A hepatice C é transmitida pelo sangue ou materiais contaminados com este. Veja nesta entrevista quais são as principais características da doença.
O fígado, a maior glândula do corpo, possui múltiplas funções, entre elas a produção da bile, substância importante para a digestão das gorduras. Ele se situa abaixo do diafragma, à direita do estômago. Da vesícula biliar, onde a bile é armazenada, sai um canal chamado ducto cístico e do fígado um outro, o ducto hepático. Juntos, eles formam o colédoco que vai desembocar no duodeno. O fígado é uma estrutura extremamente vascularizada, isto é, com muitos vasos e artérias. Para ter uma ideia, observe a figura 1.
As artérias estão representadas em vermelho; as veias, em azul e os canais biliares em verde, o que evidencia o íntimo contato entre as células do fígado e os vasos sanguíneos. Por minuto, passa 1,5 litro de sangue pelo interior desse órgão, o que faz das células hepáticas verdadeiras usinas. Elas transformam e produzem substâncias essenciais para o funcionamento do organismo, eliminam as desnecessárias e inativam as que seriam tóxicas.
Em 1989, o vírus da hepatite C foi descrito pela primeira vez. Os pesquisadores que o descobriram jamais poderiam imaginar, naquele momento, o tamanho do problema que a infecção por esse micro-organismo representava. Há no mundo, atualmente, cerca de 170 milhões de pessoas infectadas por esse vírus; no Brasil, de 1% a 1,5% da população, o que corresponde mais ou menos a 2 milhões, 2,5 milhões de brasileiros infectados. Essa incidência torna a hepatite C – doença para a qual ainda não existem vacinas – um dos maiores problemas de saúde pública em nosso país.
TRANSMISSÃO DO VÍRUS DA HEPATITE C
Drauzio – Como se transmite o vírus da hepatite C?
Luiz Caetano da Silva – De maneira semelhante ao vírus da hepatite B, o vírus da hepatite C é transmitido pelo sangue e seus derivados (o plasma é um exemplo) ou por material contaminado por sangue, como seringas, objetos cortantes, alicates de unha, instrumentos utilizados nas tatuagens etc.
Drauzio – Antes de 1980, quando o teste do sangue doado passou a ser rotineiro, se considerarmos a população brasileira como um todo, o número de receptores de transfusão era pequeno, como era pequeno o número de pessoas que se infectou com o vírus através da aplicação de drogas na veia. O que justifica, então, que aproximadamente 2 milhões de brasileiros sejam portadores do vírus da hepatite C?
Luiz Caetano da Silva – Embora não represente um índice muito elevado, a infecção também é transmitida por via sexual. Calcula-se que de 5% a 7% dos casos ocorram dessa forma, principalmente em pessoas com vários parceiros. Existe ainda a possibilidade de o vírus ser transmitido verticalmente, isto é, da mãe para o filho.
Drauzio – Salões de barbeiro e de cabeleireiro podem representar via importante de transmissão?
Luiz Caetano da Silva – É muito complicado culpar esses serviços profissionais pela transmissão do vírus da hepatite. Teoricamente, a possibilidade existe desde que o material não seja convenientemente limpo e esterilizado, uma vez que em pequenas quantidades de sangue o vírus da hepatite C pode ser transmitido.
DESTINO DO VÍRUS DA HEPATITE C NO ORGANISMO
Drauzio – Uma vez adquirido, qual o destino desse vírus no organismo?
Luiz Caetano da Silva — Ele pode produzir doenças em outros órgãos, mas tem predileção especial pelo fígado, onde provoca desde lesões pequenas até cirrose, passando por hepatite aguda, hepatite crônica e chegando ao câncer. Na figura 2, aparece um fígado normal. O tecido hepático é bastante homogêneo. A figura 3 mostra um órgão bem inflamado e evoluindo para um quadro de cirrose. Pode-se notar que já existe a formação de tecido fibrótico, isto é, de cicatrizes que dividem essa parte rosadinha e ainda saudável, formando ilhas no tecido hepático.
Drauzio – Na figura 4 aparece um fígado cirrótico, que diminuiu de tamanho por causa da doença. Como o vírus dispara esse processo? Quais são os sintomas apresentados quando a pessoa é infectada?
Luiz Caetano da Silva – O indivíduo pode não apresentar sintoma nenhum quando é infectado pelo vírus da hepatite C. Isso, inclusive, deixa os pacientes espantados ao saber que têm uma doença crônica e antiga no fígado. Alguns, raramente, podem apresentar uma patologia aguda inicial chamada hepatite aguda, que provoca náuseas, vômitos, icterícia, enfim, um quadro bastante característico da enfermidade.
Drauzio – A maior parte não sente nada?
Luiz Caetano da Silva – Às vezes, recebemos doentes com cirrose hepática que nunca manifestaram sintoma algum no passado. Por isso, costumo dizer que o fígado sofre calado.
CARACTERÍSTICAS DA CIRROSE
Drauzio – Qual é a diferença entre a cirrose provocada por vírus e a provocada pelo álcool?
Luiz Caetano da Silva – Ambas provocam os mesmos problemas. A cirrose é resultado de uma doença que pode ter uma causa só, o álcool ou o vírus, ou causas associadas. Quando existe uma associação do vírus com o álcool, por exemplo, ela se manifesta mais cedo, por volta dos 30 ou 40 anos de idade. Quando resulta da infecção pelo vírus apenas, a doença costuma aparecer depois dos 50 anos, mas esse é um dado de importância relativa.
Drauzio – Que problemas provoca o fígado cirrótico?
Luiz Caetano da Silva – O fígado acometido pela cirrose começa a falhar nas suas funções. Surge insuficiência hepática e diminui a produção de proteínas no organismo, substâncias que seguram a água do interior dos vasos dentro da circulação das veias e artérias. Quando a água começa a escapar, surge inchaço nas pernas, barriga d´água (ascite), etc. Outras vezes, a cirrose é responsável por grande produção de tecido fibrótico, isto é, de cicatrizes entre as células hepáticas, e a circulação do sangue no fígado fica alterada. Isso leva a um aumento da pressão nas veias e varizes, que podem sangrar. Se elas se formam no esôfago, em muitos casos podem provocar uma hemorragia fatal.
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Finalmente, existe a possibilidade do aparecimento do câncer de fígado. As células hepáticas que sobrevivem à hepatite crônica causada pelo vírus tendem a compensar as que morreram, e essa grande proliferação pode levar a um crescimento desordenado de tecidos dando origem ao câncer de fígado.
EVOLUÇÃO SURDA DA DOENÇA
Drauzio – Vamos ater-nos às pessoas que foram infectadas pelo vírus da hepatite C. Você diz que a grande maioria não sente nada. Um dia, num exame de sangue, a pessoa descobre que há algo de errado com o fígado. Faz outros exames e verifica que se trata do vírus da hepatite C. É possível saber quem irá evoluir para casos mais graves de cirrose e até para câncer de fígado?
Luiz Caetano da Silva – Vamos começar tratando do check-up, uma avaliação de saúde a que muitas pessoas se submetem todos os anos. É muito comum aparecer nessa ocasião pequenas alterações nas transaminases (TGO, TGP) e numa outra enzima chamada gama GT. Transaminases e gama GT são exames de sangue de rotina pedidos pelos médicos e que custam barato. No entanto, nem sempre se dá a importância que merecem às alterações dessas enzimas hepáticas e deixa-se de pesquisar a existência de vírus, como os das hepatites B e C.
Porque alguns pacientes evoluem para cirrose e outros não, é um problema difícil de explicar. Muitas vezes, há a associação de causas: o vírus da hepatite C associado ao consumo de álcool ou ao vírus B pode provocar uma infecção oculta. Acontece que a própria hepatite C, isoladamente, pode ser causa de cirrose quando o organismo reage contra o vírus destruindo as células dentro das quais se instala. Para dar fim ao vírus, é necessário que ele destrua a célula, numa reação semelhante a que teríamos se bombardeássemos nossa casa para dar fim à invasão de um bandido.
Essa morte contínua de células hepáticas provoca a formação de fibroses, cicatrizes que produzem um quadro de cirrose, doença de evolução lenta. O paciente pode viver muitos anos se a cirrose estiver compensada e ele for convenientemente tratado.
Drauzio – Se a doença não for tratada, quantos pacientes com hepatite C evoluem para cirrose?
Luiz Caetano da Silva – Calcula-se que em torno de 20%. Os outros 80% vão carregar o vírus pela vida afora sem nenhum sintoma. Há, porém, um problema. A cirrose não tratada continua avançando e pode transformar-se em cirrose descompensada com todas as complicações implícitas: barriga-d’água, hemorragia e até câncer de fígado. O certo, portanto, é tratar a hepatite antes do aparecimento de cirrose ou, pelo menos, enquanto ela está compensada.
IMPORTÂNCIA DOS EXAMES LABORATORIAIS
Drauzio – O mais surpreendente é que a hepatite C é uma doença surda e muda que não apresenta os sintomas da hepatite clássica (olhos amarelos, cansaço, febre, icterícia, urina escura) que todos conhecem. Por isso é de crucial importância pedir o exame das transaminases no sangue?
Luiz Caetano da Silva – Todo check-up deve incluir o exame das transaminases, mas é preciso prestar bastante atenção às pequenas alterações que surgirem em seus valores, por menores que sejam. Muitas vezes, elas serão atribuídas ao consumo de álcool, ao excesso de ferro no fígado, mas não se pode descartar a hipótese da presença de vírus e há exames específicos para respaldar o diagnóstico da hepatite C. Eles indicam a presença do antivírus VHC, ou seja, de um anticorpo contra o vírus C.
Drauzio – Um paciente chega no seu consultório e diz: “ Em 1982, sofri um acidente de automóvel e tomei uma transfusão de sangue no hospital. Tempos mais tarde, minhas transaminases mostraram-se um pouquinho elevadas. O médico pediu uma sorologia para hepatite e o resultado foi positivo para hepatite C”. Que conduta você adota nesse caso?
Luiz Caetano da Silva – Primeiro, é necessário pedir um exame de sangue para saber se existem anticorpos contra o vírus C. Se eles estiverem presentes, é sinal de que a pessoa entrou em contato com o vírus, mas não quer dizer que ele esteja ainda na circulação. Para saber se o vírus nela persiste, pede-se o exame PCR (reação em cadeia da polimerase). Resultado positivo nesse exame significa que o vírus está presente no organismo. Nesse caso, serão prescritos novos exames e, às vezes, pede-se uma biópsia de fígado.
Drauzio – Se o resultado do PCR for negativo, isto é, indicar que não há vírus na circulação, o que você faz?
Luiz Caetano da Silva – Peço que o paciente repita periodicamente os exames, porque naquele momento a quantidade de vírus pode ser tão pequena que o exame não consegue detectar sua presença. Assim sendo, esses exames devem ser repetidos pelo menos uma vez por ano ou a cada seis meses preferivelmente, durante três ou quatro anos consecutivos. Quando finalmente fica provado que a pessoa não tem mais o vírus, porque o eliminou espontaneamente, ou que ele existe numa quantidade mínima (o que é pouco provável porque o vírus apresenta alta capacidade de multiplicação), considera-se que o individuo está curado. Isso é mais comum acontecer nas crianças do que nos adultos.
Drauzio – Qual é a porcentagem nos dois casos?
Luiz Caetano da Silva – Quando um adulto adquire o vírus da hepatite C, a probabilidade de não conseguir eliminá-lo, de ficar com o vírus cronicamente é de 80% a 85%. Numa criança varia entre 25% e 50%.
CONCENTRAÇÃO E TIPOS DE VÍRUS DA HEPATITE C
Drauzio – Quando o PCR revela que o vírus está no sangue, qual é o procedimento que se adota?
Luiz Caetano da Silva – Procura-se, então, determinar a carga viral, ou seja, a concentração do vírus no sangue e o tipo de vírus, porque esses dados são relevantes para o tratamento. Hoje se sabe que existem vários subtipos de vírus C. No Brasil, os principais são 1, 2 e 3. Por que saber isso é importante? Porque o genótipo 1 é mais resistente ao tratamento, o 2 é menos resistente e o 3 está num nível intermediário. Na literatura mundial, o 3 é colocado junto com o 2 e ambos são considerados o não-1, mas nós temos constatado que o cirrótico com genótipo 3 é mais resistente ao tratamento do que o cirrótico com genótipo 2.
Drauzio – Maior quantidade de vírus na circulação aumenta a probabilidade de a cirrose evoluir mal?
Luiz Caetano da Silva – Isso não é obrigatório. A evolução indesejável da doença não depende só da carga de vírus. Depende também de outros fatores como a reação do organismo à infecção pelo vírus ou à associação ao álcool ou a outras drogas. Há, portanto, vários fatores que interferem na progressão da doença. Parece, ainda, que quanto mais jovem o indivíduo for infectado, menor a probabilidade de evoluir para um quadro grave, ao passo que o inverso se dá com os mais idosos.
TRANSMISSÃO MATERNO-FETAL
Drauzio – Como se dá a transmissão materno-fetal?
Luiz Caetano da Silva – Sabe-se que a criança pode receber o vírus da mãe, mas não se conhece bem o mecanismo de transmissão. Parece que se trata de transmissão perinatal, isto é, durante o parto, e que a tendência é evoluir para uma forma crônica, porque as defesas do organismo são muito precárias nessa fase inicial da vida. Para fazer o diagnóstico na criança, é preciso cuidado, porque o anticorpo contra o vírus C encontrado no recém-nascido, e durante um ano, mais ou menos, pode ser o anticorpo produzido pela mãe e não o da criança. Então, não adianta fazer o exame de antiVHC nessa faixa etária, porque pode dar um falso positivo em relação ao filho. No entanto, vale a pena fazer o PCR, um exame que pesquisa diretamente a presença do vírus no sangue da criança.
Drauzio – Mulheres com hepatite C podem dar à luz por parto normal ou devem fazer cesariana? E amamentar, elas podem?
Luiz Caetano da Silva – Não há nada estipulado para a forma de parto escolhida. Pode ser parto normal. Não há necessidade de fazer cesariana e a criança pode ser amamentada normalmente pela mãe. Não existe nenhum indício de que a transmissão ocorra nessas condições. Já não mais se discute que, entre 5% e 7% dos casos, o vírus pode passar da mãe para o filho e que a transmissão é maior, quando a carga viral materna é alta ou a mãe também é portadora do vírus HIV.
TRANSMISSÃO POR VIA SEXUAL
Drauzio – E em relação à transmissão por via sexual, o que se pode dizer?
Luiz Caetano da Silva – A transmissão sexual também é pouco frequente. Calcula-se que nos casais monogâmicos que mantenham relações sexuais só entre si, a frequência do contágio não ultrapassa 5%. Mesmo assim, aconselha-se que o outro cônjuge faça os exames, se um deles estiver infectado. A possibilidade de transmissão aumenta, porém, quando estão envolvidos vários parceiros ou pessoas com doenças sexualmente transmissíveis, principalmente as portadoras do HIV.
Drauzio – No caso de um casal em que apenas um dos cônjuges esteja infectado, você recomenda o uso do preservativo?
Luiz Caetano da Silva – Não é obrigatório, como nos casos do HIV ou da infecção pelo vírus da hepatite B. Alguns casais preferem usá-los. Entretanto, depois de muito tempo vivendo juntos, se um deles continua com o exame negativo, é sinal de que dificilmente irá contrair a doença.
Drauzio – Os homossexuais correm risco maior?
Luiz Caetano da Silva – Não só os homossexuais, mas todos aqueles que têm relações sexuais traumatizantes. A possibilidade de contágio aumenta se houver sangramento no pênis, na vagina ou no ânus e quando a mulher está menstruada.
TRANSMISSÃO PELOS USUÁRIOS DE DROGAS
Drauzio – Fizemos um trabalho na Casa de Detenção de São Paulo em 1990, quando o consumo de cocaína injetável era alto e encontramos 17,3% dos presos infectados pelo HIV e 60% infectados pelo vírus da hepatite C. Isso prova que a transmissão do vírus C entre usuários de droga é grande.
Luiz Caetano da Silva – É muito alta. Calcula-se que, no primeiro ano de uso de droga injetável, a transmissão do vírus C ocorra em torno de 50% a 80% dos usuários. Com dois ou três anos de uso, praticamente todos eles estarão infectados. O quadro se agrava quando se associam o vírus C e o HIV, porque fica mais complicado tratar esses pacientes. Por isso tudo, o uso de droga injetável tem de ser combatido, uma vez que a hepatite C é um enorme problema de saúde pública.
Drauzio – Sua experiência pessoal mostra que a transmissão do vírus da hepatite C continua aumentando ou diminuiu um pouco?
Luiz Caetano da Silva — Acredito que tenha diminuído. O que se observa na clínica é que a imensa maioria dos pacientes pegaram hepatite antes de 1992, quando a análise do sangue doado se tornou obrigatória. Antes disso, quem tomou transfusões, recebeu derivados de sangue para tratamento de hemofilia ou de leucemia, fez diálise e os usuários de drogas injetáveis pertencem ao grupo de risco e devem fazer os exames de pesquisa de vírus, principalmente o da hepatite C.
TRATAMENTO DA HEPATITE C
Drauzio – Como é o tratamento da hepatite C? Quais são os casos que exigem tratamento e quais o dispensam?
Luiz Caetano da Silva – A decisão quem dá é a biópsia hepática que, infelizmente, precisa ser feita na grande maioria dos casos.
Drauzio – Como é feita a biópsia?
Luiz Caetano da Silva – A biópsia é feita num pequeno fragmento do fígado, colhido por meio de uma agulha especial, procedimento visualizado no aparelho de ultrassom. É como se fosse uma injeção, uma anestesia para dentes. Em geral, a pessoa é sedada um pouco para evitar que sinta dor no local da injeção, dor que pode irradiar-se para o ombro, pois o fígado fica perto do diafragma, onde existem muitos nervos. O risco da biópsia é mínimo, desde que a pessoa tenha coagulação sanguínea normal. Por isso, é fundamental fazer antes um estudo da capacidade de coagulação do sangue por meio de testes apropriados. Retirado o fragmento, ele segue para ser examinado no microscópio.
Infelizmente, nem mesmo os mais sofisticados aparelhos de imagem, como o ultrassom, a tomografia e a ressonância magnética, conseguiram substituir o microscópio em certas análises delicadas. Cabe ao patologista dizer se a doença é leve, característica de um fígado reacional com alterações mínimas, ou se é uma hepatite crônica que exige tratamento. Quando o paciente se recusa a fazer a biópsia ou não pode fazê-la por algum problema na coagulação do sangue, nós devemos nos prender aos resultados das transaminases, pois TGO e TGP alteradas são sinais sugestivos de que existe uma inflamação crônica no fígado que requer tratamento.
Drauzio – Qual é o tratamento indicado para esses casos?
Luiz Caetano da Silva – O tratamento clássico é feito com interferon comum, produzido pela técnica recombinante. É um produto isento de qualquer contaminação e que não vem do sangue. A dose habitual consiste na aplicação subcutânea de 3 milhões de unidades de interferon, três vezes por semana, associado a uma droga por via oral que se chama ribaveriva. Se o vírus for do genótipo 1, o mais resistente, o tratamento dura um ano; se for do genótipo não-1, dura seis meses.
No genótipo 1, a possibilidade de eliminar totalmente o vírus gira em torno de 30% com esse tratamento. Nos genótipos 2 e 3, a chance aumenta para 60% ou 70%, desde que não haja cirrose instalada. Com cirrose, a porcentagem cai para 50% mais ou menos.
REAÇÃO AO TRATAMENTO
Drauzio – Como as pessoas reagem ao tratamento?
Luiz Caetano da Silva – No começo, principalmente nas primeiras injeções, os sintomas mais comuns são semelhantes aos de uma gripe forte: dores pelo corpo e febre que são combatidas com paracetamol. Com o passar dos dias, podem ocorrer alterações psicológicas. O indivíduo fica um pouco deprimido, um pouco mais nervoso. O médico precisa ficar atento a esses sintomas porque depressão acentuada tem riscos indesejáveis. Pode ocorrer também uma alteração nos glóbulos brancos e nas plaquetas o que obriga a realização de controles periódicos por meio de hemogramas.
Drauzio – Todos os pacientes suportam o tratamento ou há alguns que não conseguem?
Luiz Caetano da Silva – Há pessoas que não conseguem por causa dos sintomas – depressão, emagrecimento, perda de cabelo, etc. – se bem que eles desapareçam completamente com a interrupção do tratamento. Atualmente, tenta-se facilitar o tratamento com a utilização de um interferon novo, chamado peguilado. Peg é a abreviação de polietileno glicol, uma substância que envolve o interferon e que vai sendo liberada lentamente, como acontece com a insulina de ação lenta, por exemplo. Isso faz com que o tratamento se reduza a uma aplicação semanal, o que é muito melhor para o doente. No entanto, esse medicamento é muito caro o que inviabiliza, muitas vezes, sua utilização. Há, ainda, a possibilidade de aumentar a porcentagem de resposta ao interferon antigo, utilizando o chamado tratamento de indução, um tratamento de ataque que consiste, no primeiro mês, em doses diárias do medicamento no lugar das três aplicações por semana. É um tratamento difícil de suportar, mas que apresenta melhores resultados.
Drauzio – As pessoas têm acesso ao interferon peguilado pela rede pública?
Luiz Caetano da Silva – O acesso é difícil. Atualmente, os pacientes com genótipo 1, aqueles que menos respondem ao tratamento, estão conseguindo com um pouco mais de facilidade, mas ainda não há uma distribuição regular e generalizada pelos órgãos de saúde pública.
Drauzio – Quanto custa o tratamento com o interferon antigo e com o novo?
Luiz Caetano da Silva – Com o antigo, não há mais interesse em saber o preço, porque a Secretaria de Saúde fornece normalmente para qualquer tipo de hepatite. A ribaverina também pode ser conseguida na rede pública. Com o inteferon novo, o tratamento custa caro. Cada ampola custa por volta de mil reais. O paciente toma quatro ampolas por mês e, dependendo do peso corpóreo, um pouco mais.
Drauzio – Como evoluem as pessoas diante da falta ou da interrupção do tratamento, ou ainda aquelas que não conseguem controlar o vírus, porque não respondem ao tratamento?
Luiz Caetano da Silva – Atualmente está demonstrado, inclusive pelas biópsias, que o paciente sempre se beneficia, mesmo quando não responde totalmente ao tratamento. Esse é um dado de suma importância. Embora o doente fique desanimado porque não conseguiu eliminar o vírus, as biópsias mostram que seu fígado melhorou muito em relação ao estado em que se encontrava anteriormente.
Parece, também, nesses casos, que o tratamento induz os casos de evolução da doença para formas mais graves. A pergunta, porém, continua sendo o que fazer com esses doentes. Existem algumas tentativas novas, mas sem resultados conclusivos, a respeito da possibilidade de usar pequenas doses de interferon a longo prazo com o intuito de manter a doença sob controle parcial. Esse plano terapêutico está sendo desenvolvido nos Estados Unidos, utilizando o interferon peguilado durante três ou quatro anos para observar diferenças na evolução da doença se comparada com a de pacientes que não se tratam.
Drauzio – Que parcela representam os pacientes candidatos a um transplante de fígado?
Luiz Caetano da Silva – Representam uma parcela importante. Os grupos de transplante têm verificado que a causa mais frequente das indicações para transplante de fígado é a hepatite C. Isso porque a doença não dá sintomas e, quando eles se manifestam, o doente já está numa fase avançada, com barriga-d’água, icterícia, vomitando sangue. Nesses casos, não há outra indicação a não ser o transplante, mas a lista de espera é muito grande. Na verdade, a hepatite C tornou-se mais comum do que a hepatite B porque para a hepatite C não há vacinas.