A tenossinovite estenosante dos flexores, nome científico do dedo em gatilho, ocorre por causa de um edema nos tendões flexores dos dedos.
Em meados do século 19, um médico francês chamado Alphonse Notta se deparou com uma situação inusitada no hospital onde trabalhava. Quatro de seus pacientes não conseguiam estender facilmente os dedos previamente flexionados, especialmente o terceiro e o quarto. Foi a primeira vez que a condição popularmente conhecida como dedo em gatilho foi relatada na literatura médica.
Chamado cientificamente de tenossinovite estenosante dos flexores, o dedo em gatilho ocorre por causa de um edema na bainha (espécie de membrana com líquido) dos tendões flexores, estruturas semelhantes a cordas grossas que ligam a musculatura do antebraço (região entre o cotovelo e o punho) às extremidades dos ossos das mãos. Os dedos só se flexionam por causa deles – a extensão, por sua vez, ocorre por ação dos músculos/tendões extensores.
Esses tendões flexores – há dois para cada dedo – passam por túneis, compostos por polias, que os mantêm juntos aos ossos e permitem a função de dobrar. No entanto, se eles ficam inchados e com maior volume, não conseguem seguir por meio do caminho facilmente. “Se você tem um edema ao redor da bainha desses dois tendões, o que vai acontecer é que eles terão dificuldade para entrar no túnel, formando o nódulo palpável na palma da mão e gerando o dedo em gatilho”, explica a médica ortopedista e cirurgiã da mão Giana Giostri.
Para conseguir visualizar o cenário acima, imagine o túnel por onde passam os tendões como um viaduto que permite apenas a passagem de carros pequenos por baixo dele – nas grandes cidades, geralmente há placas especificando a altura permitida. Se um caminhão com um baú grande tentar passar, pode ficar entalado e obstruir todo o trânsito. O bloqueio na tenossinovite estenosante dos flexores é algo semelhante.
De acordo com a dra. Giana, que também é professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), integrante do Instituto de Ensino e Pesquisa em Cirurgia da Mão e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão, o inchaço causador da condição pode surgir por um problema mecânico ou por alguma doença.
No primeiro caso, a pessoa usa excessivamente os movimentos de flexão dos dedos sem uma preparação prévia. “Os músculos e os tendões formam uma unidade. Se você não tem um músculo alongado e fortalecido para as atividades do dia a dia, ele vai sobrecarregar os tendões, gerando um edema”, explica a especialista.
Já as doenças que podem desencadear o dedo em gatilho, segundo a médica, são aquelas capazes de facilitar o aumento de reações inflamatórias no organismo, como por exemplo artrite reumatoide, diabetes, obesidade e hipotireoidismo.
Dedo em gatilho em mulheres e crianças
De acordo com a literatura médica, a incidência do dedo em gatilho na população é de 28 para cada 100 mil pessoas. E as mulheres, principalmente na época da menopausa e da gravidez, são as mais acometidas. O motivo é que nessas fases da vida elas passam por alterações hormonais intensas. Como consequência, a possibilidade do surgimento de edemas em todo o corpo aumenta.
Nos adultos, o mais comum é que a tenossinovite estenosante dos flexores ocorra no dedo médio (o terceiro) e no anelar (o quarto). “Anatomicamente, esses dedos são aqueles com os dois tendões flexores mais superficiais. Então eles acabam sendo os mais acometidos por essa possibilidade de edema”, disse a dra. Giana.
Existe, no entanto, uma tenossinovite estenosante dos flexores em crianças, que aparece em torno de 1 ou 2 anos de idade. Diferentemente dos adultos, o dedo prejudicado é o polegar. De acordo com a dra. Giana, ainda não se sabe o motivo de isso acontecer em algumas crianças. A situação costuma se resolver sozinha no primeiro ano após o aparecimento. Caso contrário, passa-se a considerar o tratamento cirúrgico com abertura da polia no polegar.
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Como é o tratamento do dedo em gatilho?
De acordo com a literatura médica, há quatro classificações de dedo em gatilho:
- Grau I (pré-gatilho) – o paciente tem dor e edema sobre a polia A1 (nome de um dos túneis), mas não há bloqueio;
- Grau II (ativo) – existe bloqueio do túnel, mas o paciente ainda consegue estender o dedo;
- Grau III (passivo) – há bloqueio e o paciente só consegue estender o dedo com ajuda da outra mão ou é incapaz de flexioná-lo;
- Grau IV (contratura) – dedo se contrai e fica fixo na posição flexionada.
No geral, há três estratégias de tratamento. Primeiramente, o médico tenta diminuir o inchaço por meio de exercícios de alongamento várias vezes ao dia, bem como o fortalecimento da musculatura, tanto dos tendões flexores e extensores, como do antebraço, do punho e da mão. Há também uso de medicamentos para diminuir a dor e de anti-inflamatórios.
Se os alongamentos e a medicação não surtirem efeito, existe a possibilidade de infiltração no local do túnel com anestésico e anti-inflamatório. Se ainda persistir o gatilho, é então considerada a abertura da polia no início do túnel, que pode ser percutânea (que atravessa a pele) ou por meio de uma pequena incisão, dependendo do caso.
Em resumo, na liberação percutânea o especialista faz uma abertura da polia com uma ponta de agulha no túnel – depois da anestesia local, claro – e abre a passagem. Já no caso da incisão, é feita uma cirurgia de pequeno porte, que exige internação apenas durante o procedimento. No pós-operatório, os movimentos sem carga são permitidos e os pontos cirúrgicos são retirados por volta do 15º dia.
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Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e futuro biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.