Gonorreia resistente

close em mãos de técnica de laboratório usando luvas e fazendo anotações ao lado de placas de Petri para testar gonorreia resistente

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Publicado em: 27/05/2024

Revisado em: 27/05/2024

A gonorreia resistente a antibióticos antes usados para tratar a infecção já é chamada de supergonorreia e desafia os médicos. Leia no artigo do dr. Drauzio.

gonorreia se dissemina pelo mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 82 milhões de casos novos por ano.

No Brasil, o Ministério da Saúde calcula que ocorram 500 mil casos novos por ano. Nos Estados Unidos foram 650 mil só em 2022 – um aumento de 11% em relação a 2018.

Veja também: Doxiciclina depois do sexo ajuda a prevenir ISTs bacterianas

No Centro de Detenção Provisória em que atendo, o número de presos que chegam infectados das ruas é alto como nunca vi.

Se levarmos em consideração as subnotificações e os pacientes assintomáticos, dá para fazer ideia das dimensões do problema de saúde pública.

A gonorreia é uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada por uma bactéria, a Neisseria gonorrhoeae, que infecta pessoas de qualquer idade, mas se concentra em certas populações: cerca de metade dos casos acontece entre os 15 e os 24 anos.

A bactéria pode ser transmitida por via genital, anal, oral e da mãe para o filho no momento do parto. O fato de ser muitas vezes assintomática, cria a possibilidade de disseminação silenciosa.

Quando surgem sintomas, os mais comuns são: ardência e dor à micção, corrimento peniano/vaginal/retal, dor e inchaço nos testículos, sangramento anal, dor à evacuação e, quando a transmissão foi por sexo oral, dor de garganta.

A bactéria pode cair na circulação sanguínea, causando febre, dores nas articulações e vermelhidão na pele. Sem tratamento, pode evoluir para infertilidade feminina/masculina, doença pélvica inflamatória (nas mulheres), prenhez ectópica e cegueira (em recém-nascidos) – além de aumentar o risco de que se contraia o HIV.

O diagnóstico é feito por meio da coleta de material das secreções vaginal/peniana/retal e da garganta. Os serviços de saúde recomendam que esses exames sejam colhidos também nas seguintes populações de pessoas assintomáticas: grávidas, mulheres com menos de 25 anos, homens e mulheres com novos parceiros sexuais e em quem convive com o HIV.

Anos atrás, era fácil curar gonorreia, pois vários antibióticos tinham atividade: penicilina, tetraciclina, ­azitromicina, quinolonas e as cefalosporinas por via oral. O aparecimento da resistência bacteriana, especialmente a partir dos anos 2000, modificou esse quadro. Cerca de metade das cepas que circulam atualmente são resistentes a pelo menos um desses antibióticos.

A quinolona ciprofloxacino serve de exemplo. Era um dos antibióticos de escolha durante os anos 1990, condição que perdeu em 2007, quando o CDC americano deixou de recomendá-lo, por causa da resistência. Hoje, pelo menos 50% das cepas são resistentes a ele.

A ceftriaxona, antibiótico injetável, ganhou destaque nas duas últimas décadas. Tem a vantagem de ser administrada por via intramuscular em dose única. A principal desvantagem é a dor no local da injeção.

O histórico da bactéria, entretanto, faz supor que ela se tornará insensível também a esse e a outros antibióticos. A ­ceftriaxona começou a ser usada na dose de 125 miligramas, que foi sucessivamente aumentada para 250 e 500 miligramas. Hoje, há países que recomendam a injeção de 1 grama.

Em diversos países foram isoladas cepas resistentes à associação de ­ceftriaxona e azitromicina. A doença provocada por elas recebeu o nome de supergonorreia.

As infecções por essas bactérias multirresistentes já representam 8% dos casos na China e 38% no Camboja. Nos Estados Unidos ocorrem em menos de 1% das amostras – por enquanto, dizem os especialistas.

As falhas de tratamento são mais frequentes quando a bactéria se instala na garganta.

A chamada terapia pós-exposição (PEP), que consiste em administrar dois comprimidos do antibiótico doxiciclina de 100 miligramas nas primeiras 72 horas após o contato sexual – capaz de reduzir em 66% a transmissão de clamídia e sífilis –, é menos eficaz na gonorreia, evitando apenas uma infecção em cada três.

Para chegarmos ao objetivo da OMS de reduzir em 90% os casos de gonorreia até 2030, seria fundamental o desenvolvimento de uma vacina. A GSK está realizando estudos com uma delas, mas os resultados ainda não estão disponíveis.

Dada a antipatia de que a camisinha desfruta na população sexualmente ativa e a sabedoria das bactérias em neutralizar os efeitos letais das diversas classes de antibióticos, voltaremos ao tempo em que a doença era tratada com desinfetantes instilados na uretra, em aplicações tão dolorosas quanto ineficazes?

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