Esgotamento materno: por que as mães ficam tão cansadas?

O pós-parto é uma fase de mudanças físicas e psicológicas intensas, mas o fato de as muitas mães enfrentarem o puerpério sozinhas intensifica as dificuldades.

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Publicado em: 8 de novembro de 2022

Revisado em: 8 de novembro de 2022

O pós-parto é uma fase de mudanças físicas e psicológicas intensas, mas o fato de as muitas mães enfrentarem o puerpério sozinhas intensifica as dificuldades.

 

Poucas fases da vida são tão intensas quanto o pós-parto. A mulher precisa adaptar-se a todas as mudanças físicas e psicológicas impostas pelo puerpério enquanto aprende a alimentar, cuidar e confortar o recém-nascido. Muitas vezes, tudo isso é feito ao mesmo tempo em que ela toma conta de outros filhos e da casa, em meio a choros, fraldas e pedidos de atenção.

O resultado é exaustão, privação de sono, má alimentação e descuido com a saúde e pensamentos como “minha vida será assim para sempre? Eu vou dar conta de tudo?” se tornam comuns. 

Com a analista de sistemas Mônica Silveira, 41 anos, não foi diferente: “Cheguei a pensar que ia enlouquecer. Meu filho chorava incessantemente, queria mamar a cada 1h30 e eu sentia tanto cansaço e dor nos seios que chorava junto”, relata.

É claro que a adaptação à nova fase não é simples. Do ponto de vista físico, o organismo sofre uma queda abrupta de estrogênio e progesterona, hormônios produzidos em abundância na gravidez, o que também gera sintomas emocionais, como ausência de estabilidade emocional e angústia, acentuadas pelo fato de que a mãe sofre uma interrupção abrupta no seu estilo de vida anterior.

O processo inicial de produção do leite, que começa depois do parto, mas só se intensifica cerca de três dias depois, costuma ser difícil. É preciso acostumar as mamas, que ficam cheias e doloridas, à produção da quantidade de leite necessária ao recém-nascido e ao ato de mamar propriamente dito, que pode causar fissuras e ferimentos nos mamilos. Até que o bebê consiga estabelecer um ritmo de amamentação que esteja em sintonia com a mãe são precisos semanas, meses, até.

O aleitamento também pode ocasionar cólicas e sangramentos, pois amamentar estimula a produção de ocitocina, um hormônio que provoca contrações uterinas e auxilia o útero a retomar às dimensões anteriores. Além disso, é difícil vivenciar a maternidade em meio a tantas opiniões e conselhos, a maioria dada com boa intenção, mas que geram ainda mais pressão sobre a mulher. “No início, é importante que a mãe se sinta livre para poder aprender a se relacionar com o bebê sem interferência. Ela precisa de um espaço solitário com o bebê para vivenciar a maternidade da forma que ela achar melhor”, diz a psicóloga e psicanalista clínica Patrícia Fernandes.

Embora não haja dúvidas de que esse é um período de cuja intensidade é difícil escapar, muitas das dificuldades poderiam ser amenizadas se o início da maternidade não fosse um período tão solitário, até mesmo para as mulheres casadas.

 

Acúmulo de funções e carga mental

De acordo com Patrícia, as mulheres fizeram conquistas que lhes permitiram avançar do ponto de vista produtivo, intelectual e sexual, mas isso foi uma luta quase que exclusiva das próprias mulheres. Assim, passamos a acumular funções, e isso gera culpa e exaustão, porque ao mesmo tempo que estamos sempre tentando dar conta de tudo, também sentimos que não conseguimos realizar todas as tarefas e funções bem. “As mulheres acabam se sentindo culpadas e tendo de batalhar para provar que têm motivos para reclamar, para legitimar suas vontades e seus desejos para além da vida doméstica. Isso gera frustração”, afirma a psicóloga.

Mônica concorda que as mulheres acumulam muitas funções. “Trabalho fora e costumo perguntar para o meu marido, que até divide algumas tarefas comigo, mas nunca na mesma proporção, quanto nosso filho está calçando, se as unhas do pé estão cortadas, qual o telefone do dentista, qual o nome da mãe do melhor amigo. Ele nunca sabe”, ri.

A verdade é que mesmo que os homens ajudem na parte de execução das tarefas, a organização do dia a dia, na maioria das vezes, ainda fica a cargo das mulheres. Isso vem sendo chamado de “carga mental”, o trabalho não visível da maternidade que poderia ser, mas quase nunca é, compartilhado. E isso não costuma mudar quando a criança cresce, ao contrário.

“A mulher já é ensinada desde pequena, quando brinca com bonecas, a cuidar. Em um casal hétero, o homem tem menos tempo de licença paternidade, e a amamentação acaba servindo de desculpa para a mulher ficar com todo o cuidado com o bebê. É preciso que os homens entendam a importância de exercer a paternidade, de cuidar no dia a dia”, fala Patrícia.

Dar banho, colocar para dormir, trocar fraldas, fazer compras para a casa, ajudar o bebê a se acalmar durante as cólicas, levar para passear e cuidar dos filhos mais velhos são apenas alguns exemplos de tarefas que podem ser executadas pelos homens, mas que quase sempre ficam a cargo da mãe. Na verdade, com exceção da amamentação, quase tudo pode ser dividido.

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Nova rotina e rede de apoio

Muitas mulheres enfrentam o início da maternidade sozinhas, em total desamparo. Embora o nascimento de um filho seja um momento de alegria, nem todas as mulheres se sentem felizes no pós-parto, e se cobram por isso.

“Quando peguei meu filho no colo pela primeira vez, tive sentimentos ambíguos. Eu o amava, mas também não o reconhecia. A gente precisou de alguns dias para se conhecer, e eu me sentia muito culpada por não sentir um amor avassalador. Depois fui vendo que o amor de mãe e filho, assim como todos os amores da vida, se constrói”, conta Mônica, emocionada.

A idealização da maternidade faz com que mulheres sejam cobradas a sentir apenas amor e instinto maternal. Sobra pouco ou nenhum espaço para as angústias e receios que são perfeitamente compreensíveis nessa fase. Afinal, em que outro momento da vida cobramos um amor incondicional e desinterassado, que exija dedicação exclusiva enquanto nosso corpo e nossa vida passam por transformações intensas?

“Do dia para a noite você tem uma pessoa que depende 100% de você, que desconfigura a família anterior. Isso, por si só, já é uma tremenda mudança. Além disso, a mulher está em privação de sono, com um corpo diferente do que tinha antes, com aparência e funções diferentes. Ter alguém do lado, que ajude na prática mas também no suporte emocional, sem cobranças, é fundamental”, alerta a psicóloga.

A chamada rede de apoio, que deve incluir o pai do bebê e outras pessoas disponíveis a compartilhar as tarefas diárias para que a mãe consiga cuidar do recém-nascido e de si, nem sempre está disponível, em especial nas grandes cidades, em que o ritmo de vida é atribulado. Porém, é importante pedir ajuda de quem estiver disposto a apoiá-la. Não espere que lhe ofereçam auxílio, peça que o parceiro, parentes e amigos compartilhem algumas tarefas.

Uma boa dica é solicitar algo específico. Por exemplo, peça para lhe mandarem uma refeição ou levarem os filhos mais velhos para passear no fim de semana, para você dormir até um pouco mais tarde. Muita gente quer ajudar, mas não sabe como fazê-lo. “É importante que a mulher tenha algum tempo para fazer algo que não seja relacionado à maternidade. E saber que essa é uma fase, que vai melhorar”, explica Patrícia.

E melhora mesmo, pode apostar.

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