A pressão arterial deve ser monitorada cuidadosamente durante a gravidez para evitar problemas graves. Saiba mais nesta entrevista sobre pré-eclâmpsia.
Quando uma mulher espera um filho, imagina que ela é igualzinha à criança que cresce em seu útero. Na verdade, não é bem assim. Quando o bebê nasce, se tirarmos um fragmento de sua pele e enxertarmos na pele da mãe, ela o rejeitará, porque não é geneticamente igual ao filho que concebeu. Metade dos genes da criança foram herdados do pai.
Por isso, o processo da gravidez é complicado: pressupõe o crescimento de um ser geneticamente diferente dentro do útero da mãe que, apesar disso, não o rejeita.
Qual a explicação para ela rejeitar a pele do recém-nascido e não rejeitar o bebê, um organismo estranho que cresce em seu útero? Não o faz, porque existe uma série de mecanismos imunológicos que acontecem no interior do útero feminino com a finalidade de proteger mãe e filho. Esses mecanismos envolvem a placenta, tecido que faz a conexão do feto com a mãe e através da qual há as trocas gasosas e de nutrientes essenciais para o desenvolvimento do feto.
Em alguns casos, porém, essa interação da mãe com a placenta e o feto é desastrosa do ponto de vista imunológico, porque são liberadas proteínas do filho na circulação materna, que provocam uma resposta imunológica da mãe contra os tecidos fetais. Como consequência, muitas vezes a reação imunológica agride as paredes dos vasos sanguíneos, provocando vasoconstrição. Para vencer a resistência dos vasos contraídos, o coração é obrigado a bombear com mais força e a pressão arterial aumenta.
Pressão alta na gravidez, infelizmente, é a principal causa da mortalidade materna.
Veja também: Mitos e verdades sobre a gravidez
PRESSÃO ARTERIAL NA GRAVIDEZ
Drauzio – Considera-se 12 por 8 a pressão ideal para a população como um todo. Qual a pressão ideal para uma mulher grávida?
Marco Aurélio Galleta – Durante a gravidez, a pressão arterial sofre uma pequena queda no primeiro trimestre, que se acentua no segundo trimestre e volta ao normal no terceiro. Apesar disso, o conceito de hipertensão é o mesmo do que fora da gravidez, isto é, 14 por 9. No entanto, ficou estabelecido que durante a gravidez um aumento acima de 3 cm na pressão sistólica, que é a máxima, e acima de 1,5 cm na diastólica, que é a mínima, significa que a paciente está com hipertensão.
Drauzio – Vamos repetir para deixar bem claro. O critério para as pessoas fora da gravidez é considerar hipertensão a pressão máxima acima de 14 e/ou a mínima, acima de 9. Durante a gravidez, uma mulher que tenha normalmente 11 por 7, será considerada hipertensa se a máxima subir para 14 e a mínima alcançar 8,5, porque houve um aumento de 3 cm na máxima e 1,5 cm na mínima.
Marco Aurélio Galleta – É isso mesmo. Infelizmente não se aplica muito esse conceito em todas as gestantes porque, em muitos casos, não se sabe qual é o nível de base da pressão dessa mulher.
Geralmente, ela só nos procura no segundo trimestre da gravidez, quando a pressão já sofreu a queda fisiológica citada. Por isso, aceitam-se 14 por 9 como medidas demarcatórias para diagnosticar a hipertensão. No entanto, é importante ter o cuidado de medir duas vezes a pressão da paciente durante a consulta porque a ansiedade, comum naquele momento, pode comprometer o resultado. Repetindo: considera-se o resultado acima de 14 por 9 em ambas as medidas como indicativo de hipertensão na gravidez.
Drauzio – Por que fisiologicamente a pressão cai no começo da gravidez?
Marco Aurélio Galleta – Existem várias explicações. Uma delas é a progressão da placenta que invade o útero e envia algumas projeções para dentro dele. Disso resulta que parte da irrigação uterina escapa para o embrião reduzindo a pressão local e, pelo mecanismo dos vasos comunicantes, a pressão de todo o corpo acaba baixando também. É como se houvesse um roubo no fluxo de sangue.
Existem outros fatores, no entanto. As prostaglandinas, por exemplo, produzidas durante a gravidez, também fazem cair a pressão.
É muito importante frisar que algumas mulheres têm hipertensão na gravidez sem sentir absolutamente nada. Isso lhes dá uma falsa segurança. A ausência de sintomas funciona como um alvará para não voltarem ao médico, não fazerem dieta, não tomarem os remédios. Esse engano pode provocar, de uma hora para outra, uma complicação nos rins ou um derrame cerebral.
Drauzio – A pressão costuma cair em que momento da gravidez?
Marco Aurélio Galleta – Ela começa a cair durante o segundo trimestre, em geral, no quarto mês de gravidez. Nessa fase, marcada pelo fim das náuseas e o começo da queda da pressão, as pacientes relatam que têm tonturas e não se sentem bem, especialmente quando levantam. Isso é fisiológico e absolutamente normal nesse período da gestação.
HIPERTENSÃO ARTERIAL CRÔNICA, PRÉ-ECLÂMPSIA E ECLÂMPSIA
Drauzio – Qual a magnitude do problema da hipertensão na gravidez?
Marco Aurélio Galleta – No seu conjunto, a hipertensão é a intercorrência clínica mais comum na gravidez. Ela é responsável por 5% a 10% dos distúrbios que ocorrem nesse período, uma incidência relativamente alta que aumenta em alguns grupos específicos. Por exemplo, nas mulheres com mais idade. Pacientes com mais de 35 anos, estão mais sujeitas à hipertensão arterial crônica. Por outro lado, as primigestas e as adolescentes têm mais pré-eclâmpsia.
As duas formas clínicas mais comuns de hipertensão na gravidez são:
- A hipertensão arterial crônica, quer dizer, a mulher já apresentava hipertensão antes de engravidar, continuou hipertensa durante a gestação e continuará depois dela;
- A pré-eclâmpsia, uma forma hipertensiva que só ocorre durante a gravidez. Neste caso, quando a mulher engravida, sua pressão, que era normal, sobe. Terminada a gravidez, porém, o problema desaparece. O risco maior da pré-eclâmpsia é o aparecimento de convulsões. A mulher tem convulsões, porque a pressão sobe muito e, como decorrência, diminui o fluxo de sangue que vai para o cérebro. Essa é a principal causa de morte materna no Brasil atualmente.
A mortalidade materna, no Brasil, é uma das piores do mundo. Tem até piorado nos últimos tempos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no passado 140 mães morriam para cada cem mil crianças nascidas vivas. Em 1996, essa taxa subiu para 220 mães mortas em cem mil nascimentos. Esses índices se aproximam dos da década de 1950 nos Estados Unidos.
Para ter-se uma ideia da magnitude do problema brasileiro, nos países do primeiro mundo, essa taxa está por volta de cinco ou dez mães por 100 mil crianças.
É importante considerar que 75% das mortes por hipertensão na gravidez têm como causas a pré-eclâmpsia e a eclâmpsia, o que é lastimável, haja vista que em especial a eclâmpsia, uma forma grave da pré-eclâmpsia, é uma patologia que pode ser prevenida desde que se consiga atuar precocemente. Em países do primeiro mundo, volto a mencionar, é raro ocorrer uma morte por eclâmpsia. O diagnóstico é feito durante o pré-natal e evita-se a ocorrência da forma mais grave da doença antecipando-se o parto. Não é preciso esperar as 40 semanas de gestação. Diante da iminência de um quadro grave, interrompe-se a gravidez e a mulher está curada, porque a doença desaparece com a retirada da placenta.
MULHERES VULNERÁVEIS À HIPERTENSÃO
Drauzio – Quais as mulheres que estão mais sujeitas a desenvolver pressão alta durante a gravidez?
Marco Aurélio Galleta – A mais sujeita é a primigesta, isto é, a mulher na sua primeira gravidez. Depois devem ser considerados dois extremos reprodutivos da vida: abaixo dos 18 anos e acima dos 35 anos de idade. Além dessas, as mulheres que já estavam com sobrepeso, quando engravidaram, e as que ganharam muito peso durante a gravidez são consideradas pacientes de risco. É importante ainda mencionar que casos de pré-eclâmpsia na família aumentam três vezes a probabilidade de o problema repetir-se em parentes até o segundo grau, embora o risco seja maior nos de primeiro grau. Há, portanto, a influência de fatores genéticos somados a fatores de ordem ambiental.
Drauzio – A classe social também influi?
Marco Aurélio Galleta – Esse é um assunto controverso. Hoje em dia, percebe-se que a classe social não é determinante, mas pode pesar em algumas situações: ganho inadequado de peso, pré-natal insatisfatório, estresse psicossocial, etc. A mulher que não conta com uma estrutura familiar equilibrada, trabalha demais ou vive estressada por algum motivo, corre risco maior de desenvolver pré-eclâmpsia.
Alguns trabalhos evidenciam que certas profissões aumentam em até oito vezes o risco da pré-eclâmpsia. Qual seria essa mulher mais vulnerável? Na faculdade de medicina, brinca-se que são as médicas. Trabalham demais, não dormem bem, estão sempre estressadas e pressionadas para resolver problemas. Encaixam-se nessa classificação também as executivas, as profissionais liberais, as trabalhadoras braçais e as mulheres solteiras. Estas últimas apresentam um fato interessante a respeito do qual defendi minha tese de doutorado: a pré-eclâmpsia em adolescentes solteiras. Durante toda a gravidez, a mulher solteira, que não conta com suporte familiar adequado, acaba se envolvendo em grandes preocupações responsáveis pela elevação da pressão arterial o que prejudica a gravidez.
RELAÇÃO ENTRE PRESSÃO ALTA E PRÉ-ECLÂMPSIA
Drauzio – Vamos estabelecer a relação da pressão alta com a pré-eclâmpsia?
Marco Aurélio Galleta – A pré-eclâmpsia se caracteriza pelo surgimento de pressão alta durante a gravidez e é restrita ao período de gestação. A mulher também fica edemaciada (inchada) e apresenta sinais de perda de proteína na urina (nesse caso, a urina faz mais espuma). Esse aparecimento de proteína ocorre um pouco mais tardiamente, mais para o final da doença.
Esse quadro só se manifesta durante a gravidez, após o quarto ou quinto mês. Geralmente, a grande maioria dos casos de eclâmpsia e pré-eclâmpsia ocorre no oitavo ou nono mês. Por isso, é importante que a mulher saiba que não existe alta do pré-natal.
Infelizmente, algumas acreditam que por estarem no final da gestação não precisam mais voltar ao médico. Estão enganadas. É no último mês que o risco dessas doenças aumenta e, portanto, é o período em que elas mais necessitam de acompanhamento médico.
Por que razão a pré-eclâmpsia ocorre durante a gravidez é um mistério. Sabe-se que a existência da placenta é obrigatória e que não precisa existir o feto. Na verdade, alguns tumores placentários provocam pré-eclâmpsia sem que haja feto.
ECLÂMPSIA: CARACTERÍSTICAS E SINTOMAS
Drauzio – Se a pré-eclâmpsia pode ocorrer nos casos de tumores placentários, de gravidez intrauterina e extrauterina, provavelmente está diretamente relacionada com a placenta, não é?
Marco Aurélio Galleta – Eclâmpsia é uma palavra que vem do grego e quer dizer convulsão. Hipócrates foi o primeiro a descrevê-la, e o fez muito bem. Portanto, é uma doença conhecida há muito tempo, antes mesmo de se conhecer a hipertensão.
O inchaço pode ser anterior à elevação da pressão arterial. A mulher começa a ganhar mais peso, suas pernas incham e só depois a pressão sobe. Aí está a importância de fazer o pré-natal. O médico irá avaliar se o inchaço é um edema normal da gravidez ou é patológico e irá pedir retornos mais frequentes para acompanhar o caso mais de perto.
Drauzio – E a mulher deve estar atenta a que sintomas durante a gravidez?
Marco Aurélio Galleta – Ela precisa relatar ao médico se está inchando e suas preocupações a respeito do fato. Ele provavelmente vai querer acompanhá-la mais de perto. É muito importante frisar que algumas mulheres têm hipertensão na gravidez sem sentir absolutamente nada. Isso lhes dá uma falsa segurança. A ausência de sintomas funciona como um alvará para não voltarem ao médico, não fazerem dieta, não tomarem os remédios. Esse engano pode provocar, de uma hora para outra, uma complicação nos rins ou um derrame cerebral.
Para diagnosticar eclâmpsia é preciso que a paciente com pré-eclâmpsia sofra uma convulsão ou entre diretamente em coma. Está claro que ela deve ter uma história prévia de hipertensão e edema.
Drauzio – Hipertensão normalmente é uma doença silenciosa por muitos anos, não é?
Marco Aurélio Galleta – Exatamente. Na gravidez, podem até aparecer alguns sintomas relacionados, ou não, com a hipertensão. Cabe ao médico identificar a origem e a gravidade desses sintomas. Entretanto, quando a pré-eclâmpsia está evoluindo para a eclâmpsia, a mulher sente dor de cabeça, vista embaralhada e dor de estômago tal qual Hipócrates descreveu muitos séculos atrás.
FUNÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA PLACENTA
Drauzio – Vamos retomar a relação entre pressão alta e placenta.
Marco Aurélio Galleta – A pré-eclâmpsia provavelmente ocorre por causa da placenta, órgão que vai nutrir a criança durante os nove meses de gestação.
O embrião que sai da tuba uterina é implantado no útero. A partir dessa nidação, começa a formar-se um tecido novo, a placenta que vai estabelecer uma ligação sanguínea para possibilitar as trocas gasosas e de nutrientes.
A placenta não é formada nem por tecido fetal nem materno. É uma mistura dos dois. Na verdade, é um enigma em termos imunológicos. Como explicar essa aceitação de um organismo estranho dentro do corpo da mulher? Na figura ao lado, pode-se observar a invasão do útero pelo tecido que vai formar a placenta.
Drauzio – Mais parece um tumor maligno crescendo no útero da mãe, não é?
Marco Aurélio Galleta – Tem muita semelhança com isso, mas não é. Na verdade, a placenta é fundamental para o ovo aderir ao útero, não abortar e desenvolver-se adequadamente. Simultaneamente com o feto, a placenta vai-se formando e crescendo.
O que se sabe é que existem duas fases no desenvolvimento placentário: a primeira onda de invasão que acontece no primeiro trimestre da gravidez e a segunda onda que ocorre no segundo trimestre, período em que cai a pressão. Nesse momento, aumenta bastante a irrigação sanguínea da placenta. Esse é o momento também em que pode acontecer alguma coisa errada: a placenta não cresce como deveria no segundo trimestre e a irrigação sanguínea não é satisfatória.
O interessante é que houve uma época em que a pré-eclâmpsia foi classificada como toxemia gravídica. Achava-se que havia uma substância produzida pelo útero que afetava o corpo todo. Estudos científicos negaram essa hipótese. Atualmente, essa teoria está sendo retomada. Acredita-se que realmente existem substâncias produzidas na placenta que, por causa da deficiência de irrigação, caem na circulação materna, lesam os vasos sanguíneos e fazem surgir a hipertensão. Experiências feitas com soro de mulheres com pré-eclâmpsia, colocado na presença de células endoteliais (células colhidas das camadas mais interna dos vasos) mostram que o soro é tóxico para essas células.
LESÕES VASCULARES E SANGRAMENTOS
Drauzio – É na camada interna dos vasos que acontecem as alterações celulares características da pré-eclâmpsia?
Marco Aurélio Galleta – Exatamente. Lesões no interior do vaso provocarão aumento de pressão e favorecerão a aderência de plaquetas. A circulação, com isso, acabará sendo afetada.
O primeiro [conselho para mulher com pré-eclâmpsia] é repouso e controle assíduo da pressão. Outro cuidado fundamental é prescrever uma dieta hipossódica, isto é, uma dieta com pouco sal. Na maioria das vezes, essas medidas resolvem desde que o quadro seja leve.
Drauzio – Essas mulheres têm mais tendência a sangramentos?
Marco Aurélio Galleta – Elas têm mais tendência a sangramentos e mais tendência a distúrbios de coagulação do sangue. Por causa dessas alterações na coagulação sanguínea, podem formar-se lesões e trombos nos vasos de vários órgãos. Numa segunda etapa, em decorrência desses fatores, a paciente corre o risco de manifestar coagulação intravascular disseminada, uma das complicações graves da pré-eclampsia.
PROTEÍNA NA URINA
Drauzio – Na pré-eclâmpsia, a mulher tem pressão alta, edema e começam a aparecer sinais de proteína na urina. Para verificar essa possibilidade, é que os médicos pedem exame de urina durante a gravidez.
Marco Aurélio Galleta – Embora seja um acometimento tardio, mais para o final da gravidez, sabe-se que, quando o rim é afetado e surgem sinais de proteína na urina, a doença já atingiu um estágio mais avançado.
Determinar a quantidade dessas proteínas permite estimar a gravidade da doença. Se os níveis sobem muito, deve-se avaliar a proposta de interromper a gravidez ou, pelo menos, de internar a paciente porque a lesão nos rins provocada pela pré-eclâmpsia pode acarretar sequelas no futuro. Essa é a razão da obrigatoriedade de realizar exames de urina durante a gravidez.
ECLÂMPSIA E INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ
Drauzio – Qual o critério para distinguir a pré-eclâmpsia da eclâmpsia?
Marco Aurélio Galleta – Para diagnosticar eclâmpsia é preciso que a paciente com pré-eclâmpsia sofra uma convulsão ou entre diretamente em coma. Está claro que ela deve ter uma história prévia de hipertensão e edema.
Quando a mulher chega desacordada ao hospital e toma-se conhecimento de que teve uma convulsão em casa e, ainda, apresenta hipertensão e inchaço, a solução é tirar a criança naquele momento.
Drauzio – A eclâmpsia pode instalar-se com o feto ainda inviável?
Marco Aurélio Galleta – Infelizmente isso acontece. E aí surge um drama muito grande. O risco de morte para essa mãe aumenta bastante com a eclâmpsia. Para a mãe é sempre interessante interromper a gravidez, mas para ao feto nem sempre isso é verdadeiro.
Drauzio –– Os casos mais precoces de eclâmpsia costumam ocorrer com feto de quantas semanas?
Marco Aurélio Galleta – Já nos deparamos com fetos de 20 ou 25 semanas o que os torna inviáveis. São casos em que se tem de escolher entre a mãe e a criança. Nesse momento dramático, o problema é dividido com o marido ou a família. A mulher, em geral, não está em condições de participar da decisão, porque muitas vezes está inconsciente.
Drauzio – Qual é a posição da maioria dos médicos nesse momento?
Marco Aurélio Galleta – A máxima da obstetrícia é que, na dúvida, deve-se optar pela mãe. Essa é uma decisão ética muito difícil de tomar. Por isso, sempre mantemos a família informada.
No Hospital das Clínicas, já aconteceram casos excepcionais em que, conversando com os parentes, optou-se por deixar a gravidez prosseguir, uma vez que a criança era ainda inviável (se nascesse, morreria). Felizmente, passada a convulsão, a pressão arterial da mãe voltou ao normal e a coagulação não se alterou. Em alguns desses casos, conseguimos a sobrevida da mãe e da criança, mas essa é uma situação extrema que precisa do apoio da família para decidir junto com a equipe médica que conduta adotar.
Sabe-se que a cura da pré-eclâmpsia só acontece quando se retira a placenta. Enquanto ela permanecer no organismo materno, a tendência será sempre piorar o estado de saúde da mãe. Pode demorar um dia, dois, uma semana ou duas, mas o quadro deletério não se modificará.
Veja também: Idade materna avançada
RECOMENDAÇÕES PARA PACIENTES COM PRÉ-ECLÂMPSIA
Drauzio – Que cuidados vocês aconselham para uma mulher com pré-eclâmpsia?
Marco Aurélio Galleta – O primeiro é repouso e controle assíduo da pressão. Outro cuidado fundamental é prescrever uma dieta hipossódica, isto é, uma dieta com pouco sal. Na maioria das vezes, essas medidas resolvem desde que o quadro seja leve.
Nos quadros mais graves, quando a pressão mínima atinge ou ultrapassa 11, a mulher precisa ser internada e tomar medicação hipotensora. Deve-se, nesses casos, verificar os níveis de proteína na urina, o tempo de coagulação do sangue, o número de plaquetas, as enzimas hepáticas e se as hemácias dentro do vaso estão sendo lesadas (hemólise microangiopática). Sem a presença desse sinais, pode-se adotar uma conduta mais conservadora, mas constatando-se algum deles é necessário interromper a gravidez, por enquanto o único tratamento efetivo contra a pré-eclâmpsia.
PAPEL DAS VITAMINAS
Drauzio – Não existe nenhuma base científica para que adultos normais e saudáveis, com dieta variada, tomem quantidades enormes de vitaminas. Na gravidez, a situação é um pouquinho diferente. Os médicos receitam ácido fólico, porque previne o aparecimento de defeitos no tubo neural, e aconselham mesmo que as mulheres comecem a tomá-lo antes de engravidar. Fale um pouco desses novos conhecimentos sobre o uso de vitaminas em doentes com pré-eclâmpsia.
Marco Aurélio Galleta – Em geral, se a paciente for bem nutrida, não precisa de vitaminas. Precisa de suplementação de ferro, porque o depósito dessa substância no corpo da mãe vai caindo com o evoluir da gravidez, já que ela o transfere para o feto, à medida que ele demanda maior quantidade desse mineral. Se ela for bem nutrida, como já disse, não vai ficar anêmica durante a gravidez. Depois do parto, por causa do sangramento, e durante a amamentação, isso pode acontecer. Por isso, deve-se prescrever ferro para as gestantes para prevenir possíveis casos de anemia.
Quanto ao ácido fólico, ele deve ser indicado no começo da gravidez. Não existe ainda nenhum estudo definitivo que demonstre se deve ser mantido ou não durante todo o tempo de gestação. O que existe de interessante em termos de pré-eclâmpsia, refere-se à teoria que afirma haver diminuição de sangue no útero. Menor oxigenação pode gerar algum produto que provoca lesões dentro dos vasos. Ainda se pesquisa, mas aparentemente existe alguma relação entre essas lesões e os radicais livres de oxigênio.
Outras pesquisas apontam que as vitaminas C e E, por serem antioxidantes, teriam algum efeito na prevenção da pré-eclâmpsia. No entanto, continua sendo importante evitar a automedicação, pois a alta dosagem dessas vitaminas acaba tendo um efeito deletério e provocando cálculos renais, por exemplo.
De qualquer forma, estamos começando no Hospital das Clínicas, um trabalho em conjunto com o principal centro americano de pesquisa da hipertensão na gravidez. A proposta é ministrar essas vitaminas durante a gravidez em mulheres portadoras de fatores de risco para a pré-eclâmpsia, como a hipertensão crônica ou um episódio passado da doença. Se conseguirmos provar que as vitaminas C e E diminuem o índice de incidência dessa patologia, terá sido dado um grande passo em termos de prevenção da pré-eclâmpsia e da diminuição da mortalidade materna no Brasil.
RISCO DE REINCIDÊNCIA
Drauzio – Que risco corre na geração seguinte uma mulher que já teve pré-eclâmpsia uma vez?
Marco Aurélio Galleta – O risco beira os 30%; portanto. a probabilidade é três vezes maior. Isso não significa que todas as mulheres que tiveram pré-eclâmpsia necessariamente vão repetir o quadro na gravidez seguinte. Significa que elas precisam tomar mais cuidado e procurar um serviço especializado para acompanhar a sua gestação, desde o começo até o nascimento da criança.