absorção seletiva dos raios, se comparados com os tecidos sadios. Em outras palavras: quando se irradia um tumor, a absorção é maior nas células tumorais e menor nos tecidos sadios.

Descrevendo de maneira muito simples, há um efeito imediato que chamamos de efeito direto da radiação, ou seja, uma destruição na hélice do DNA que faz a célula maligna morrer naquela hora ou a deixa marcada para morrer mais tarde, e um efeito tardio. Este ocorre no meio em que a célula está, provocando uma série de alterações que, com o passar do tempo, agem em seu metabolismo e fazem com que ela morra por um processo chamado de apoptose ou morte celular programada.

Se o tumor não tivesse a propriedade de absorção seletiva dos raios, nunca poderíamos fazer radioterapia. Trata-se de um fenômeno interessante: o tumor tem um tipo de sensibilidade à radiação e as células sadias, outro. Quanto mais radiossensível ele for e mais distante estiver da célula normal, maior a chance de curar a doença.

 

EVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS DE RADIOTERAPIA

 

Drauzio – A radioterapia é um processo que permite jogar radiação na área do corpo onde se localiza o tumor. Esse tratamento começou com a utilização das bombas de cobalto. Como evoluíram essas máquinas e o que criaram de novo no campo da radioterapia?

João Luis Fernandes da Silva – A primeira forma de utilizar a radiação não foi através de um aparelho colocado distante do tumor (teleterapia). Na verdade, eram isótopos colocados em contato com o tumor, a braquiterapia. A propósito, “braqui” é um prefixo grego que significa junto de, em contato com.

Do ponto de vista cronológico, porém, os aceleradores lineares (os aparelhos mais utilizados hoje) talvez tenham aparecido antes das bombas de cobalto. Retomando os aspectos históricos, a radiação foi descoberta quando Roentgen conseguiu obter uma forma de energia capaz de sensibilizar um filme fotográfico onde ficaram registrados os ossos da mão e o anel da pessoa que o ajudava.

A partir daí, os aparelhos de radiação foram usados para diagnóstico. No entanto, de forma absolutamente empírica, observou-se que regrediam as lesões de pele do médico e daqueles que por ventura estivessem lidando com as máquinas de raios X. Diante de tal evidência, a radiação foi utilizada especificamente para esse tipo de tratamento – pasmem! – sem nenhuma proteção.

Com o passar do tempo, porém, a radiação passou a ser gerada por pastilhas, as bombas de cobalto, colocadas num cabeçote e cercadas de enorme proteção. A título de curiosidade, depois dos grandes acidentes com radioatividade que ocorreram em seu território, o Brasil é o país do mundo que conta com as melhores barreiras de proteção.

Das pastilhas de cobalto ou de césio colocadas dentro de um cabeçote altamente protegido emana um feixe de radiação ionizante que, por meio de processos aritméticos e geométricos, é direcionado para incidir na região do tumor, respeitando uma considerável margem de segurança. Entretanto, essas pastilhas vão perdendo a força com o tempo e precisam ser substituídas e descartadas.

Como esse tipo de radiação natural pode provocar uma série de contratempos, surgiram os aceleradores lineares, aparelhos com a capacidade de produzir radiação eletromagnética ionizante (fóton) para tratar de tumores. O processo consiste mais ou menos no seguinte: retira-se da periferia do átomo um elétron que entra em superaceleração e vai bater num alvo pré-determinado. Atualmente, por meio de computadores e digitalização, temos o poder de irradiar com precisão o ponto almejado. Para tanto, dependemos muito da imagem. Esse grau de sofisticação que permite colocar a radiação eletromagnética no alvo exige saber exatamente onde se localiza o tumor.

 

DINÂMICA DO TRATAMENTO

 

Drauzio – Posso dizer, então, que a grande evolução por que passaram as máquinas de radioterapia permitiu dirigir o feixe de radiação de forma a atingir o tumor em todas as suas dimensões, poupando ao máximo os tecidos que estão na vizinhança. No passado, quando os aparelhos não permitiam fazer esse desenho claro do local a ser irradiado, muitas vezes os doentes apresentavam queimaduras de tecidos nobres do organismo. Isso mudou completamente a perspectiva do tratamento.

João Luis Fernandes da Silva – A diminuição da morbidade por causa dos efeitos colaterais da radioterapia tem implicação básica e direta com a evolução das radioterapias bidimensional e tridimensional. Hoje, é possível por um método de imagem como a tomografia desenhar o tumor observando as margens de segurança. Isso não é feito por um profissional isoladamente; é um processo dinâmico que envolve o radiologista, o oncologista clínico, o cirurgião, a pessoa que fez o exame de ressonância magnética.

Uma vez desenhado o campo de radiação, ele é enviado para um sistema de computador e obtém-se um modelo biológico que permite definir exatamente a região que será irradiada. Por exemplo, vamos imaginar que o órgão a ser irradiado seja a próstata. O reto, que está colado nela, não pode receber mais do que 60% da dose necessária para a próstata e a bexiga, mais do que 55%. Essa limitação de dose é colocada no sistema, que oferece como opção outros campos para incidir o feixe de raios a fim de preservar os órgãos vizinhos. O mesmo aconteceria com um tumor de pulmão, de cabeça e pescoço, ou mesmo de língua, se tivéssemos que poupar as glândulas salivares. A dose está alta, vamos recalcular quantas vezes sejam necessárias. Isso só é possível porque hoje conseguimos conversar com o computador.

Infelizmente, eu me sinto um pouco frustrado, pois nem todos os profissionais podem trabalhar desse modo no Brasil, o que é muito ruim. Sabe-se como tratar direito um paciente com câncer, mas diante das restrições socioeconômicas do país não se pode propiciar esse tipo de tratamento para toda a população.

 

Drauzio – Esses aparelhos custam muito caro?

João Luis F. da Silva – Custam caro, mas o problema não é tanto o preço. O governo destinou 100 milhões de reais para a compra de aparelhos maravilhosos que foram instalados em diversos locais do País nos últimos anos. Embora tenha sido uma medida elogiável, foi a mesma coisa que dar um Boeing para um piloto aprendiz. O médico brasileiro não é melhor nem pior do que nenhum outro. Só precisa ser formado, ser preparado para trabalhar com esse tipo de equipamento.

Sem que tal providência tenha sido tomada, novamente o governo está distribuindo aparelhos por todo o Brasil. Vai colocar, por exemplo, um aparelho em Roraima. Está certo, porque a radioterapia ajuda a curar os pacientes. Em composição com a oncologia clínica e cirúrgica, presta serviço assistencial de valor incontestável. Mas, pergunto: de que adianta colocar uma estrutura que custa cinco milhões de reais num lugar onde não será usada em sua plenitude? A falta de formação dos profissionais que vão lidar com esses aparelhos é um problema que nos enche de mágoa porque, se eles fossem adequadamente preparados, estariam realizando um ótimo trabalho.

 

Veja também: Quimioterapia

 

ORIENTAÇÕES PRELIMINARES

 

Drauzio – Como você orienta o paciente que vai receber o tratamento radioterápico pela primeira vez para que não se assuste diante das máquinas?

João Luis Fernandes da Silva – Vamos imaginar que eu receba uma mulher com câncer de mama indicada pelo oncologista clínico para fazer radioterapia. Existe uma parte orgânica a ser tratada, mas existem outras também importantes, como o contexto e a empatia com o médico, que merecem atenção.

A primeira consulta é igual a todas as outras que a mulher fez na vida. Leva os exames, eu os aprecio e, em 99% das vezes, ligo para o colega que acompanha o caso. Depois, planejo o preparo da radioterapia e a elaboração de uma imagem da área que será irradiada. É um câncer de mama? Vamos irradiar a mama sem maltratar o pulmão ou o coração da paciente. Temos o hábito de mostrar-lhe – e nem todos podem fazer isso – qual será nosso campo de ação num computador ou num modelo que é uma placa. Explicamos que durante a radioterapia pode sentir um pouco de náusea e de astenia e mostramos a sala onde será tratada. Nós que lidamos só com tumores sabemos que é importante contar com um ambiente agradável. Contamos que ela ouvirá um barulhinho e que estará sendo observada o tempo todo numa tela de televisão (isso é obrigado pela Vigilância Sanitária). Qualquer sinal seu será o suficiente para interrompermos imediatamente a aplicação

 

Drauzio – Quanto tempo dura cada irradiação?

João Luis Fernandes da Silva – Dura em torno de sete a quinze minutos. A família se preocupa, pois teme que o doente não suporte um tratamento dessa magnitude, mas a natureza humana é surpreendente. Em geral, ele tolera de uma maneira que vai muito além das nossas expectativas.

 

Drauzio – Durante quanto tempo o paciente é submetido à irradiação?

João Luis Fernandes da Silva – Em média de seis a seis semanas e meia, de segunda a sexta-feira. Só ocasionalmente o tratamento é mantido nos sábados e domingos.

 

EFEITOS COLATERAIS

 

Drauzio – É lógico que os efeitos colaterais dependem do local irradiado. Irradiar uma lesão no pé provoca efeitos colaterais diferentes daqueles resultantes da radiação num tumor de boca. De qualquer modo, quais são os efeitos colaterais mais comuns?

João Luis Fernandes da Silva – Dependendo da região em que está sendo feita e do mesmo modo que a quimioterapia, a radioterapia pode provocar efeitos sistêmicos.  Vou citar como exemplo a barriga, um dos piores lugares para serem irradiados. Segmentos do intestino, tais como mucosa, parede, epitélio (camada que reveste o intestino), renovam-se tão rapidamente quanto a pele, o que pode provocar enjoo e alterações dos hábitos intestinais.

O grande exemplo dos efeitos da radiação é a síndrome que matou a população de Hiroshima e Nagasaki. Quais são os sistemas mais sensíveis do organismo? São o trato gastrintestinal, as células do sangue (caem plaquetas e leucócitos) e depois a síndrome cerebral. Como a radioterapia é localizada, pode causar esse quadro em pequenas proporções. De qualquer forma, provoca nos pacientes o chamado mal das radiações, ou seja, a astenia. Eles se referem à moleza e à vontade de não sair da cama.

Mesmo que o campo da irradiação seja pequenininho, há um reflexo na dinâmica de vida do paciente e isso é categorizado. Se a região irradiada for a boca, pode ocorrer mucosite, uma inflamação da mucosa bucal. Radiação nas parótidas diminui a secreção salivar (xerostomia) e o paciente tem dificuldade para engolir. Se o alvo for um tumor no ânus, a vagina pode ficar irritada e sensível durante a micção.

Resumindo, a radioterapia tem efeito basicamente local, diretamente relacionado com o órgão que está sendo irradiado.

 

ESTILO DE VIDA

 

Drauzio –Como deve ser o estilo de vida de quem está fazendo radioterapia O que deve comer? Pode tomar sol?

João Luis Fernandes da Silva – Novamente me vêm os tumores de próstata e de mama como exemplos, porque são os mais frequentes. Vou citar a próstata, pois é a que menos reação cutânea apresenta.

É proibido tomar sol durante o tratamento radioterápico; aliás, excesso de sol não é bom nunca. Bebidas alcoólicas têm de ser evitadas porque irritam os órgãos por onde passam e fumar também é contraindicado não só para o câncer de pulmão e de bexiga, mas para os outros tumores também. Há estudos comprovando que o prognóstico piora muito se a pessoa com tumor de cabeça e pescoço fumar durante o tratamento. Via de regra, o doente com alimentação saudável não muda os hábitos alimentares e, num bom número de casos, nem a atividade física.

Com frequência, a radioterapia é associada a outros tratamentos, à quimioterapia, principalmente. Aí, os efeitos colaterais triplicam. Irradiação para um tumor de esôfago associada à quimioterapia torna mais difícil deglutir; tumor no reto recebendo tratamento concomitante de rádio e quimioterapia provoca aumento do trânsito intestinal.

 

Drauzio – Que quantidade de líquido deve tomar o doente em tratamento radioterápico?

João Luis Fernandes da Silva – Se a irradiação é no trato gastrintestinal, o doente deve tomar um pouco mais de líquido, porque o aumento da atividade do sistema digestivo pode espoliar os tecidos. Se o local irradiado impede a alimentação adequada do paciente, de alguma forma é preciso garantir que haja maior ingestão calórica, principalmente de proteína líquida.

 

NÁUSEAS E ASTENIA

 

Drauzio – Quais são as dicas para aqueles que têm náuseas?

João Luís Fernandes da Silva – Nós usamos a sistemática clássica: a indicação de anti-heméticos, isto é, de remédios contra náuseas e vômitos. Começamos dos mais baratos para os mais caros e ensinamos alguns truquezinhos que ajudam a controlar esses sintomas. Comer doce é um deles. Por isso, gosto de sugerir para meus doentes que tomem sorvete e comam alimentos frescos. Fruta é fundamental na dieta desses doentes.

Dieta mais leve ,frutas , legumes , verduras e líquidos, com poucas frituras ajudam sobremaneira. Não se proíbe carne particularmente mais magras

 

Drauzio – Às vezes, alimentos salgados – bolacha de água e sal, por exemplo – e chá também ajudam.

João Luís Fernandes da Silva – Exatamente. A noção caseira de fazer soro fisiológico é útil.  Portanto, contra as náuseas e vômitos as orientações são dadas quando se faz radioterapia pública ou privada e vão desde as mais simples até as drogas mais caras, mesmo optando pelos genéricos.

 

Drauzio – E contra o cansaço, qual é o conselho?

João Luís Fernandes da Silva – Primeiro, mesmo com limitações, o doente não deve ficar na cama, assistindo à televisão e pensando no tratamento e na doença. Isso é muito ruim. Depois, existem medicamentos com base calórica proteica que ajudam a controlar a moleza e o sono, que são toleráveis, mas não raros. Boa alimentação é fundamental. A prática de atividade física leve, sem exageros também  recomendada.

 

FUTURO PROMISSOR

 

Drauzio – Você acha que com o decorrer dos anos poderemos contar com aparelhos que acertarão a região do tumor com mais precisão e menos efeitos colaterais?

João Luís Fernandes da Silva – Eles já existem. Há uma brincadeira que corre entre os especialistas em radioterapia – “me dê uma imagem do tumor que eu coloco radiação nele” – que reflete a grande evolução da radioterapia. Pode-se dizer que hoje, quase se faz uma radiação puntiforme. Existe um tipo de radioterapia chamada radiocirurgia, como o próprio nome indica, uma radiação que tenta substituir a cirurgia. Lesões pequeninas localizadas no cérebro são atacadas com um tiro só, ou seja, uma carga brutal de irradiação. Isso precisa ser feito com precisão milimétrica, à luz de cálculos extremamente sofisticados, só possíveis na era da informática em que vivemos. Além disso, a evolução por que a ciência está passando, a genética facilitará a utilização de marcadores tumorais por meio dos quais se determinará com precisão onde está o tumor para eventualmente levar um quimioterápico junto com a radiação.

Como se vê, o futuro da radioterapia é cada vez mais promissor.

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