O que é retenção urinária crônica?

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Publicado em: 27/06/2024

Revisado em: 27/06/2024

A condição pode provocar complicações como infecções urinárias de repetição e problemas renais. Saiba mais.

 

A retenção urinária crônica é a incapacidade de esvaziamento total da bexiga. Pode acontecer por uma série de causas e o tratamento adequado é importante para evitar possíveis complicações e prejuízos na qualidade de vida dos pacientes. 

“De forma habitual, em um indivíduo neurologicamente maduro e com o trato urinário inferior normal, a bexiga precisa armazenar urina a baixas pressões e esvaziar, em ambiente socialmente adequado. Para que esse mecanismo funcione bem, é necessário que o órgão efetor (bexiga) esteja preservado e que as vias neurológicas que controlam esse processo estejam íntegras. A retenção urinária crônica é uma condição onde existe um déficit do esvaziamento vesical, com resíduo pós-miccional persistentemente elevado”, explica Caio Cesar Cintra, urologista do Departamento de Neuro-Urologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-SP).

Segundo o médico, a retenção urinária pode: 

  • ser assintomática, não estando associada a queixas clínicas e nem a uma condição ou complicação específica;
  • ser secundária a uma condição neurológica (que compromete as vias que coordenam o reflexo miccional – alguns exemplos são AVC e lesão medular);
  • estar relacionada a um processo de obstrução anatômica ao esvaziamento vesical (a causa mais comum é a hiperplasia prostática benigna);
  • ser condicionada pela perda de capacidade contrátil da musculatura da bexiga.

 

Possíveis complicações

A retenção urinária crônica pode estar associada a uma série de complicações, que podem variar de acordo com a causa. 

O urologista explica que pessoas com retenção urinária crônica assintomática e sem queixas ou complicações são monitoradas e, na ausência de sintomas, a condição costuma não trazer consequências.

“Quando [a retenção está] associada a uma condição neurológica, onde normalmente outras questões estão presentes, os riscos de infecção, deterioração da função renal com evolução para insuficiência renal crônica, necessidade de reconstruções de bexiga e de seguimento vitalício é frequente, mas também depende da própria natureza da doença neurológica”, afirma.

“Já quando a obstrução é mecânica (causada por hiperplasia benigna da próstata ou estreitamentos de uretra), existem riscos de infecção, formação de cálculos (pedras) na bexiga e de retenção urinária completa. Quando o dano está relacionado à perda da capacidade contrátil da bexiga, os riscos são os mesmos”, completa. 

 

Convivendo com a retenção urinária

O atleta paralímpico Lucas Junqueira, de 36 anos, sofreu uma lesão medular em 2009. Ao mergulhar no mar, ele bateu a cabeça em um banco de areia e quebrou o pescoço. Lucas ficou tetraplégico. 

Depois de sair do hospital, passou alguns meses em um centro de reabilitação, onde absorveu uma série de informações sobre sua nova forma de viver e ajustes para realizar atividades básicas. “Eu comecei a ter um pouco de movimento de braço com o passar do tempo e nisso eu conseguia me alimentar sozinho com uma adaptação que encaixava o garfo, encaixava a colher. Conseguia pegar um copo que tivesse uma alça, conseguia escovar os dentes. Então eu saí do centro de reabilitação com várias adaptações para que eu conseguisse ter o mínimo de independência no meu dia a dia. É algo que eu luto até hoje, na verdade, ter essa autonomia, sem dependência e é por isso que a gente briga tanto por acessibilidade. Porque se o local é acessível, se as coisas são acessíveis, a gente não precisa ficar pedindo ajuda para ninguém. A gente consegue ter uma vida mais tranquila”, conta. 

Além da lesão em si, Lucas precisa lidar com outros problemas decorrentes dessa lesão, como a perda da capacidade de eliminar a urina. 

“Eu geralmente digo que o não andar é o menor dos problemas, pelo menos para mim, porque tem tantas outras possíveis alterações fisiológicas que a pessoa com lesão medular pode ter, e uma delas é a bexiga neurogênica [disfunção na bexiga causada por alguma condição neurológica]. A gente não consegue eliminar mais o líquido da bexiga. A gente não consegue mais fazer xixi igual antigamente, porque a gente não tem esse controle do esfíncter para conseguir liberar a urina na hora que a gente quer.”

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Tratamento adequado e qualidade de vida

O tratamento da retenção urinária crônica também depende da causa do problema, segundo o dr. Caio. Algumas opções são:

  • monitoramento da condição;
  • desobstrução cirúrgica;
  • sondagem vesical de alívio regular (cateterismo intermitente limpo);
  • medicações associadas, se necessário;
  • neuromodulação sacral (tratamento que visa melhorar a função de órgão por meio da estimulação de nervos – indicado no caso de pacientes mulheres com retenção urinária crônica não obstrutiva). 

O cateterismo intermitente limpo é o tratamento recomendado no caso de pacientes com retenção urinária como o de Lucas. “O tratamento mais importante é a orientação ao paciente, de esvaziar periodicamente a urina, através de cateterismo intermitente e uso de algumas medicações para aumentar a capacidade de armazenamento da bexiga”, explica Eduardo de Melo Carvalho Rocha, médico fisiatra, especialista em medicina física e reabilitação e presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR).

O tratamento inadequado pode trazer diversos riscos. “Além de permitir maior mortalidade, complicações renais a médio prazo e risco de insuficiência renal, o tratamento inadequado traz piora da qualidade de vida, por dificultar a saída do paciente para lazer, trabalho, entre outras atividades, pelo medo de perdas urinárias. Ou seja, causa diretamente alterações físicas, psíquicas e sociais aos afetados”, completa o médico. 

 

Cateterismo intermitente limpo 

Segundo o fisiatra, o cateterismo intermitente limpo é uma técnica de esvaziamento vesical que consiste no treinamento do paciente e/ou seus cuidadores para inserir um cateter pela uretra ou um conduto criado cirurgicamente para garantir a saída total de toda urina da bexiga. “É uma técnica simples, treinável, que permite melhor ganhos funcionais aos pacientes. Importante ressaltar que apesar de ser a técnica mais segura, ainda não é isenta de riscos, necessitando de treinamento para sua realização.” 

Para realizar o cateterismo, existem diferentes opções de dispositivos. “Os convencionais, mais antigos, são de material plástico, e necessitam de lubrificação para sua inserção. Os conhecidos por hidrofílicos têm toda sua superfície lubrificada de fábrica, que garante não apenas seu uso mais fácil, mas também menos lesões epiteliais, diminuindo o risco de complicações”, esclarece. 

No caso de atletas paralímpicos, como Lucas, que pratica rúgbi em cadeira de rodas, a prevenção de possíveis complicações se torna ainda mais essencial. “Quando pensamos em atletas paralímpicos, é importante ressaltar que estes necessitam de treinos de alta intensidade, devendo diminuir ao máximo sua exposição a qualquer tipo de risco desnecessário (lesões uretrais, infecções, etc.) que podem tirá-los inclusive de provas específicas”, diz o médico. 

Lucas conta que no início foi muito difícil se adaptar ao cateterismo intermitente. “Como eu sou tetraplégico, não tenho movimento de dedos, era muito difícil conseguir fazer esse cateterismo, então geralmente meus pais faziam para mim no início da minha lesão. E eu ficava muito preso a isso, eu não conseguia sair, porque eu tinha que voltar em quatro horas para alguém fazer o cateterismo para mim. Isso foi uma das coisas que me freou bastante desde o início, e eu lutei bastante para conseguir fazer o autocateterismo.”

Mas os dispositivos convencionais dificultavam o processo. “Eu tinha que ter vários outros produtos e materiais, como gel anestésico, gases e soro, enfim, e eu tinha dificuldade. Eu cheguei a um ponto que eu consegui fazer o cateterismo sozinho, mas demorava bastante tempo, em torno de uns 15 minutos – com prática –  para conseguir esvaziar a bexiga”, relata.

O cateterismo foi facilitado quando ele passou a utilizar o cateter com revestimento hidrofílico. “É um cateter que já vem pronto, a parte que eu introduzo na uretra não tenho contato nenhum. Isso evita muito infecção, eu tinha muitas infecções de repetição, porque na hora que eu fazia o cateterismo eu pegava na sonda toda. Então, além de toda a facilidade que eu tive em questão de autonomia, de independência, que eu sempre estou lutando por isso, melhorou muito a minha qualidade de vida e a minha saúde, porque eu não tendo as infecções urinárias, isso me ajuda bastante a me concentrar mais no esporte. Geralmente [quanto tinha] uma infecção urinária eu precisava tratar, precisava ficar internado e automaticamente eu ficava um tempo fora do esporte, e isso era muito prejudicial para a minha performance, para o meu desenvolvimento na modalidade.”

 

Importância do acesso a dispositivos modernos

O acesso a dispositivos que facilitam o cateterismo intermitente limpo pode proporcionar mais qualidade de vida aos pacientes que vivem com retenção urinária crônica. 

“É de suma importância que todos tenham acesso a esses dispositivos, porque é algo benéfico para todo mundo, se a gente for pensar, se a gente for colocar na ponta do lápis, são pessoas ali que vão ter acesso a esse material, que vão manter uma melhor qualidade de vida com a deficiência. São pessoas que terão menos recorrências médicas. A lesão medular não é uma doença, é uma deficiência, mas as alterações que ela causa podem causar problemas sérios, se não forem cuidados”, opina Lucas. 

“Além de proporcionar mais autonomia, mais independência para essas pessoas, também vai prevenir possíveis situações que vão levar a enfermidade, e inclusive a óbito. Então, é muito importante que as pessoas tenham acesso a esses materiais”, completa.

Segundo o dr. Eduardo, atualmente, os cateteres hidrofílicos podem ser acessados pelo SUS. “Quando uma nova tecnologia é coberta pelo SUS, possibilita trazer maior qualidade de vida a um maior número de indivíduos, diminuindo complicações em maior parcela da sociedade”, diz o fisiatra. 

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Superação através do esporte 

Nem a lesão medular e nem as complicações de saúde associadas impediram Lucas de seguir em frente. Durante o processo de reabilitação, ele descobriu o rugby em cadeira de rodas e se apaixonou.

“Eu sempre gostei muito de esportes, sempre pratiquei esportes, mas nunca profissionalmente. A partir do momento que eu sofri a lesão, no centro de reabilitação conheci várias modalidades paralímpicas, pratiquei algumas modalidades, mas foi o rugby que fez meu coração bater mais forte. Imagina, um tetraplégico que mal conseguia se mexer. E eu assisti um vídeo de rugby, de pessoas com tetraplegia também praticando um esporte de contato, e isso quebra muito estereótipo. Além de todo dinamismo do rugby, tem também a questão dessa quebra de estereótipo que é muito importante para a gente, que é PCD [pessoa com deficiência], quebrar essa barreira do vitimismo que as pessoas sempre colocam em cima da gente”, afirma ele.

Lucas começou a praticar rugby nove meses após o acidente, se tornou atleta profissional, e recebeu convocações para a seleção brasileira e participou de diversos campeonatos internacionais, como a Paralimpíada de 2016, os Jogos Parapan-Americanos de Lima, em 2019, e mais recentemente, em 2023, o Parapan de Santiago, onde a equipe conquistou uma medalha de bronze inédita para o Brasil.

“Minha vida mudou da água para o vinho com esse acidente e a partir daí eu consegui me dedicar ao esporte, que é algo que eu sempre amei, sempre quis me dedicar a isso e hoje eu consigo fazer tudo isso, consigo jogar rugby, consigo incentivar outras pessoas, crianças com deficiência que estão iniciando na modalidade. É importante também motivar essas pessoas a participar para uma nova geração e para um novo estilo de vida. Sou muito grato ao esporte em geral e principalmente a essa modalidade, o rugby em cadeira de rodas.”

 

Conteúdo produzido em parceria com a marca Coloplast.

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