Uso excessivo do salto alto pode favorecer problemas como condromalácia e artrose. Os prejuízos podem se estender para os pés, tornozelos e até a coluna.
Quem tem o hábito de usar sapatos de salto alto com frequência pode desenvolver alguns problemas no joelho. Isso acontece porque o uso constante leva a diversas alterações biomecânicas que impactam diretamente essa região do corpo.
“Primeiramente, ocorre um aumento da carga patelofemoral, já que o salto alto induz uma postura em flexão contínua do joelho, o que eleva consideravelmente a pressão entre a patela (rótula) e o fêmur. Essa condição favorece o desenvolvimento de condromalácia patelar – o amolecimento da cartilagem – e da síndrome da dor patelofemoral. Além disso, a flexão mantida do joelho tensiona de forma exagerada o ligamento patelar, predispondo o indivíduo à tendinopatia patelar, também conhecida como ‘joelho do saltador’”, explica Fernando Jorge, ortopedista, especialista em cirurgias do joelho e cirurgias do quadril e membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).
Outro fator crítico, de acordo com o médico, é a alteração do centro de gravidade, que se desloca anteriormente, exigindo adaptações compensatórias na postura – o que pode levar a uma hiperextensão ou flexão compensatória dos joelhos, promovendo uma distribuição anormal de forças que sobrecarrega estruturas como meniscos e ligamentos cruzados.
“A longo prazo, esse estresse articular crônico e repetitivo pode acelerar o desgaste das cartilagens das articulações femoropatelar e femorotibial, aumentando substancialmente o risco de desenvolvimento precoce de osteoartrose. Ademais, o uso de saltos muito altos ou com base estreita compromete a estabilidade do tornozelo, favorecendo entorses. Essa instabilidade, por sua vez, afeta a cadeia cinética da perna, gerando sobrecarga secundária no joelho”, completa.
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Sinais de que o salto alto está causando problemas
Existem vários sintomas que indicam que o salto pode estar causando prejuízos à saúde dos joelhos e outras partes do corpo. O especialista lista os principais:
- Dor anterior no joelho, principalmente ao redor ou atrás da patela (osso da frente do joelho), que se intensifica ao subir ou descer escadas, agachar ou permanecer sentado por longos períodos;
- Dor no calcanhar ou na região plantar – indicativa de fascite plantar – e na “bola” do pé (metatarsalgia);
- Sensação de instabilidade e dor no tornozelo, principalmente após o uso prolongado do salto ou ao retirá-lo (indicam sobrecarga ligamentar);
- Pode haver ainda dor ou cãibras na panturrilha, lombalgia devido à compensação postural, inchaço em tornozelos ou joelhos, além de formigamentos nos dedos dos pés, geralmente associados à compressão neural, como no neuroma de Morton;
- Outros sintomas incluem rigidez articular, principalmente ao acordar, estalidos ou crepitações nos joelhos, além de calosidades e bolhas em áreas de sobrecarga.
Recomenda-se buscar a avaliação de um ortopedista diante dos sintomas listados, especialmente se houver dor persistente mesmo após repouso, que limite as atividades do dia ou que esteja piorando com o passar do tempo. “Esses sintomas podem ser indícios de lesões articulares ou neuromusculares que exigem tratamento precoce e acompanhamento especializado”, alerta o dr. Fernando.
Problemas vão além dos joelhos
Não são apenas os joelhos que sofrem devido ao uso frequente do salto alto. Na verdade, o primeiro local a sofrer é a região da sola dos pés próxima aos dedos. “Devido à curvatura que o salto proporciona ao pé, todo o peso do corpo fica concentrado nesse local, o que pode gerar metatarsalgia, neuroma de Morton e joanetes, principalmente se o salto for de bico fino”, diz o médico.
Ele acrescenta que a planta do pé também pode ser comprometida, já que fica fletida em excesso por um tempo prolongado. “Como consequência, pode causar uma fascite plantar ou levar ao famoso esporão de calcâneo, assim como tendinites no tendão de Aquiles.”
Existe ainda o risco de ocorrer uma sobrecarga das articulações da coluna, que pode causar fortes dores por conta de um tensionamento muscular e ligamentar. “Fraturas por estresse, torções de tornozelo, lombalgia e lombociatalgia são outros problemas que podem surgir devido ao uso prolongado de salto. E, comumente, quando a mulher tira o salto alto após muito tempo de uso, ela sente uma intensificação das dores”, explica ele.
Dor ao tirar o salto: por que acontece?
Às vezes, a pessoa sente dor ao tirar o salto alto depois de um uso prolongado – o que pode ser curioso. De acordo com o médico, diversos mecanismos estão por trás disso.
“Um deles é o encurtamento adaptativo do músculo tríceps sural (gastrocnêmio e sóleo), que permanece contraído devido à flexão plantar mantida do tornozelo. Ao pisar no chão plano, esse músculo é subitamente alongado, gerando dor ou sensação de estiramento. Há também a fadiga muscular extrema dos músculos estabilizadores da perna e do pé, o que causa desconforto assim que a carga muda. A redistribuição repentina da pressão nas regiões plantares, antes concentrada em um ponto específico do salto, gera dor por compressão tecidual, especialmente nos metatarsos e na fáscia plantar”, explica.
Além disso, em alguns casos, processos inflamatórios em desenvolvimento durante o uso (como tendinites ou sinovites, por exemplo) tornam-se mais evidentes ao retirar o salto, agravando os sintomas.
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Para quem tem sobrepeso, a sobrecarga é maior
O uso frequente do salto alto pode ser ainda mais prejudicial no caso de pessoas que estão acima do peso, já que o peso é um dos principais fatores que determinam a carga articular.
“Em uma pessoa acima do peso, a pressão patelofemoral já é naturalmente maior mesmo sem salto. O salto alto multiplica exponencialmente essa pressão. O estresse nos meniscos e cartilagens do joelho e tornozelo aumenta drasticamente. O risco de lesões ligamentares por instabilidade também é maior. A fadiga muscular ocorre mais rapidamente, reduzindo a capacidade de proteção ativa das articulações. E o risco de desenvolver osteoartrose precoce é muito maior”, aponta o especialista.
Como prevenir problemas nos joelhos
Para evitar lesões associadas ao uso do salto alto, é preciso evitar o uso frequente e prolongado e escolher bem os sapatos. Segundo o ortopedista, recomenda-se optar por modelos com altura moderada (entre 3 e 4 centímetros), evitando saltos muito altos (acima de 5 centímetros) ou muito finos, que comprometem a estabilidade articular.
“Saltos com base mais larga – como os do tipo bloco, anabela ou quadrado – são mais seguros por oferecerem maior estabilidade ao tornozelo, reduzindo a necessidade de compensações no joelho. O uso de sapatos com plataforma na parte anterior reduz o ângulo de inclinação do pé, minimizando a sobrecarga na região anterior do pé e a flexão do joelho”, esclarece o especialista.
Quando for necessário usar o salto por um longo período, a dica é fazer intervalos, retirando os calçados para alongar os membros inferiores. Também deve-se evitar calçados que não se ajustam adequadamente aos pés (apertados ou folgados), pois isso aumenta a instabilidade e o risco de lesões.
Com moderação e alguns cuidados, é possível usar salto com mais segurança. “Preferir modelos mais baixos e estáveis, alongar e fortalecer os músculos das pernas e pés, usar palmilhas e ficar atenta aos sinais do corpo são atitudes importantes”, completa o médico.
Existe altura ideal de calçado?
O especialista diz que a altura de salto considerada menos prejudicial seria entre 1,5 e 3 centímetros. “Esse leve salto é considerado mais fisiológico por aliviar parcialmente a tensão da fáscia plantar, sem gerar sobrecarga excessiva nos joelhos ou tornozelos.”
Os calçados sem nenhuma altura não são os ideais. “Sapatos completamente rasos, apesar de parecerem inofensivos, também podem trazer prejuízos, especialmente quando usados com frequência e sem estrutura adequada. Em pessoas predispostas, eles aumentam a tensão na fáscia plantar, favorecendo o surgimento de fascite plantar”, explica.
Sapatos desse tipo, como sapatilhas finas ou chinelos, não oferecem amortecimento suficiente, o que resulta em aumento do impacto sobre os metatarsos, predispondo à metatarsalgia, tendinites e dores articulares nos joelhos e quadris. Por isso, sempre que possível, opte pelo meio-termo.
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