Positivo para HIV: o que fazer depois do diagnóstico

"Já devo começar o tratamento? Como avisar as pessoas com quem eu me relacionei? O que fazer se eu sofrer discriminação?". Saiba como agir depois de descobrir que foi infectado pelo HIV.

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Publicado em: 19 de outubro de 2022

Revisado em: 19 de outubro de 2022

“Já devo começar o tratamento? Como avisar as pessoas com quem eu me relacionei? O que fazer se eu sofrer discriminação?”. Saiba como agir depois de descobrir que foi infectado pelo HIV.

 

Quando Mário Daniel Fernandes encontrou medicamentos antirretrovirais na casa de um ex-parceiro, ele passou a pesquisar sobre a infecção e começou a fazer testes rotineiramente, sempre negativos. Depois, entrou em outro relacionamento e acabou deixando o hábito de lado, mesmo após o término. Foi só quando o então namorado teve gonorreia, em 2011, que ele resolveu se testar novamente. O resultado positivo para HIV não o assustou – por já conhecer o vírus, ele ficou tranquilo.

A psicóloga que comunicou o resultado a Mário, no entanto, tentava acalmá-lo sem parar. Ela provavelmente sabia que, diferente dele, nem todas as pessoas que recebem a notícia têm informações suficientes para lidar com a situação com clareza.

“Devido ao estigma do HIV, o início costuma ser de choque. As coisas que a gente fala no momento do diagnóstico não são tão bem absorvidas pelo paciente, porque, na cabeça dele, estão passando diversos pensamentos”, relata o dr. Wandson Padilha, médico de família e comunidade do Ambulatório de Atenção Integral à Saúde de Pessoas Trans e Travestis de Petrolina, em Pernambuco.

As principais dúvidas tem a ver com a convivência com o vírus e os futuros relacionamentos. Com o tempo, essas questões passaram a fazer parte da vida de Mário, mas ele soube desmistificá-las. 

 

“Eu vou viver doente”

“À noite, depois que eu recebi o diagnóstico, eu contei para um amigo. Ele me falou que tinha diabetes. Tomava insulina todos os dias, controlava a alimentação e mantinha vários outros cuidados que eu não precisaria com o HIV”, conta Mário.

A comparação do amigo fazia sentido. É preciso diferenciar a infecção pelo HIV da aids, a doença causada pelo vírus. O diagnóstico positivo para HIV não significa necessariamente que a pessoa irá desenvolver a doença. 

Com as descobertas no combate ao vírus, é possível que o paciente viva normalmente com HIV da mesma forma que milhões de brasileiros convivem com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. A sorologia não impede, por exemplo, a prática de atividades físicas ou o consumo de bebidas alcoólicas. A única diferença é que será preciso fazer acompanhamento com um profissional de saúde e tomar as medicações de forma adequada.

Veja também: Pessoas que vivem com HIV podem tomar vacina? | Crie + Proteção

 

“Eu vou morrer logo”

Conhecer os avanços da medicina foi também o que tranquilizou Mário sobre outra questão: a expectativa de vida. De 1981 até a virada do ano 2000, quase 12 milhões de pessoas haviam morrido de aids. Desde então, os números vêm caindo: em 2021, foram cerca de 650 mil óbitos em todo o mundo, e a tendência tem sido de queda.

“O tratamento se adequa à situação da pessoa. Mesmo se ela vier desenvolver aids, isso pode ser manejado, e ela retorna a um status em que fica segura”, explica o dr. Wandson. 

De acordo com o médico, pacientes com a doença ficam mais sujeitos às chamadas infecções oportunistas, como a tuberculose, e alguns tipos de câncer, como o sarcoma de Kaposi. Por isso, o acompanhamento nesses casos tem que ser intensificado, mas a aids não significa uma “sentença de morte”.

Mário brinca que o risco é o mesmo de quem atravessa a rua sem olhar para os dois lados, já que a expectativa de vida de um paciente com HIV é a mesma de alguém que nunca teve contato com o vírus.

 

“O tratamento vai ser muito sofrido”

Um dos orgulhos da medicina brasileira é ser referência no tratamento do HIV. A terapia antirretroviral (TARV) consiste em dois comprimidos que devem ser tomados todos os dias a fim de suprimir a quantidade de vírus no corpo e proteger o organismo das infecções oportunistas. Esse é o tratamento base que pode variar de acordo com o perfil do paciente, garantido universalmente pelo SUS desde 2013.

Ainda que o uso de medicamentos não seja obrigatório, eles são importantes para impedir a evolução do quadro e a transmissão do vírus. Quando Mário decidiu criar um canal no YouTube para contar a sua experiência com o HIV, o Prosa Positiva, ele ainda não fazia acompanhamento medicamentoso. Um amigo então o questionou: “Você não acha hipocrisia falar no canal que é preciso ter certos cuidados e você mesmo não tomar remédio?”.

Foi aí que ele começou com o efavirenz, o terror dos HIV positivos à época por seus fortes efeitos colaterais. Mário sentiu um pouco de cansaço, mas nada muito grave. “Depois, veio o dolutegravir, eu consegui alterar e continuo com ele até hoje sem nenhum problema. É a prova de que o tempo passa e o tratamento vai ficando mais eficiente”, celebra. 

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“Ninguém mais vai me querer”

Seguir o tratamento adequadamente tem a ver com mais uma das grandes preocupações de quem recebe o diagnóstico: a vida sexual. Isso porque, a partir do momento que a carga viral se torna indetectável, o vírus não é mais transmitido e a pessoa pode se relacionar sexualmente sem maiores preocupações.

“É muito mais seguro ter relações com uma pessoa que vive com HIV e está indetectável do que com uma pessoa desconhecida que não faz exame há muito tempo, porque ela pode ter [o vírus] e não saber”, compara o dr. Wandson.

Se a pessoa já estiver em um relacionamento, não é regra que o(a) parceiro(a) também esteja com o vírus. Caso o teste dê negativo, o(a) companheiro(a) poderá iniciar o acompanhamento com a PrEP (profilaxia pré-exposição), inclusive no mesmo serviço de saúde, se assim desejar. Há ainda médicos, enfermeiros e psicólogos que podem ajudá-lo(a) a lidar com a situação. 

Mas é claro que, pelo preconceito e falta de informação, muitas pessoas acabam se afastando ao saber do diagnóstico. “Eu nunca fiquei sozinho por causa do HIV, mas tenho consciência de que muitas pessoas me deram um fora por causa disso”, conta Mário. 

Esse foi um dos motivos que o incentivou a criar o Prosa Positiva. “É muito estranho chegar para uma pessoa que tem doutorado e ela dizer que não sabe o que fazer e prefere não arriscar”, critica o youtuber. 

É importante destacar que a responsabilidade com a proteção não é só da pessoa com HIV, afinal, existem diversas maneiras de prevenção que não dependem exclusivamente da sorologia do(a) parceiro(a), como a testagem regular, o uso do preservativos e outras estratégias. 

 

“Aceitei o diagnóstico. E agora?”

Tendo tudo isso em mente, o recomendado é que se inicie o tratamento o mais rápido possível. E como fazer isso vai depender de onde você recebeu o diagnóstico.

Se foi na própria UBS (Unidade Básica de Saúde) do seu município, você pode ser orientado a realizar todos os exames necessários ali mesmo, com a equipe que dará continuidade no acompanhamento.

Em alguns municípios, o paciente será redirecionado aos CTAs, Centros de Testagem e Aconselhamento, ou aos SAEs, Serviços de Atenção Especializada, onde encontrará infectologistas, psicólogos e profissionais do Serviço Social para dar prosseguimento.

A partir do resultado dos exames, o médico responsável irá analisar se o tratamento será padrão ou se precisará de algum outro esquema de medicação. 

“A orientação é começar o quanto antes tanto para o cuidado do paciente quanto para a estratégia de prevenção combinada. É um efetivo para quebrar o ciclo de transmissão, impedindo que ele transmita o vírus e reduzindo a incidência de pessoas infectadas”, explica o dr. Wandson.

No que diz respeito ao apoio emocional, os SAEs oferecem profissionais capacitados em ajudar pessoas recém-diagnosticadas.

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“Como avisar às pessoas com quem eu me relacionei?”

Uma vez tomados todos os cuidados com a própria saúde, é hora de avisar os(as) parceiros(as) recentes. Ainda que não seja obrigatório contar sobre o seu estado sorológico a ninguém, o dr. Wandson afirma que é importante alertar as pessoas com quem você se relacionou para que não espalhem o vírus caso tenham sido infectados.

Para Mário, essa foi a preocupação que quebrou o seu sossego. “No momento do diagnóstico, eu pensei: para quem eu passei o HIV sem saber?”, relata. Logo, ele descobriu que um parceiro com quem havia se relacionado havia 6 anos também tinha descoberto ser HIV positivo. Como não fazia exames desde então, começou a avisar todos aqueles que conheceu a partir daquela época.

“Eu estava sentindo um peso muito grande. Coisa que não deveria, porque eu não sabia. Eu não poderia me culpar, porque eu não tinha consciência de que estava com o vírus até então”, conta o youtuber. 

Na prática, não existe uma técnica certa de quando ou como contar sobre o diagnóstico, mas algumas dicas podem ajudar:

  • Não se culpe, independentemente de como se deu a infecção;
  • Pesquise sobre o HIV para estar munido de informações antes da conversa;
  • Cite casualmente o HIV e observe a reação da pessoa;
  • Descubra o que ela já sabe sobre o HIV e “prepare o terreno” a partir daí;
  • Fale sobre a consideração que tem por ela e que está contando porque a quer bem;
  • Se se sentir à vontade, ofereça companhia para fazer o teste;
  • Prepare-se para diferentes reações e saiba que está fazendo a coisa certa.

Se a preocupação for com os futuros relacionamentos, existem meios de trazer o assunto à tona sem assustar:

  • Conheça melhor a pessoa com quem você está se relacionando antes de contar, isso evita associar uma possível rejeição à sorologia;
  • Quando estiver falando sobre suas paixões ou objetivos de vida, insira o HIV na conversa;
  • Antes de falar sobre a sua sorologia, pergunte como ela se cuida em relação às infecções sexualmente transmissíveis ou até se ela já teve alguma;
  • Se estiver com a carga viral indetectável, diga isso logo no início da conversa.

 

“E se eu sofrer preconceito?”

Se, durante esse processo ou em qualquer outro momento da vida, você sofrer discriminação por ser HIV positivo ou ter aids, é possível recorrer às autoridades legais. De acordo com a lei n° 12.984, de 2014, a sorofobia é crime.

Isso significa, por exemplo, que nenhuma empresa pode solicitar o teste de HIV em seus exames admissionais, que nenhuma pessoa pode espalhar o status sorológico de outra no intuito de constrangê-la e que nenhum serviço pode se negar a atender um HIV positivo por causa de sua sorologia. 

Caso isso aconteça, você pode registrar um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima ou entrar em contato com o Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial ou com a Defensoria Pública.

 

“Onde encontrar pessoas que estão passando pela mesma situação que eu?”

“Hoje, nesse momento dos influenciadores digitais, tem muita gente que vive com HIV e que tem tratado abertamente sobre isso nas redes sociais”, indica o dr. Wandson. Além disso, o médico de família e comunidade afirma que existem grupos de apoio organizados pelos próprios municípios, que podem ser facilmente encontrados na internet.

Ainda que Mário Daniel tenha feito uma pausa em seu canal Prosa Positiva, todo o conteúdo produzido está disponível a quem quiser assistir. Para aqueles que acabaram de receber o diagnóstico, ele aconselha:

“O HIV me trouxe um autocuidado mais elevado do que quando eu não tinha. A vida da pessoa não muda, mas ela percebe que está cuidando de coisas que já deveria estar cuidando desde sempre: o sono, a alimentação, os medicamentos, tudo. O meu irmão me disse que a melhor arma contra o inimigo é se aliar a ele. Não é estar do lado do vírus, mas conhecê-lo melhor. O diagnóstico não é a melhor notícia, mas também não é o fim. É um recomeço. Um recomeço muito louco”, diz.

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