Tosse crônica | Entrevista

Reflexo do organismo para expulsar corpos estranhos, esse é um dos sintomas mais comuns em diversas doenças. Saiba mais sobre a tosse crônica.

Dr. Daniel Deheinzelin é médico pneumologista. Faz parte do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês (SP). postou em Entrevistas

homem de perfil com tosse

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Publicado em: 11 de abril de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Reflexo do organismo para expulsar corpos estranhos do corpo, esse é um dos sintomas mais comuns em diversas doenças. Saiba mais sobre a tosse crônica.

 

Drauzio — A respiração é uma função fisiológica do organismo diferente das demais especialmente pelo tempo em que pode deixar de ser exercida. Dois ou três minutos sem respirar, e  o organismo começa a dar sinais de graves alterações. Se esse tempo for um pouquinho maior, será incompatível com a vida. Por que essa necessidade do corpo de respirar tanto assim?

Daniel Deheinzelin — Na verdade, a respiração traz embutida duas funções: uma é a oxigenação das células (o oxigênio passa do ar  para o sangue a fim de alimentar todas as células do organismo); a outra é eliminar gás carbônico.

É falsa a impressão de que essas funções são correlatas. Resultado da queima de todos os combustíveis necessários para o funcionamento da célula, o gás carbônico não pode permanecer no organismo. Caso isso aconteça, haverá intoxicação por CO2, a pessoa entrará em narcose e, se não respirar em dois ou três minutos, poderá chegar ao coma.

 

Drauzio — Como se sente uma  pessoa num ambiente fechado, ao perceber que lhe falta oxigênio e corre o risco de morrer por asfixia?

Daniel Deheinzelin — Ela entra em coma antes de morrer. No princípio, sente um desconforto imenso porque, à medida que o oxigênio se rarefaz, o esforço para respirar aumenta. É  uma fase de muita agitação, durante a qual a pessoa busca retirar oxigênio onde ele não mais existe. Depois, com a narcose, instala-se uma  sonolência profunda e o coma. Isso acontece com clareza nos afogamentos. Quando submerge, a pessoa sabe que não pode respirar e prende o ar, mas o grau de torpor se aprofunda e ela volta a respirar, enchendo de água os pulmões. O que caracteriza o afogamento é a entrada de água nos pulmões, consequência desastrosa  de um reflexo espontâneo e natural: o da respiração. Uma das últimas coisas que se perde, quando em coma profundo, é o ritmo e a  capacidade de respirar, visto que  preservar a troca gasosa é essencial  para a vida. Até que a falta de oxigênio não é o pior. Embora a  célula necessite de  oxigênio para a combustão completa dos carboidratos, consegue realizá-la de forma anaeróbica durante algum tempo. É o que faz o corredor numa prova de 100 metros. Ele enche o pulmão e dispara. Naquele momento, seu metabolismo é anaeróbico: ele não respira e o oxigênio não lhe faz falta. Agora, interferir no processo orgânico de  eliminar gás carbônico está absolutamente fora de qualquer cogitação.

 

Drauzio — Há pessoas que se queixam de que não sabem respirar direito. Isso é possível?

Daniel Deheinzelin — Existem diferentes formas de respiração. Pode-se respirar envolvendo diferentes músculos e por diferentes vias. Pode-se respirar pela boca, pelo nariz, realizar respiração diafragmática, ou seja, usando os músculos do diafragma, ou respiração  torácica, que demanda  atividade da musculatura intercostal. Todas elas, porém, cumprem as mesmas funções fisiológicas.

 

Drauzio — Enquanto a pessoa respira, tem consciência de que músculos estão sendo usados?

Daniel Deheinzelin — Respirar é um ato involuntário, inconsciente e a pessoa não toma conhecimento da musculatura envolvida nesse processo. Havendo esforço, a necessidade de respirar aumenta não só para manter a oxigenação adequada como para eliminar o gás carbônico que está sendo produzido em maior quantidade. Quanto mais se intensifica o esforço, mais músculos entram em ação para movimentar a caixa torácica. Em atividade normal, de 3% a 5% do oxigênio total absorvido são consumidos para manter a respiração. Num caso crítico de insuficiência respiratória, esse índice pode chegar a 20%, 25%. No início, é possível respirar com maior frequência e encher mais os pulmões, mas depois  a fadiga da  musculatura impede que continuemos respirando. Essa é uma situação comum nos prontos-socorros. Apesar do enorme cansaço, o indivíduo chega respirando, mas não suporta o esforço, para de respirar e morre.

 

Drauzio — Há outras situações em que isso pode acontecer?

Daniel Deheinzelin — Um indivíduo pode parar de respirar não por colapso da musculatura e, sim, porque se intoxicou com barbitúricos, por exemplo. A função respiratória está preservada, mas desapareceu o comando cerebral que faz da respiração um ato obrigatório, mas involuntário e inconsciente.

 

Drauzio — Não é uma coisa um pouco primária a natureza ter criado um mecanismo respiratório  tão sofisticado e uma dependência de oxigênio tão básica  que, em dois ou três minutos, já não se consegue obter o oxigênio necessário à vida?

Daniel Deheinzelin — Na verdade, o problema não é tanto a falta de oxigênio, é  a retenção do gás carbônico que provoca acidose. Mais ácido, o sangue interfere em todas as células e reações orgânicas, porque o Ph responsável pelo equilíbrio do corpo foi seriamente alterado. Uma pessoa suporta sem respirar em torno de três minutos. Mergulhadores especializados não vão muito além disso, embora sejam mergulhadores de profundidade, bem treinados.

 

TOSSE

 

Drauzio A medicina parece não ter evoluído o suficiente para resolver um dos sintomas respiratórios mais frequentes e que acarretam sérios transtornos para as pessoas: a tosse. Uma série de patologias, desde um simples resfriado até um tumor maligno, provoca tosse. Qual a explicação para a existência da tosse?

Daniel Deheinzelin — O aparelho respiratório assemelha-se a um grande funil invertido. O ar entra pela extremidade mais estreita e, através de tubos de condução, entre eles os brônquios, chega aos pulmões, a parte mais larga do funil. Há 17 ramificações principais de brônquios que vão se dividindo até alcançar pequenas áreas onde ocorre a troca de gases. A questão é como manter limpo esse sistema, uma vez que o contato direto com o  exterior  permite a entrada de sujeira e infecções. Por isso, o ideal é respirar pelo nariz. Sua estrutura é anatomicamente perfeita para reter o material grosseiro que o ar carrega e impedir que a poeira chegue aos pulmões. Além disso, o nariz é revestido por cílios e muco.

Grosso modo, pode-se descrever o processo da seguinte maneira: o muco recobre os cílios e, por impacto ou perda de velocidade, as partículas de sujeira tendem a sedimentar-se sobre ele que as empurra num movimento oscilatório semelhante ao do vento soprando num campo de trigo. Assim, o muco progride até atingir as vias aéreas mais calibrosas para ser expulso. Relembrando a figura do funil invertido, é fácil deduzir que o caminho de volta pode ser obstruído por pequenas quantidades de muco. Fechada a ponta do funil, a pressão  aumenta e, para eliminá-la, a musculatura é contraída e sobrevém um acesso de tosse. Em muitos aspectos, o reflexo da tosse é natural e benéfico, pois ajuda a expulsar secreção ou corpos estranhos.

É voz corrente que o gelado é um veneno para a tosse. Nem sempre é assim. Se a temperatura exterior estiver baixa e o corpo frio, o gelado vai piorar a tosse, porque os cílios sofrem com baixas temperaturas e o movimento do muco se altera. Às vezes, porém, a tosse é causada por irritação nas vias aéreas superiores. Nessas circunstâncias, o frio pode ser benéfico, pois é um bom anti-inflamatório.

 

Drauzio Que alterações no organismo podem provocar o reflexo da tosse?

Daniel Deheinzelin — Inúmeras são as causas da tosse: irritação da mucosa, cílios defeituosos, acúmulo de secreção, presença de material estranho. Quando alguém engasga, por exemplo, a obstrução se dá primeiro na glote, um tipo de “tampa” que abre e fecha a laringe. No entanto, se chegar aos pulmões, estimulará um reflexo de tosse.  Também provoca tosse o crescimento anômalo de células no pulmão ou nos brônquios. O organismo reconhece a invasão e reage acionando um reflexo de tosse que, infelizmente, é incapaz de eliminar o tumor.

 

Drauzio — Apesar de incômoda e desgastante, a tosse pode ter efeitos benéficos. Isso sempre acontece ou há tosses inúteis, irritativas que só fazem sofrer. Como se distingue um tipo do outro?

Daniel Deheinzelin — Há  dois tipos de tosse: a tosse seca e a tosse produtiva. É pela presença ou não de muco que se estabelece a diferença.  Na tosse produtiva existe um catarro que se movimenta e é eliminado.  Na tosse seca, esse catarro parece não existir. Portanto, é preciso avaliar se a tosse é realmente seca ou se, por desidratação ou tratamento incorreto, ele não flui normalmente.

Na verdade, a tosse é apenas um sintoma que exige diagnóstico cuidadoso. Nas crises de asma, por exemplo, os brônquios entram em constrição. Esse fechar dos brônquios provoca a sensação de  que algo estranho dentro deles  deve ser expelido. A musculatura ao redor se contrai e  surge uma tosse seca, mesmo que não haja outros sintomas de asma.

Estatísticas sugerem, todavia, que 40% das tosses secas surgem por problemas nas vias aéreas superiores, dado que se repete nos casos de tosse produtiva, com catarro.

Vale mencionar, ainda, outra causa comum de tosse: a esofagite. O esôfago é um órgão muito próximo da traqueia e da entrada dos pulmões. Se, por problemas do aparelho digestivo, o refluxo do ácido estomacal subir pelo esôfago e atingir as vias aéreas, provocará um reflexo de tosse indicativo de uma patologia gastroesofágica que pode acarretar complicações respiratórias sérias.

 

TRATAMENTO DA TOSSE CRÔNICA

 

Drauzio — Que regras práticas podem ser tiradas dessas explicações?

Daniel Deheinzelin — A tosse é, em princípio, benéfica se ajudar a eliminar o catarro retido nos pulmões. Se for seca, deve-se investigar se o paciente está desidratado e, nesse caso, recomendar que beba muita água, de 2,5 a 3 litros por dia. A água é o melhor antitussígeno que se conhece, pois facilita a movimentação do muco sobre os cílios. E não fica só nisso: quando há obstrução e  tosse, a respiração se acelera e o tempo necessário para umidificar e aquecer o ar externo torna-se exíguo, diminuindo a eficiência do movimento do muco. Por isso se recomenda ingerir muita água, beber água até a urina ficar clarinha, sinal de boa hidratação.

É preciso muita cautela com o uso de xaropes, já que vários medicamentos  englobados nessa categoria são vendidos livremente nas farmácias. Há os xaropes ditos expectorantes, de eficácia discutível, que facilita o transporte do muco e os sedativos da tosse, em geral com codeína ou outra substância análoga, que inibem o reflexo de tosse. Há os que, paradoxalmente, associam as duas indicações, mas nenhum deles supera o valor terapêutico da água. Acredite, água é ótimo para tosse.

Em relação aos xaropes broncodilatadores, a coisa muda de figura. Esses são eficientes para quem apresenta broncoespasmo e devem ser prescritos.

Tosse crônica nunca é natural mesmo em se tratando de fumantes inveterados. É imprescindível procurar atendimento médico para uma avaliação precisa do quadro clínico, se a tosse persistir por duas semanas ou mais.

Muitos pensam que doenças broncopulmonares aparecem depois de anos que se começou a fumar. Estão enganados. Elas começam com o primeiro cigarro. Como o pulmão tem uma enorme reserva funcional, não denuncia que está perdendo superfície e área de troca gasosa. Quando os sintomas se evidenciam, grande parte dele já foi destruída irremediavelmente.

GELADO FAZ MAL?

 

Drauzio — O primeiro conselho para as pessoas com crises de tosse, é beber bastante água. Em relação ao gelado ou quente, o que se deve observar?

Daniel Deheinzelin — A resposta admite algumas considerações. É voz corrente que o gelado é um veneno para a tosse. Nem sempre é assim. Se a temperatura exterior estiver baixa e o corpo frio, o gelado vai piorar a tosse, porque os cílios sofrem com baixas temperaturas e o movimento do muco se altera. Às vezes, porém, a tosse é causada por irritação nas vias aéreas superiores. Nessas circunstâncias, o frio pode ser benéfico, pois é um bom anti-inflamatório. Por isso, os médicos prometem sorvete às crianças que operam as amídalas. Superadas as dificuldades do pós-operatório, o sorvete se torna uma das possibilidades de alimentação, uma vez que o gelado é também anestésico.

O problema não é o que se faz quando se está com tosse, é saber se tomar gelado dá tosse. Isso depende da causa da doença. Se for uma crise asmática, não faz a menor diferença. Se for sinusite, com secreção que desce dos seios da face pela retrofaringe, cai na glote e provoca tosse, o gelado piora o quadro.

 

Drauzio  As pessoas costumam reconhecer a sinusite por uma dor na região frontal da face, mas tosse também pode ser um sintoma de sinusite, não é verdade?

Daniel Deheinzelin — Sinusite pode estar associada a sintomas como dor na região frontal, corrimento nasal, coriza e aparecimento de catarro amarelado, mas pode também estar associada ao reflexo da  tosse, uma vez que, não conseguindo sair  pelo nariz, a secreção rica em histamina é drenada pela retrofaringe, irrita as vias aéreas e provoca tosse, um sintoma também comum na sinusite.

 

Veja também: Tosse pode indicar doenças crônicas e até câncer de pulmão

 

AÇÃO DO FUMO

 

Drauzio — É inquestionável que o cigarro compromete a qualidade de vida das pessoas. A dependência geralmente se instala na adolescência e se prolonga vida afora. Que malefícios traz o cigarro para o aparelho respiratório?

Daniel Deheinzelin — Logo que começa a fumar, a pessoa desenvolve uma reação inflamatória, porque a fumaça  inalada numa temperatura extremamente alta  queima  as vias aéreas, mas o fumante não sente o estrago, ou melhor, no início sente, uma vez que tem uma crise de tosse, engasga. Depois esses sintomas desaparecem. No entanto, a ação deletéria do cigarro permanece não só nos pulmões, mas em todo o aparelho respiratório, e é responsável pelo aparecimento de rinites, sinusites e bronquites renitentes. Isso é simples de entender: o revestimento das vias aéreas superiores não aguenta a alta temperatura da fumaça nem a toxicidade de seus compostos químicos e o organismo passa a produzir mais muco para expulsar o elemento irritante. Nos brônquios e nos alvéolos, a fumaça provoca reações inflamatórias que acarretam destruição sequencial dos brônquios e da estrutura arquitetônica dos pulmões.  Além disso, ela corrói por onde passa e gera partículas de oxigênio, os radicais livres, que têm a capacidade de oxidar e destruir as estruturas celulares. Esse processo irreversível nem sempre é acompanhado de sintomas perceptíveis pelo fumante que vai perdendo os parâmetros da normalidade. Ele julga ter desempenho satisfatório em todas as atividades, pois desconhece qual seria sua performance sem o cigarro. O pulmão do fumante envelhece mais depressa e fica mais vulnerável a diferentes patologias.

Muitos pensam que doenças broncopulmonares aparecem depois de anos que se começou a fumar. Estão enganados. Elas começam com o primeiro cigarro. Como o pulmão tem uma enorme reserva funcional, não denuncia que está perdendo superfície e área de troca gasosa. Quando os sintomas se evidenciam, grande parte dele já foi destruída irremediavelmente. Isso acontece nos casos de enfisema pulmonar, doença progressiva e irreversível que se caracteriza pela destruição dos alvéolos, nos casos de bronquite e em muitos tipos de câncer.

As lesões causadas pelo cigarro vão além do aparelho respiratório. O organismo funciona em uníssono, harmonicamente: um descompasso aqui, uma consequência ali.  Por isso, o fumante corre mais riscos de apresentar distúrbios cardiovasculares, hipertensão e, é claro, câncer em outros órgãos.

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