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Tratamento da tosse | Entrevista

As causas da tosse nem sempre têm origem no aparelho respiratório, uma vez que outras doenças como refluxo gastroesofágico e sinusite também podem estar associados à condição. Conheça melhor o tratamento da tosse.
Publicado em 04/08/2011
Revisado em 12/05/2021

As causas da tosse nem sempre têm origem no aparelho respiratório, uma vez que outras doenças como refluxo gastroesofágico e sinusite também podem estar associados à condição. Conheça melhor o tratamento da tosse.

 

* Edição revista e atualizada.

 

O aparelho respiratório é formado pelas fossas nasais que se comunicam com a faringe, órgão comum aos aparelhos digestivo e respiratório. Depois vêm a laringe, onde se localizam as cordas vocais, e a traqueia, tubo cartilaginoso que se divide em dois mais finos: os brônquios. Dentro dos pulmões, os brônquios sofrem sucessivas divisões, formando ramos cada vez mais fininhos até atingirem os alvéolos onde se realiza a troca gasosa.

Na parte superior da laringe, fica a epiglote, uma espécie de tampa que evita a comunicação entre os aparelhos respiratório e digestivo. Quando tomamos água, por exemplo, essa tampa se fecha, o líquido corre pelo esôfago e alcança o estômago. Se a epiglote estiver aberta, a água penetrará no sistema respiratório e provocará um acesso de tosse. O mesmo acontece quando, em virtude de um processo inflamatório, infeccioso ou alérgico, começamos a juntar muco que não pode permanecer nos brônquios, bronquíolos e pulmões para não comprometer a respiração.

A tosse é um reflexo natural do organismo para livrar o aparelho respiratório de substâncias estranhas, de muco ou de partículas absorvidas com a respiração.

 

MECANISMO DA TOSSE

 

Drauzio – Você poderia explicar como funciona o mecanismo da tosse?

Daniel Deheinzelin – O pulmão é a superfície do corpo que tem maior contato com o meio externo. Para o ar que respiramos entrar em contato com o sangue levando oxigênio e trazendo gás carbônico, o pulmão possui uma superfície que no adulto corresponde a mais ou menos 100 m², ou seja, aproximadamente o tamanho de uma quadra de tênis. No caminho de ida, o ar é aquecido, umidificado e sofre um turbilhonamento cuja finalidade é fazer grudar nas paredes por onde passa as partículas que estiverem flutuando. É por isso, por exemplo, que eliminamos poeira, se assoarmos o nariz depois de andar por uma estrada empoeirada. Esse é um mecanismo de defesa que ajuda na limpeza dessas estruturas. Mesmo assim resíduos podem alcançar os brônquios e ficarão retidos nas paredes de suas bifurcações.

Embora sejam revestidos por cílios que, num movimento contínuo, empurram o muco para fora com a sujeira que nele aderiu, parte dela pode alcançar a área terminal do pulmão e comprometer seu funcionamento adequado. Essas partículas precisam sair de alguma forma. Para tanto, o pulmão se enche de ar, um reflexo do sistema nervoso central fecha a epiglote, e a musculatura toda se contrai para libertar o ar aprisionado. Isso gera uma pressão tão grande que, aberto o sistema, ele sai como um tiro e expulsa o que estiver lá dentro. Em termos gerais, é assim que funciona o mecanismo da tosse.

 

Drauzio – Como se sabe que está na hora de tossir para expulsar os elementos estranhos?

Daniel Deheinzelin – No fim da árvore brônquica, há receptores que percebem a presença de corpos estranhos lá em cima. Esses receptores estão em conexão com o cérebro que coordena o processo de encher o pulmão, fechar a epiglote, contrair a musculatura e de repente abrir para a explosão da tosse. Portanto, a tosse é um mecanismo reflexo quase impossível de controlar. A pessoa precisa fazer muita força para não tossir.

 

Drauzio – E mesmo assim o controle é limitado…

Daniel Deheinzelin – O controle é limitado, porque é fundamental manter a via aérea aberta para o ar entrar e sair. Parar de respirar tem consequências muito sérias. Os receptores de que falei podem ser estimulados por um cisco, por exemplo, ou por uma inflamação.

Basicamente, existem dois tipos de tosse: a produtiva, ou secretiva, e a tosse seca sem muco. Essa distinção é muito importante para entender a origem da tosse, um mecanismo de defesa, um sinal de que alguma coisa não vai bem no aparelho respiratório.

Em Medicina, é muito mais comum usar medicamentos para inibir a tosse do que tratar sua causa. Isso é ruim porque o problema persiste, uma vez que só está sendo tratada a consequência. Além disso, depois que o mecanismo foi ativado, o próprio fato de ficar tossindo perpetua o processo e os acessos de tosse ficam mais frequentes e intensos.

Gostaria de repetir que inibir a tosse nem sempre é a melhor conduta. Vamos imaginar que alguém tenha um tumor no pulmão. O crescimento descontrolado das células entope o brônquio e é entendido pelo organismo como uma obstrução a ser removida. Consequentemente, o indivíduo tosse e vai continuar tossindo enquanto o problema persistir. Nesse caso, faz sentido bloquear o reflexo da tosse, porque já se conhece sua causa.

 

Drauzio – Você disse que a superfície do pulmão corresponde à de uma quadra de tênis. As pessoas estranham a comparação. Você poderia explicar como se chegou a esse dado?

Daniel Deheinzelin – O pulmão é uma estrutura extremamente especializada, revestido por uma membrana muito fina que permite o contato entre o ar que está dentro dos alvéolos e o sangue que flui pelos capilares. Se for esticada e medida toda a superfície em que esse contato se estabelece, obteremos uma área equivalente à de uma quadra de tênis.

 

TOSSE DO FUMANTE

 

Drauzio –E a tosse provocada pelo cigarro, a mais comum de todas, que o fumante interpreta como coisa normal para quem fuma?

Daniel Deheinzelin – Não existe tosse normal. A tosse do fumante ocorre por dois mecanismos fundamentais. Primeiro: quando a pessoa inala a fumaça do cigarro, está aspirando diversos irritantes químicos potentes. Aliás, não só químicos como térmicos. Para realizar a combustão completa do cigarro, o calor da chama é elevado a 300 graus centígrados, mais ou menos.

 

Drauzio – Fumaça a 300º C não queima o indivíduo por dentro?

Daniel Deheinzelin Queima. É por isso que as pessoas tossem quando fumam pela primeira vez. Depois não tossem mais, porque o mecanismo de defesa perde a sensibilidade e deixa de perceber que a fumaça está quente demais.

 

Drauzio – As pessoas custam a entender isso porque estabelecem uma analogia com a água. Se ponho o dedo na água a 100º C, eu me queimo. Como é que a fumaça entra a 300º C e não percebo que está queimando por onde passa?

Daniel Deheinzelin – Primeiro, porque a fumaça esfria muito rápido. Em segundo lugar, porque é um gás e não um líquido. O líquido retém o calor por mais tempo e o transmite rapidamente. Já a fumaça esfria e se dissipa mais depressa. Leva pouco tempo para entrar em equilíbrio com a temperatura dos gases do corpo. Antes, porém, exerce seu efeito destrutivo sobre as células que revestem a boca e a pessoa perde o reflexo da tosse. Depois, com a continuidade do ato de fumar, a produção de muco cresce muito. Uma biópsia feita no pulmão de um fumante revela que neles o número de glândulas produtoras de muco aumenta bastante. É uma defesa do organismo.

E tem mais: esse muco funciona como estimulante dos receptores que desencadeiam o mecanismo da tosse por causa da irritação direta provocada pela fumaça e, em função de seu efeito sobre as glândulas produtoras de muco, que passam a produzir essa substância em excesso.

 

Drauzio – Além disso, a fumaça quente queima os cílios que revestem a mucosa que recobre o aparelho respiratório.

Daniel Deheinzelin – Não só queima os cílios, como seu efeito inflamatório impede que eles batam de forma coordenada ao mesmo tempo e na mesma direção, num movimento que lembra o “vento no trigal”. Como esse mecanismo de defesa também deixa de funcionar direito, há maior acúmulo de muco. Por isso, a tosse é mais frequente quando a pessoa acorda. O tempo que passou dormindo e sem fumar permitiu que o muco migrasse um pouco e surge a necessidade de eliminá-lo. Algumas infecções virais, por exemplo as causadas pelo vírus do resfriado, em especial pelo adenovírus, também podem modificar essa função dos cílios.

 

TOSSE ALÉRGICA

 

Drauzio – Quais são as características das tosses alérgicas?

Daniel Deheinzelin — A alergia é uma forma especializada de inflamação que pode também desencadear o mecanismo da tosse. Quando a pessoa entra em contato com alguma substância que seu organismo não reconhece ou reconhece como estranha, ativa células específicas que produzem um anticorpo contra essa substância que se chama IGE e que se localiza preferencialmente na parede dos mastóscitos (células de defesa distribuídas pelo tecido conjuntivo). Se eles percebem a presença da substância indesejada, provocam uma reação inflamatória que ativa os receptores denominados de histamina.

 

Drauzio – Os mastóscitos fazem isso porque querem ver-se livres da substância que o organismo não reconhece direito?

Daniel Deheinzelin – Eles querem ver-se livres dela e sinalizar que a pessoa entrou em contato com algo que não devia. Às vezes, essa reação alérgica de defesa é exagerada e pior do que o ataque que a pessoa está sofrendo. Quando há liberação de histamina, aumenta a produção de muco e consequentemente o mecanismo de tosse que se manifesta nessa situação não é muito diferente do que ocorre nas infecções por vírus.

O xarope tem muito poucas indicações. O mecanismo fundamental para tratamento da tosse é a hidratação do muco. Quanto mais fácil for eliminá-lo, mais depressa a tosse vai desaparecer.

 

OUTRAS CAUSAS DA TOSSE

 

Drauzio – Uma das causas mais frequentes de tosse é o refluxo gastroesofágico, mas dificilmente as pessoas imaginam que estão tossindo porque o conteúdo ácido do estômago refluiu para o esôfago.

Daniel Deheinzelin – Normalmente, as pessoas associam a tosse ao pulmão, mas as duas causas mais frequentes desses episódios são o refluxo gastroesofágico e a sinusite que nada têm a ver com o pulmão. Muitos pacientes procuram os consultórios de pneumologia desanimados, porque já tiraram radiografias, tomaram xaropes e antibióticos e não melhoraram da tosse. Nesses casos, a causa do problema pode não estar no aparelho respiratório e, sim, no aparelho digestivo.

O refluxo gastroesofágico é provocado por dois fatores: o aumento da produção de ácido pelo estômago e pela incapacidade do cárdia (ou junção gastroesofágica) de fechar direito permitindo a volta do conteúdo do estômago para o esôfago. O estômago é revestido de tal forma que resiste à presença dessa acidez, mas no esôfago ela provoca uma reação inflamatória que por si só é capaz de ativar o reflexo da tosse. Agora, se esse ácido subir até as vias aéreas superiores, for aspirado e cair no pulmão, mesmo que esteja livre de bactérias, causa uma pneumonia extremamente grave, a pneumonia aspirativa, que também ativa o reflexo de tosse.

Para entender como é possível o ácido estomacal alcançar os pulmões, basta lembrar que todo sistema respiratório está submetido a uma pressão negativa e será aspirado tudo que vier de fora. Como muitas vezes o conteúdo do estômago sobe até a boca, é aspirado também. E não estou falando de grandes quantidades. Microaspirações são suficientes para desencadear a doença e o reflexo de tosse. O refluxo gastroesofágico é responsável por mais ou menos um terço dos casos de tosse crônica, principalmente da tosse seca.

 

Drauzio – A outra causa importante é a sinusite, que não dá só dor de cabeça, não é?

Daniel Deheinzelin – Existem duas formas de sinusite. A menos frequente é a sinusite aguda provocada por uma infecção dos seios da face, cavidades localizadas na região frontal, atrás do nariz e do maxilar, e onde o ar é aquecido.

A sinusite crônica é uma inflamação nos seios da face que produz pequenas quantidades de líquido. Esse líquido desce por trás da garganta, fica batendo na glote e provoca tosse seca. Essa é a causa de 30% a 40% das tosses improdutivas. Quer dizer que, se juntarmos o refluxo gastroesofágico e as sinusites, teremos apontado entre 50% e 60% das causas de tosse seca.

 

TRATAMENTO DA TOSSE

 

Drauzio – Vamos falar um pouco do tratamento da tosse. Você disse que dispomos de medicamentos para inibir a tosse, os xaropes. Você prescreve xaropes?

Daniel Deheinzelin – Muito pouco. O xarope tem muito poucas indicações. O mecanismo fundamental para tratamento da tosse é a hidratação do muco. Quanto mais fácil for eliminá-lo, mais depressa a tosse vai desaparecer.

 

Drauzio – Quer dizer que água é o melhor remédio para a tosse?

Daniel Deheinzelin – Água é sempre o melhor remédio. Na verdade, existem diferentes tipos de xarope. Os mucolíticos, que tornam o muco mais fluido, têm eficiência muito pequena. Os broncodilatadores são mais eficientes para alguns casos de tosse, pois ajudam a abrir os brônquios para eliminar o muco acumulado. O terceiro tipo contém drogas que agem no sistema nervoso central e inibem o reflexo da tosse. São xaropes com base de codeína, normalmente derivados de morfina. Esses de fato funcionam, mas tratam da consequência e não da causa da tosse. Por isso, indico pouco o uso de xaropes.

 

Drauzio – E os tratamentos alternativos funcionam? Muita gente usa própolis, por exemplo, para diminuir as crises.

Daniel Deheinzelin – Não conheço estudos que demonstrem com solidez que esses medicamentos funcionem, mas há pacientes que dizem melhorar quando fazem uso deles.

A inalação representa outra forma de fazer chegar líquido aos pulmões [além de beber líquido]. Ela melhora a tosse, porque umidifica o muco e facilita sua eliminação.

 

Drauzio – Algumas pessoas esfregam pomadas no peito quando estão com tosse. O calor local é anti-inflamatório?

Daniel Deheinzelin – Em geral, o que costuma acontecer é mais ou menos o seguinte: a pessoa pega uma tosse seca e passa uma pomada no peito. Esses produtos são extremamente irritantes, aumentam a produção de muco e a tosse que era seca vira produtiva. Daí, a pessoa acha que o fato de estar eliminando muco é sinal de melhora, o que é um engano. Ela só irritou mais as vias aéreas e mudou a característica da tosse.

 

ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA TRATAMENTO DA TOSSE

 

Drauzio – Além do tratamento especifico para a tosse, que medidas práticas você sugere aos pacientes?

Daniel Deheinzelin – Primeiro, é importante beber muita água. Segundo, observar se existe algum ambiente da casa onde a tosse fica mais intensa, porque existem processos alérgicos, principalmente a asma, que são desencadeados por fungos, mofo ou poeira, por exemplo. Notar se isso acontece ajuda não só no resultado do tratamento como a descobrir a causa do problema. Essas são orientações básicas para o paciente. Quanto ao médico, ele deve levantar a história o mais completa possível do paciente e procurar a causa para o aparecimento da tosse.

 

Drauzio – Você manda tomar chá quente?

Daniel Deheinzelin – Só se a pessoa notar que alivia. Não é obrigatório. O importante é beber água.

 

Drauzio – Fazer inalação ajuda a melhorar a tosse?

Daniel Deheinzelin – A inalação representa outra forma de fazer chegar líquido aos pulmões. Ela melhora a tosse, porque umidifica o muco e facilita sua eliminação. Feita com um broncodilatador, ajuda a abrir os brônquios. No entanto, pode-se dizer que o resultado de fazer inalação com água fervendo ou beber muita água é mais ou menos o mesmo.

 

Drauzio – Tomar banho bem quente e aspirar o vapor d’água têm resultado semelhante?

Daniel Deheinzelin – O resultado será o mesmo da inalação se a pessoa aspirar bem o vapor durante o banho. Isso faz chegar líquido dentro das vias aéreas, o que ajuda a soltar o muco.

 

Drauzio — Como mensagem final, poderíamos dizer que quem tem tosse deve hidratar-se bastante?

Daniel Deheinzelin – Essa é a primeira mensagem. A outra é que fundamental identificar a causa de qualquer tosse que dure mais de 10 ou 15 dias. Em geral, as pessoas acham que estão tossindo por causa de resfriado ou gripe. Nem sempre isso está certo. Tosse por tempo prolongado exige atendimento médico para diagnóstico. Terceira e última mensagem: mais da metade dos casos de tosse se originam fora do pulmão e são provocados pelo refluxo gastroesofágico ou por sinusite, entre outras causas. Esses fatores desencadeantes não podem ser desprezados nem esquecidos no diagnóstico e para o tratamento.

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