Com o intuito de perder peso, alguns jovens com diabetes tipo 1 omitem as doses de insulina. Conheça os riscos da diabulimia.
A diabulimia acontece quando a pessoa é diagnosticada com diabetes tipo 1, mas pula ou deixa de tomar as doses de insulina com o objetivo de perder peso. A reposição de insulina é necessária nesse tipo de diabetes, porque o próprio sistema imunológico ataca as células responsáveis pela produção do hormônio.
Sem a quantidade ideal de insulina, o organismo não é capaz de transformar a glicose, ou seja, o açúcar ingerido na alimentação, em energia. Assim, a glicose permanece alta na circulação sanguínea, até que começa a ser eliminada pela urina junto com outras substâncias.
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Apesar de parecer uma atitude extrema, a diabulimia é classificada como um transtorno alimentar e é muito mais frequente do que se imagina.
Por que algumas pessoas com diabetes deixam de tomar insulina?
De acordo com o Manual de Doenças Psiquiátricas, existem alguns comportamentos alimentares que afetam a saúde física e psicológica do indivíduo. É o caso da anorexia nervosa, bulimia nervosa, transtorno de compulsão alimentar e transtornos alimentares não especificados.
Segundo Claudia Pieper, endocrinologista e coordenadora do Departamento de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o risco de uma pessoa com diabetes desenvolver qualquer uma dessas condições é cerca de 2,5 a 3 vezes maior do que o de quem não tem a doença. Entre aqueles diagnosticados com diabetes do tipo 1, 33,4% desenvolvem diabulimia.
Isso porque o diabetes tipo 1 costuma aparecer ainda na adolescência, uma fase em que já existe certa rebeldia e insatisfação com o corpo. Além disso, uma das primeiras consequências da doença no organismo é a perda de peso.
“A insulina é um hormônio anabolizante, então, quando você tem diabetes, come sem planejamento alimentar e aplica a dose, tende a ganhar peso. Isso pode gerar uma insatisfação corporal, mais frequente nos adolescentes e pré-adolescentes”, explica a especialista.
É aí que começam as atitudes de omissão das doses de insulina. O paciente pode fingir, assim, que fez a aplicação ou mentir para os pais e profissionais de saúde sobre os dados de glicemia (taxa de açúcar no sangue) coletados. Em muitos casos, há também outros comportamentos purgativos, como vômitos frequentes, uso de laxantes e diuréticos e prática excessiva de exercícios físicos.
Como a diabulimia pode afetar a saúde
As consequências de não tomar as doses de insulina podem ser bastante graves.
A primeira delas é a hiperglicemia, ou seja, altas quantidades de açúcar no sangue, de uma forma que a pessoa não consegue corrigir em casa e precisa buscar atendimento médico. Assim, conforme o quadro avança, o paciente pode entrar em coma ou desenvolver cetoacidose diabética de repetição.
Para entender o que é cetoacidose diabética é preciso saber que sem a quantidade necessária de insulina, as células do corpo não absorvem a glicose, que fica circulando no sangue. Desse modo, o organismo precisa de outras fontes de energia, e passa a produzir mais cetonas, compostos químicos fabricados pelo fígado a partir da quebra de ácidos graxos durante períodos de jejum, restrição calórica ou dietas com baixo teor de carboidratos, e a utilizá-las como fonte de energia alternativa.
Os sintomas abrangem sede, excesso de urina, náusea e dor abdominal, bem como fraqueza, confusão mental e hálito cetônico — odor parecido com o de frutas envelhecidas. Em algumas situações, pode ser necessário internação hospitalar e terapia com insulina.
“Ou, ainda, essa pessoa desenvolve complicações crônicas do diabetes de forma precoce. Com um histórico de quatro a cinco anos do diagnóstico do diabetes tipo 1, ela começa a apresentar complicações crônicas, sendo a retinopatia a mais frequente”, alerta a dra. Claudia.
A retinopatia provoca borrões e áreas escuras na visão, além de dificuldade de diferenciar as cores. Pode também levar à cegueira. A nefropatia (lesão no rim) e a neuropatia (danos nos nervos) precoce são outras das consequências da diabulimia.
A busca pela perda de peso pode acarretar em quadros sérios de desnutrição, afetando o crescimento e o desenvolvimento da puberdade. Os efeitos se estendem ao convívio social nessa fase, já que o paciente costuma se isolar devido à distorção da imagem corporal.
Como reconhecer os sinais da diabulimia?
Desde a década de 1970, já existem relatos da omissão de doses de insulina com o objetivo de perder peso. Hoje, sabe-se que a prevalência é maior na faixa etária dos 15 aos 35 anos, sendo mais comum em mulheres. De acordo com um trabalho publicado em 2013 no “International Journal of Eating Disorders”, a incidência é de 34% nas adolescentes e jovens adultas de 16 a 22 anos e de 40% nas mulheres de 18 e 30 anos.
Mesmo que a diabulimia surja na adolescência, ela pode acompanhar o paciente pela vida adulta, quase sempre de forma velada. Por isso, o diagnóstico é fundamental. Para perceber indícios do transtorno, os pais e profissionais de saúde devem estar alertas aos seguintes sinais:
- dificuldade para aceitar o tratamento prescrito;
- não querer aplicar insulina na frente de familiares, amigos ou profissionais da saúde;
- estar sempre insatisfeito com o plano alimentar;
- preocupar-se exageradamente com o tipo de comida que está comendo;
- trocar a caneta de insulina com uma frequência menor do que deveria;
- apresentar hiperglicemia constante;
- ter níveis de hemoglobina glicada sempre altos;
- exibir aumento dos níveis de triglicérides e colesterol;
- apresentar ganho ou perda significativa de peso;
- só realizar o controle do diabetes quando está hospitalizado;
- ser diagnosticado com alguma comorbidade psiquiátrica, como depressão;
- sofrer de baixa autoestima e visão negativa da própria imagem corporal;
- desenvolver complicações crônicas do diabetes com pouco tempo de doença;
- no caso dos adolescentes, apresentar atrasos no desenvolvimento físico e puberal;
- também no caso dos adolescentes, começar a ter dificuldades na escola, seja na realização de atividades ou na presença às aulas.
É importante lembrar, enfim, que os pais e familiares também são responsáveis pelo controle do diabetes de seus filhos, por isso devem acompanhá-los e apoiá-los durante o tratamento.
A dra. Claudia ressalta ainda que, no site da Sociedade Brasileira de Diabetes, existe um questionário de 16 perguntas que pode ser respondido pelo próprio paciente sem que ele se identifique. O objetivo é mapear a incidência de transtornos alimentares em quem tem diabetes do tipo 1 e auxiliar em campanhas de prevenção da SBD. Participe aqui.
Tratamento da diabulimia
“Além de ser acompanhado por um endocrinologista, [o paciente] tem que ter um psicoterapeuta especializado, que saiba trabalhar com diabetes e transtorno alimentar; e um nutricionista, também especializado na área. Precisa de uma equipe multi e interdisciplinar, que converse o tempo todo, porque esse acompanhamento não é fácil”, afirma a endocrinologista.
Muitas vezes, pessoas com diabulimia apresentam quadros concomitantes de depressão e/ou ansiedade, que podem exigir medicações. Desse modo, o trabalho conjunto do psicólogo e do psiquiatra é fundamental para ajudar a lidar com as inseguranças do paciente e mudar comportamentos nocivos à saúde.
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