Ronco | Entrevista

Dr. Maurício Bagnato é médico pneumologista, trabalha no Laboratório do Sono da Universidade Federal de São Paulo e no Laboratório do Sono do Hospital Sírio-Libanês postou em Entrevistas

O ronco pode ser considerado normal se não atrapalhar o sono do roncador e de quem dorme com ele. Saiba mais na entrevista abaixo.

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Publicado em: 12 de abril de 2012

Revisado em: 15 de setembro de 2021

O ronco pode ser considerado normal se não atrapalhar o sono do roncador e de quem dorme com ele. Saiba mais na entrevista abaixo.

 

O ronco é considerado um evento normal do sono a menos que o ruído seja tão alto a ponto de incomodar não só quem dorme no mesmo quarto, mas as pessoas da casa e, em certos casos, até os moradores da vizinhança. Nessas situações, o problema maior do ronco não é o desconforto que provoca nos outros. É a possibilidade de ocorrerem interrupções na respiração que podem ter como consequência quadros mais graves de sobrecarga cardiopulmonar, sonolência durante o dia, baixo rendimento intelectual e no trabalho, cansaço e irritabilidade persistente.

 

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RONCO NORMAL E RONCO PATOLÓGICO

 

Drauzio – Todas as pessoas roncam?

Mauricio Bagnato – Na verdade, muitas pessoas roncam. O ronco real e patológico, porém, é restrito a uma faixa específica da população. Existem pessoas que ressonam à noite, principalmente se estiverem deitadas em decúbito dorsal, isto é, de barriga para cima, porque a língua cai um pouquinho para trás e, nessa posição, a tendência é gerar um leve ruído.

O ronco patológico caracteriza-se por grandes vibrações e ruído intenso e não apenas pelo ressonar. O grande roncador precisa ser estudado para avaliar a possibilidade de ter outra patologia associada.

 

Drauzio – A diferença entre ressonar e roncar está apenas na intensidade do som? O mecanismo envolvido é o mesmo?

Maurício Bagnato – O mecanismo é o mesmo, mas existem algumas síndromes que são particularidades de pessoas com problemas respiratórios noturnos. O ronco pode ser sinal de que esses problemas estão se instalando.

 

PRINCIPAIS CAUSAS DO RONCO

 

Drauzio – Por que as pessoas roncam?

Maurício Bagnato – É fácil entender. Imagine um tubo que se estreite e pelo qual o ar tenha de passar para ser expirado. Segundo as propriedades físicas dos fluidos, ocorre um turbilhonamento quando o ar percorre esse tubo.

O ronco é o efeito sonoro dessa vibração causada pelo afunilamento por que passa a coluna de ar na faringeIlustração com corte lateral de cabeça mostrando entrada do ar pelo nariz e boca.

 

Drauzio – A imagem 1 reproduz uma face cortada ao meio. Nela, pode-se ver o ar entrando pela boca e entrando pelas narinas. O volume que entra pela boca é menor do que o que entra pelas narinas como está representado nessa figura?

Maurício Bagnato – É menor. Apenas uma fração pequena de ar pode ser inalada pela boca. Por isso, a respiração bucal é classificada como imprópria qualquer  que seja a fase da vida.

O nariz não existe à toa. Ele foi concebido para filtrar, esquentar e umedecer o ar a fim de que passasse pela faringe, traqueia, brônquios e chegasse aos pulmões numa temperatura adequada. O fato é que a natureza projetou o ser humano para respirar pelo nariz.

 

Drauzio – Onde se forma o ronco?

Maurício Bagnato – O ronco se forma bem atrás da base da língua. Essa é considerada a região crítica. No entanto, em pessoas com problema nasal importante, como o nariz semiobstruído, ele pode ocorrer em outras áreas ligadas á respiração.

Nós fomos desenhados pela natureza para oxigenar o sangue ente 90 e 100 de saturação. Em apneia, oxigenamos menos o sangue e isso tem consequências sérias a longo prazo. Portanto, o ronco pode ser um sinal de alerta importante para diagnóstico da doença.

 

Drauzio – Quer dizer que o ronco se forma na região constituída pela base da língua e parte superior da faringe?

Maurício Bagnato – A anatomia dessa região crítica pode ser modificada por muitos fatores. Pelo menos dez deles estão relacionados à redução do calibre do segmento da faringe na base da língua. Convém dizer que essa estrutura não tem esqueleto ósseo: é flácida e maleável. Nessa região, também se localizam as amídalas, que nada mais são do que conglomerados de tecido linfoide. Elas são maiores nas crianças de nove a 11 anos. Depois, tendem a diminuir, mas isso leva bastante tempo e há adultos com amídalas grandes. Amídalas hipertrofiadas atrapalham a respiração e constituem outra causa possível de ronco.

 

Drauzio – Crianças com amídalas grandes roncam?

Maurício Bagnato  – Não só roncam como muitas delas acabam apresentando episódios de apneia e dificuldade de oxigenação do sangue.

 

APNEIA DO SONO

 

Drauzio – O que é apneia?

Maurício Bagnato – Apneia é uma parada respiratória provocada pelo fechamento da faringe que ocorre principalmente enquanto a pessoa está dormindo e roncando.

A pessoa normal pode ressonar um pouquinho. Entretanto há algumas que roncam muito por causa da força que fazem para o ar passar pelo tubo faríngeo de calibre reduzido e há as que apresentam a doença em estágio avançado – a apneia – na qual ocorre o colabamento das paredes da faringe, provocando a obstrução total desse tubo.

 

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Alguns fatores contribuem para o aparecimento do ronco: amídalas e adenoides muito grandes, tumores, desvio de septos, hipertrofia dos cornetos, pólipos nasais, etc. Diversas patologias provocam a obstrução crônica do nariz, o que obriga a pessoa a respirar pela boca.

 

Drauzio – Quanto tempo costuma durar a crise de apneia?

Maurício Bagnato – No adulto, classifica-se como apneia uma parada respiratória superior a dez segundos. Como a criança tem uma reserva menor, às vezes, a apneia pode ocorrer depois de dois ou três segundos, uma vez que nesse tempo  seu sangue já se mostra empobrecido de oxigênio.

Aí está o problema. Nós fomos desenhados pela natureza para oxigenar o sangue ente 90 e 100 de saturação. Em apneia, oxigenamos menos o sangue e isso tem consequências sérias a longo prazo. Portanto, o ronco pode ser um sinal de alerta importante para diagnóstico da doença.

É claro que, durante a apneia, o paciente para de roncar, porque bloqueia a passagem do ar. Não é raro a esposa notar que, embora o marido esteja roncando menos, parece que não respira direito durante o sono e passa o dia sonolento. Nesses casos, o quadro está mais grave do que aparenta e o paciente pior de saúde, apesar de o ronco ter diminuído, enquanto ele dorme.

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FATORES AGRAVANTES

 

Drauzio – Vamos fazer um resumo do que você disse, porque é uma informação de grande importância. É considerado normal o ronco discreto, um ressonar suave, principalmente quando a pessoa dorme de barriga para cima, pois a língua cai um pouco para trás. O ronco ruidoso mostra que a passagem está ligeiramente fechada e o ar entra em reverberação. Quando a parede dessa passagem colaba (desaba), a pessoa para de respirar e apresenta a apneia do sono. O que leva a tudo isso?

Maurício Bagnato – Alguns fatores contribuem para o aparecimento do ronco: amídalas e adenoides muito grandes, tumores, desvio de septo, hipertrofia dos cornetos, pólipos nasais etc. Diversas patologias provocam a obstrução crônica do nariz, o que obriga a pessoa a respirar pela boca. Até mesmo obstruções menores podem obrigá-la a respirar por essa via alternada, o que sempre representa uma alternativa ruim.

De maneira geral, dormir de lado favorece a respiração nasal. Por isso, outro fator de risco para o ronco é dormir de barriga para cima. Nessa posição, a tendência é abrir um pouco a cavidade oral, a mandíbula deslocar-se para baixo e para trás, pressionando a faringe, e a língua cair de lado. Algumas pessoas têm, ainda, o queixo projetado um pouco para trás, o que faz recuar também a base da língua e favorece a manifestação do ronco.

Vamos supor, então, um paciente que tenha o costume de dormir de barriga para cima e com a boca aberta, porque tem algum problema no nariz e o queixo projetado um pouco para trás. Como existe sinergismo entre esses fatores, a soma dos três é igual a quatro, porque eles se potencializam entre si e o paciente apresenta tendência maior ao estreitamento da faringe.

 

Drauzio – Existem outros fatores que devam ser mencionados?

Maurício Bagnato – O álcool, por exemplo, tem a propriedade de relaxar o músculo da faringe. Medicamentos à base de diazepínicos também relaxam a musculatura. Daí, o paciente vai ao médico que lhe prescreve um desses medicamentos para que durma melhor e o quadro se agrava, porque a faringe já relaxa naturalmente à noite.

A obesidade é outro fator a considerar. Infelizmente, essa região em que podem concentrar-se vários problemas (relaxamento da musculatura, amídalas grandes, recuo da base da língua agravado pela posição do queixo, respiração bucal) também é passível de infiltração gordurosa que aumenta a obstrução da faringe. A natureza não preparou o ser humano para ser obeso. O excesso de peso interfere negativamente sobre o ronco.

Além desses, o refluxo gastroesofágico, que ocorre mais facilmente à noite, o tabagismo e o álcool podem irritar a faringe, provocar inchaço e, consequentemente, aumentar a incidência de ronco.

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