O fim do isolamento por conta própria | Coronavírus #56

Drauzio Varella

Drauzio Varella é médico cancerologista e escritor. Foi um dos pioneiros no tratamento da aids no Brasil. Entre seus livros de maior sucesso estão Estação Carandiru, Por um Fio e O Médico Doente.

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A falta de políticas públicas para controlar a pandemia vem estendendo a quarentena. A população, então, começa a relaxar o isolamento por conta própria.

 

Você olha pra janela, tá todo mundo na rua. Andando à vontade, muita gente sem máscara, sem nada, em grupos. Aí você que tá em casa, preso, fala assim: Eu sou idiota? Só eu que fico aqui fazendo isolamento? E aí tem vontade de ir pra rua também.

Vamos pensar um pouco juntos: desde a segunda semana, terceira semana do mês de maio, nós chegamos num pico da infecção, que quando a gente esperava que ele fosse cair, lembra que todo mundo falava? Ah, o pico. Quando vai chegar o pico? Ele se estabilizou. E nós temos aí mil mortes por dia, mais ou menos. Sobe um dia, cai no outro, mas a curva fica ao redor de mil mortes por dia.

Não há nenhuma diferença entre a situação atual e a situação em junho. Só que em junho tava todo mundo apavorado, lavando tudo que pegava na mão, e álcool na maçaneta da porta, lavava o tomate que chegava da quitanda. E agora parece que o pessoal relaxou. Decretou o fim do isolamento por conta própria.

Não é legal. A epidemia tá naquele tempo. Igualzinha a de junho. Nós sabíamos que o isolamento ia ser muito difícil no Brasil. Grande parte da população vive em habitações precárias, muitas pessoas vivendo na mesma casa, às vezes vivendo no mesmo cômodo. Não ia ser fácil. 

Além do que, tínhamos que manter os serviços essenciais funcionando. Só que quem presta os serviços essenciais? São as pessoas da periferia. Esses que são porteiros de prédio, gente que são os lixeiros, pessoal que cuida da limpeza, auxiliares de enfermagem. É quem mantém os supermercados, as farmácias funcionando. Então, ia ser difícil.

Agora, aqueles que têm condições boas, que podem permanecer nas suas casas, não podem fazer isso. O problema sabe qual é? Que enquanto nós tivermos gente se aglomerando na rua sem usar máscara, nós mantemos a epidemia. Ela não vai embora. Nós não tivemos a queda que os europeus tiveram: Subiu e depois caiu. Então, ela subiu e continuou. E vai continuar assim.

Então, toda vez que você sai sem máscara, você precisa ter a certeza que você tá correndo o risco de levar o vírus pra dentro da sua casa e infectar as pessoas mais velhas e os vulneráveis, e você tá colaborando pra nós continuarmos com esse grande número de casos e empurrando essa epidemia pra durar sabe lá quanto tempo.

Não é uma visão pessimista, não. É uma visão realista.

 

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