Linfomas | Entrevista

Linfomas, um tipo de câncer linfático, são o resultado da proliferação anormal de glóbulos brancos, estruturas de defesa do organismo.

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Publicado em: 22 de agosto de 2011

Revisado em: 12 de maio de 2021

Linfomas, um tipo de câncer linfático, são o resultado da proliferação anormal de glóbulos brancos, estruturas de defesa do organismo.

 

Muitos de nós já tivemos uma íngua, especialmente quando éramos crianças. Um ferimento no pé fez aparecer um inchaço na virilha que desapareceu quando o problema foi controlado. Na verdade, íngua é o nome popular de linfonodo ou gânglio linfático e faz parte do sistema de defesa do organismo.

Os gânglios são formados basicamente por glóbulos brancos que procuram defender a área na qual se localizam da ação deletéria de certos agentes externos. Os mais conhecidos, aqueles que podemos sentir pela apalpação quando aumentam de volume, estão situados no pescoço, nas axilas e na região inguinal, mas esses não são os únicos. Há gânglios distribuídos estrategicamente em órgãos pelo organismo inteiro.

Na imagem 1, por exemplo, um corte longitudinal permite ver além do coração, que está um pouco empurrado para a esquerda, o esôfago, o diafragma, o estômago e uma rede  de pequenas estruturas que acompanham esses órgãos. São os gânglios.

 

 

Como registra a imagem 2, essa rede se espalha pelo corpo todo.

 

 

Vamos agora focalizar um órgão separadamente para demonstrar quão extensa é a cadeia ganglionar. Na parte superior da imagem 3,  aparece o fígado, a maior glândula do corpo humano, com funções metabólicas, entre elas a secreção da bile que fica armazenada na vesícula biliar de onde é lançada para o duodeno através do ducto colédoco. A imagem mostra também o estômago e uma enorme quantidade de pequenos gânglios. Como pelo estômago e pelo intestino podem entrar bactérias, a função desses linfonodos é defender toda a área de possíveis agressões vindas do ambiente externo.

A imagem 4 mostra os gânglios existentes nas regiões do períneo e os inguinais (aqueles que enfartam quando as crianças se machucam). A imagem 5  permite ver o grande número linfonodos localizados nas axilas e em volta do cotovelo. Todas essas estruturas funcionam como verdadeiros quartéis avançados que se espalham pelo organismo a fim de defendê-lo da ação de agentes estranhos.

 

Em geral, os gânglios aumentam de tamanho quando atingidos por algum processo infeccioso. Em situações especiais, porém, eles podem crescer pela multiplicação desordenada dos glóbulos brancos existentes em seu interior. Essa proliferação anormal de linfócitos pode resultar no aparecimento dos linfomas, um tipo de câncer do sistema linfático.

 

 

DIFERENÇA ENTRE GÂNGLIO INFLAMATÓRIO E LINFOMA

Drauzio – O que diferencia o linfoma, ou seja, uma proliferação desordenada dos glóbulos brancos situados nos gânglios, de uma reação infecciosa banal?

Jacques Tabacof – Os gânglios linfáticos, ou linfonodos, estão espalhados pelo corpo inteiro em posições estratégicas para defendê-lo dos agentes agressores. Por exemplo, um corte na mão pode provocar o aparecimento de uma íngua na região axilar, porque agentes externos, por exemplo as bactérias, despertam o sistema imunológico que se arma para combater o inimigo. Ele detecta o invasor indesejável e provoca uma reação inflamatória que aumenta o tamanho do gânglio e deixa a região quente, avermelhada e dolorida. Debelada a infecção, esses sintomas regridem e a pessoa se recupera. Se for uma infecção viral, os gânglios podem aparecer em diversas áreas do corpo, tais como as regiões inguinal, maxilar e cervical.

Nos linfomas, a perda desse controle na multiplicação das células, dessa interação perfeita entre os vários componentes do sistema linfático faz com que o linfócito, principal elemento do linfonodo, sofra mutação nos seus genes e comece a proliferar desordenadamente em progressão geométrica. Um linfócito gera dois, que geram quatro, oito, dezesseis e assim sucessivamente até formar uma geração de clones, ou seja, de linfócitos anormais que não mais respeitam as sinalizações do organismo para pararem de reproduzir-se, o que pode evoluir para o acometimento patológico de outros órgãos.

Portanto, a diferença entre um gânglio inflamatório e um linfoma, ou câncer linfático, está na proliferação anormal e descontrolada de glóbulos brancos que ocorre neste último caso.

 

Drauzio – Quer dizer que, no caso de uma inflamação, as células se multiplicam até um certo ponto e param de crescer, enquanto nos linfomas perdem o controle sobre sua multiplicação. Todo gânglio que cresce é perigoso? Quais as características principais de um gânglio inflamatório e de um linfoma?

Jacques Tabacof – Os gânglios das infecções bacterianas, por exemplo, das amidalites ou das infecções dentárias, aparecem na região do pescoço, próximos ao local em que está instalada a infecção. É fácil localizá-los. São dolorosos e a área ao redor fica quente e avermelhada. Gânglios com linfomas, isto é, com câncer, em geral não doem, não deixam quente a área em volta e não se identifica nenhum foco infeccioso nas proximidades. Eles não desaparecem com o tempo, ao contrário, crescem com o passar das semanas.

Felizmente, na maior parte das vezes em que se detecta um gânglio aumentado, trata-se de um quadro infeccioso e não de câncer.

É comum examinar o pescoço ou a axila de uma pessoa e perguntar se o gânglio encontrado é residual de uma infecção que já passou ou se é um linfoma. É só avaliando todo o conjunto de sintomas que se pode definir a necessidade de prosseguir o procedimento para diagnóstico a fim de determinar exatamente o tipo de doença em questão.

 

Drauzio – O gânglio do linfoma é normalmente mais endurecido, não dói e não tem relação nenhuma com infecções. Às vezes, cresce rápido e, às vezes, lentamente. O que explica essa diferença?

Jacques Tabacof – Na verdade, quando se fala em linfoma, estamos nos referindo a um grupo de doenças bastante complexo. Ao longo de décadas, apareceram vários sistemas de classificação dessa doença. Para dar uma idéia, o último estudo realizado pela OMS permitiu identificar e numerar mais de trinta tipos diferentes de linfomas. Dependendo do tipo de lesão genética ou da alteração que o linfócito sofreu, haverá uma doença com características bastante diferentes.

Para simplificar, clinicamente podemos definir três tipos de linfomas:

  • Os linfomas não Hodgins de baixo grau crescem extremamente devagar, ou seja, dobram de tamanho em seis meses, um ano;
  • Os linfomas de alto grau são de crescimento rápido e dobram de tamanho em dois ou três dias;
  • Os linfomas de grau intermediário dobram de tamanho em um  mês, um mês e pouquinho.

Obs.: Quando se examina um paciente e se levanta sua história, determinar a velocidade de crescimento dos gânglios ajuda a classificar o tipo de linfoma.

 

POSSÍVEIS CAUSAS DOS LINFOMAS

 

Drauzio – Como e por que aparecem os linfomas?

Jacques Tabacof – Acreditamos que parte dos linfomas esteja associada a infecções crônicas. Por exemplo, existe um tipo específico de linfoma da mucosa do estômago, o chamado linfoma MALT, em que a proliferação dos linfócitos em vez de começar pelos gânglios linfáticos, começa na mucosa estomacal e está relacionado com a infecção pela bactéria Helicobacter pylori. Essa infecção crônica produz uma reação inflamatória com multiplicação de vários linfócitos. Em algum momento, a predominância ou a mutação de um deles pode dar origem a um câncer.

 

Drauzio – Muita gente está infectada por essa bactéria, mas são poucos os casos em que ela é considerada a causa do linfoma. Existem outros exemplos de linfoma relacionado com infecção ou com outros agentes?

Jacques Tabacof – Existem vários outros exemplos. O vírus de Epstein-Barr está relacionado ao sarcoma de Kaposi que também pode ser causa de linfoma, assim como acontece com o retrovírus HTLV1.

Certamente, há um grupo de linfomas associados a infecções crônicas. A impressão que se tem é que o estímulo crônico, que chamamos de estimulante antigênico crônico, predispõe ao surgimento de uma mutação e de um clone de células que fogem ao controle do organismo e dão origem aos linfomas.

É possível que, além das infecções, fatores ambientais, como a radiação ionizante e alguns produtos químicos, sejam causa de linfomas. Esse tipo de câncer pode ocorrer também em pacientes imunossuprimidos, tanto nos doentes com aids, quanto nos que receberam transplante de órgão sólido (fígado, coração, rins, etc.).

No entanto, na maioria dos casos, é impossível identificar o agente causador da doença.

 

Drauzio – Alguém que  tenha um caso de linfoma na família corre risco maior  de desenvolver a doença|?

Jacques Tabacof – A relação entre um caso e outro é muito pequena. É raro encontrar um acúmulo de casos numa mesma família, embora haja descrições de famílias em que isso acontece. A prevalência familiar do linfoma é muito menos relevante do que a do câncer de mama ou de intestino, por exemplo.

 

ETAPAS DO DIAGNÓSTICO

 

Drauzio – Como você age quando apalpa um gânglio aumentado e suspeita que pode ser um linfoma?

Jacques Tabacof – Quando se desconfia de que pode ser um linfoma, o procedimento adequado é pedir uma biópsia que consiste na retirada de um fragmento daquele gânglio ou do tecido onde está localizada a alteração, porque os linfomas podem ocorrer no estômago, na pele, no cérebro. Esse material é analisado por um patologista a fim de verificar se as células são uniformes e muito semelhantes entre si, na verdade clones umas das outras. Para precisar mais ainda o diagnóstico, ele pode fazer colorações especiais usando técnicas imunológicas para definir se foram os linfócitos B ou os linfócitos T que se multiplicaram desordenadamente.

 

Drauzio – Tudo isso é feito para definir a categoria das células com mais precisão…

Jacques Tabacof – São tantos os tipos de linfoma e a apresentação clínica é tão semelhante que, esmiuçando o diagnóstico, é possível identificar famílias especiais de linfomas. Atualmente, é possível estudar até a expressão gênica das células acometidas.

O levantamento de todos esses dados é importante para entender por que, por exemplo, conseguimos curar com quimioterapia apenas metade dos pacientes com um subtipo de linfoma comum chamado linfoma difuso de grandes células.

 

Drauzio – Por que você acha que o mesmo tratamento quimioterápico pode produzir resultados tão diferentes?

Jacques Tabacof – Graças ao avanço da biologia molecular, conseguimos esmiuçar o diagnóstico e definir a expressão do gene que está doente. Embora a microscopia indique que dois desses linfomas são iguais, o nível molecular da expressão gênica permite identificar classes novas de linfoma que reagem de modo diferente ao tratamento.

A esperança é, no futuro, conseguir fazer um diagnóstico mais preciso ainda, a fim de desenvolver tratamentos biológicos específicos para pacientes com linfoma difuso das grandes células que não respondem bem à quimioterapia.

 

Drauzio – Feita a biópsia e as colorações especiais que permitem identificar o tipo de linfoma, qual é o passo seguinte?

Jacques Tabacof – Uma vez confirmado o diagnóstico de linfoma pelo patologista, o passo seguinte é demarcar o estadiamento. O paciente é submetido a uma série de exames de imagem – tomografias, ultrassom, raios X – e a um exame físico minucioso.

 

Drauzio – Parece que esse exame físico está meio fora de moda atualmente…

Jacques Tabacof – Aliás, o primeiro exame que se faz é o físico; só depois é que são pedidos os exames de imagem. O objetivo do estadiamento é identificar outras áreas que possam ter sido acometidas pelo linfoma.

Por que isso? Como você já explicou, o sistema linfático está distribuído pelo corpo todo, desde o dedão do pé até o cérebro. Ele é o sistema de defesa do organismo. Algumas vezes, dependendo do tipo de linfoma, somos obrigados a examinar o líquor, o estômago, os pulmões e a fazer uma biópsia da medula óssea para verificar se não existe um linfoma dentro dela.

 

Drauzio – Muita gente confunde medula óssea com medula espinhal. Você poderia estabelecer a diferença entre uma e outra?

Jacques Tabacof – Essa confusão é clássica. A medula óssea fica dentro dos ossos e a medula espinhal faz parte do sistema nervoso e passa pelo interior das vértebras da coluna. Na medula óssea, está a fábrica das células do sangue.

Como se sabe, o sangue é formado por uma parte líquida e por células que correm dentro desse líquido. Os leucócitos, ou glóbulos brancos, encarregados da defesa geral do organismo, os glóbulos vermelhos que transportam o oxigênio, e as plaquetas – elementos que ajudam na coagulação – são fabricados dentro da medula óssea e nada têm a ver com a medula espinhal.

 

IMPACTO DO DIAGNÓSTICO NOS PACIENTES

 

Drauzio – Quando você identifica um linfoma de alto grau, como as pessoas recebem a notícia de que necessitarão submeter-se a um tratamento agressivo que exige internação hospitalar e pressupõe sofrimento?

Jacques Tabacof – As pessoas passam por várias fases. Quando recebem o diagnóstico, é como se uma nuvem negra pairasse sobre suas cabeças. Parecem não enxergar mais nada. Ficam muito tensas e inseguras com o que lhes vai acontecer, especialmente em razão da enorme quantidade de informações novas que recebem em pouquíssimo tempo. Às vezes, não sentiam nada, foram ao médico para uma consulta de rotina e saíram com a recomendação de que deveriam procurar um oncologista ou um hematologista. Em seguida, descobrem que são portadoras de um câncer do sistema linfático e que precisam ser internadas num hospital para colocar um cateter, porque as veias dos braços não suportarão a quimioterapia que, entre outras coisas, provocará queda de cabelo.

Iniciado o tratamento, porém, o ânimo vai melhorando, principalmente quando começam a observar no corpo o desaparecimento da doença. Depois de algumas semanas, o tratamento passa a fazer parte da rotina em suas vidas. Já conhecem as enfermeiras, o médico e sabem o nome dos remédios. Muitos dos meus pacientes participam ativamente do tratamento. Isso é bem gratificante, sobretudo quando se consegue curá-los.

 

TRATAMENTO

 

Drauzio – Em que consiste o tratamento dos linfomas?

Jacques Tabacof – Feito o diagnóstico de linfoma, avalia-se o grau de estadiamento. O paciente pode estar no estádio I, isto é, só tem um gânglio no pescoço acometido pela doença, ou estar no estádio IV, com gânglios no pescoço e na virilha, nódulos no fígado e no pulmão, e com a medula óssea comprometida. Qualquer que seja o caso, a base do tratamento é a quimioterapia, complementada em algumas situações pela radioterapia.

A eficácia do tratamento quimioterápico nos linfomas é muito maior do que na maioria dos tumores sólidos, como câncer de mama, de pulmão, de intestino, ou carcinomas das células epiteliais, que são bem diferentes dos linfócitos.

Mesmo no estádio IV da doença, é possível curar um paciente com quimioterapia. Em geral, são utilizados vários grupos de drogas, por isso o tratamento recebe o nome de poliquimioterapia, e seu efeito é uma redução rápida das dimensões dos gânglios linfáticos.

Recentemente, a terapêutica dos linfomas avançou muito com a introdução dos anticorpos monoclonais. Não se trata de ficção científica nem de promessa para o futuro. Esse remédio está na farmácia e existem estudos provando que utilizar esses anticorpos associados à quimioterapia aumenta a probabilidade de cura de alguns tipos da doença.

 

Drauzio – O que são exatamente anticorpos monoclonais?

Jacques Tabacof – Anticorpos são proteínas do corpo que fazem parte do sistema de defesa. Eles reconhecem agentes externos e são fabricados e dirigidos para combater determinados invasores.

Aplicando a tecnologia da engenharia genética, os anticorpos monoclonais são construídos para atacar especificamente os linfomas, ou seja, os linfócitos que expressam em sua superfície certas moléculas que não estão presentes nos linfócitos normais.

 

Drauzio – Os anticorpos monoclonais atacam essas estruturas por que as reconhecem como estranhas?

Jacques Tabacof – Não só reconhecem, mas as transformam no alvo de sua ação. Como se fossem mísseis programados, ligam-se à superfície da célula doente para combatê-la.

Atualmente, os anticorpos monoclonais fabricados em laboratório são uma indiscutível realidade terapêutica. Não se trata de quimioterapia, nem de remédio. Trata-se de uma proteína que, associada à quimioterapia e em algumas situações à radioterapia, aumentou muito a possibilidade de curar os linfomas.

 

Drauzio – Você falou que os linfomas têm comportamentos diversos. Podem ser de baixo grau de agressividade, de alto grau e de média agressividade. O que muda na quimioterapia em cada um desses casos?

Jacques Tabacof – Linfomas de baixo grau de agressividade, de crescimento lento, em geral, ocorrem em pacientes idosos. A literatura médica registra que, numa população de cem pacientes, metade vai sobreviver entre oito e dez anos. Portanto, apesar da doença, pacientes com 70, 75 anos com linfoma de baixo grau têm uma curva de sobrevida bem longa. Por isso, o tratamento costuma ser pouco agressivo. Indica-se uma quimioterapia leve, às vezes com uma só droga por via oral ou apenas o anticorpo monoclonal, que é pouco tóxico. Podem ser prescritos, ainda, tratamentos sequenciais, explorando ao máximo a quimioterapia que apresenta poucos efeitos colaterais. Quando a doença retornar (geralmente retorna depois de alguns anos), aplicam-se outros esquemas de tratamento.

Já os linfomas extremamente agressivos, como o linfoma de Burkitt ou linfoblástico, ocorrem principalmente em pessoas mais jovens, crescem rapidamente e exigem regimes de quimioterapia muito intensos, em altas doses. O tratamento requer, ainda, suporte hospitalar e transfusões de sangue.

Por paradoxal que possa parecer, esses linfomas de alta agressividade são mais facilmente curados do que os de crescimento vagaroso. Para estes, quase nunca se fala em cura. Fala-se em controle. A diferença se explica pelo fato de as células do linfoma agressivo estarem todas proliferando ao mesmo tempo e de a quimioterapia agir melhor sobre elas do que sobre aquelas que se multiplicam lentamente.

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