O luto é um processo bastante complexo e cada um passa por ele de forma única. Sentir dor, saudade e todos os sentimentos envolvidos na perda de alguém querido é algo normal e esperado. Contudo, existem casos em que o luto se prolonga e paralisa a pessoa enlutada, impedindo-a de tocar a vida. Nessas situações de luto prolongado, é preciso atenção.
Desde 2022, o transtorno de luto prolongado passou a integrar o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-11), elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Os sintomas incluem relutância em aceitar a morte, raiva ou culpa em relação à perda, sentimentos de vazio, entorpecimento emocional ou choque, sensação de que parte de si mesmo morreu, variações de humor, dificuldade em interações e atividades sociais, entre outros.
“Os sintomas precisam persistir além de seis meses após a morte e devem causar desequilíbrio funcional ao enlutado”, explica Tania Maria Alves, psiquiatra e coordenadora do Ambulatório do Luto do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq/HCFMUSP).
Diferença entre o luto prolongado e o normal
Segundo Ana Lucia de Moraes Horta, psicóloga e professora titular do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a maioria das pessoas consegue se adaptar e continuar com a vida, mesmo sentindo saudades e tristeza, aprendendo a integrar a perda na sua história.
Por outro lado, o luto prolongado acontece quando essa adaptação é emperrada: a principal diferença é a intensidade e a duração dos sintomas, e como eles afetam a vida do indivíduo.
“Assim, no luto ‘saudável’, os sentimentos de tristeza, saudade e dor são esperados, fazem parte do processo e flutuam ao longo do tempo. São emoções muitas vezes intensas, mas não impedem que, mesmo com dificuldade, a pessoa siga em frente, a se cuidar, trabalhar, estudar e manter suas relações sociais. O tempo e recursos pessoais favorecem que ela comece a se adaptar à nova realidade e a dor se torna menos avassaladora”, esclarece ela.
Já no luto prolongado, a dor da perda é constante e devastadora. “Ela não diminui com o tempo e interfere significativamente na vida da pessoa, que fica paralisada e ‘presa’ na dor, com dificuldade em se adaptar, sentindo-se incapaz de seguir em frente.”
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Fatores de risco para o luto prolongado
“O luto prolongado é uma situação que não acontece por acaso e frequentemente há várias circunstâncias que precisam ser consideradas, tais como características pessoais, forma e contexto em que a morte acontece, rede de apoio e fatores ambientais e sociais”, explica Ana Lucia.
Assim, são situações que podem favorecer o luto prolongado:
- morte repentina, inesperada ou violenta;
- relacionamento muito próximo ou de grande dependência com o falecido;
- relacionamento conflituoso com o falecido, podendo gerar culpa e arrependimento;
- morte de criança ou pessoa jovem;
- experiências traumáticas ou de luto anteriores não elaboradas;
- histórico pessoal ou familiar de depressão ou outros transtornos mentais gerados por perdas em geral;
- falta de uma rede de apoio social, emocional e financeira.
Quando buscar ajuda
O momento de procurar auxílio é quando a pessoa percebe que a dor do luto está impedindo-a de viver, como se estivesse paralisada.
“Vários são os sinais de alerta a considerar, como sentimentos de desesperança e tristeza profunda que não melhoram com o tempo; incapacidade de realizar atividades básicas do cotidiano, como tomar banho, se alimentar ou ir trabalhar, ir a festas ou situações sociais que indiquem isolamento de amigos e familiares; preocupação constante com a morte e o falecido, a ponto de não pensar em mais nada; pensamentos de automutilação e/ou suicídio; uso abusivo de álcool ou drogas como forma de lidar com a dor, no sentido de esquecê-la ou amortecê-la”, pontua Ana Lucia.
Não é possível evitar as perdas, mas a reação diante delas varia, conforme destaca a dra. Tania. “Do ponto de vista psicológico, sabe-se que a não elaboração de uma perda importante predispõe-se a ter dificuldades com outras perdas. Uma perda ou um conjunto de perdas mal elaboradas pode cronificar-se em formas diversas de psicopatologia ou mesmo fazer o indivíduo recair em psicopatologia já existente.”
Existe tratamento para o luto prolongado?
O luto prolongado é tratável, e o acompanhamento de profissionais qualificados pode auxiliar a pessoa enlutada a seguir em frente. “Só um profissional treinado é capaz de avaliar e identificar os pontos que impedem ou dificultam a elaboração do ‘trabalho de luto’ e indicar o tratamento ideal”, orienta a médica.
Um psiquiatra pode avaliar a necessidade do uso de medicações, especialmente quando há transtornos anteriores associados. “Cabe lembrar que tristeza não deve ser medicada. Por isso, a busca por um psiquiatra é essencial para uma boa avaliação e tratamento medicamentoso, se necessário. A psicoterapia individual, de família ou grupal focada no luto pode facilitar na elaboração da dor da perda, trabalhar memórias e reconstruir sentido para continuar a viver”, explica a professora.
Além disso, grupos terapêuticos são muito úteis para compartilhar experiências e formar redes de apoio. Eles ajudam o enlutado a sentir que não está sozinho na dor e a avaliar novas estratégias de enfrentamento utilizadas por outros participantes.
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Como ajudar uma pessoa enlutada?
O primeiro passo para auxiliar uma pessoa que passa por um processo de luto é não julgar sua dor nem as estratégias usadas para lidar com a situação. É importante compreender o espaço que esse evento tem na vida dela.
“Apoiar alguém que está em luto é um ato de amor e cuidado, viabilizando um ambiente seguro para que a dor possa ser manifestada sem julgamento. Estar disponível para oferecer apoio de coração aberto e com empatia é o melhor caminho para ajudar alguém a superar um luto prolongado”, diz Ana Lucia.
A especialista lista algumas dicas importantes nesse sentido.
- Esteja presente: a simples presença já é um apoio. Não há necessidade de dizer nada em especial, mas estar disponível para o outro, podendo oferecer um ombro para chorar ou manifestar-se, ou apenas ficar em silêncio.
- Ouça ativamente: ouça sem interromper e sem tentar dar soluções. Frases como “sei como você se sente” podem não ser as mais adequadas, já que a experiência de viver o luto é única.
- Seja paciente: a pessoa pode ter dias bons e outros ruins. Esteja disponível para os dois.
- Não apresse: o luto não tem prazo. Evite frases como “você precisa seguir em frente” ou “já passou muito tempo”. Respeite o tempo de luto de cada um.
- Ofereça ajuda: proponha ações que auxiliem nas tarefas cotidianas e que o enlutado não esteja conseguindo realizar. Assim, seja mais claro e direto naquilo que você consegue fazer junto ou por ele de forma pontual, sem tirar sua autonomia. Por exemplo: “posso fazer as compras da semana para ou com você?”.
- Incentive a busca por assistência profissional: se notar que a pessoa não está melhorando, você pode sugerir — de forma delicada e sem forçá-la — que ela procure ajuda de um profissional.