Acidentes domésticos | Entrevista

mulher com perna esticada, ferida

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Publicado em: 30 de agosto de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Prevenir esses acidentes deve ser preocupação de todos nós a todo momento. Muitos deles seriam evitados com medidas simples e um pouco mais de atenção. Veja entrevista sobre acidentes domésticos.

 

Parte substancial dos traumatismos ocorre dentro de casa. A pessoa encosta o braço na frigideira quente ou no ferro de passar, joga carne na panela, a gordura pula e atinge a mão de quem está cozinhando. Nesses casos, em geral, as lesões são pequenas e saram sozinhas. No entanto, queimaduras mais extensas e graves também acontecem e são comuns em crianças que se aproximam do fogão, tocam nos cabos das panelas e viram o conteúdo – leite, molho, água fervendo – sobre o próprio corpo.

Lesões com sangramento provocadas por objetos afiados e quedas também ocorrem com certa frequência dentro de casa e, não raro, notícias sobre mordeduras de cachorro e afogamentos ocupam espaço no noticiário da imprensa.

Prevenir esses acidentes deve ser preocupação de todos nós a todo momento. Muitos deles seriam evitados com medidas simples e um pouco mais de atenção.

 

DEFINIÇÃO E FREQUÊNCIA

 

Drauzio – Como pode ser definido o acidente doméstico?

Dario Birolini – Gostaria de começar minha resposta questionando o emprego da palavra acidente nesse contexto. Acidente implica a ideia de fatalidade, de alguma coisa inevitável. No entanto, na imensa maioria das vezes, tanto os acidentes ditos domésticos como os que ocorrem fora de casa não têm nada de acidental. São provenientes de situações que poderiam ter sido evitadas. Por isso, melhor seria usar o termo genérico — trauma –, ou específico – queimadura, queda, afogamento — e esquecer a palavra acidente nesses casos.

 

Drauzio – Quais seriam, então, os traumas domésticos mais frequentes?

Dario Birolini – Embora não possua números definidos a respeito, com certeza, os traumas domésticos variam de acordo com a faixa etária. As causas mais comuns e mais graves são sufocação nos primeiros anos de vida e quedas nas pessoas mais velhas.

De modo geral, por alguma razão, a criança acaba morrendo sufocada por cobertores, lençóis ou por estar em posição inadequada. Já nas faixas de idade mais avançadas, as quedas são a causa mais comum de morte por traumas. Quedas que ocorrem em escadas se a residência foi construída e/ou arrumada sem levar em conta alguns aspectos básicos de prevenção e segurança. Entretanto, elas podem ocorrer em qualquer faixa de idade. Por exemplo, traumatismos provocados por quedas são comuns em crianças que sobem na laje da casa para empinar papagaio.

Outros traumas domésticos que costumam ocorrer com certa freqüência são os afogamentos em piscinas, rios e represas, as queimaduras e as mordidas de animais.

 

TRAUMA COM SANGRAMENTO

 

Drauzio – Traumas com sangramento são comuns em casa e, geralmente, são provocados por desatenção da pessoa ao executar tarefas domésticas. Quais são as medidas que devem ser tomadas de imediato quando ocorre um trauma com sangramento?

Dario Birolini – Um dos ensinamentos que a vida me proporcionou no atendimento de emergência é que a primeira preocupação de todos nós deve ser não agravar a situação do paciente com medidas inadequadas. Portanto, em cortes, queimaduras ou outros tipos de traumas, na medida do possível, deve-se evitar o uso de produtos químicos ou de soluções caseiras.

Não existe sangramento, em lugar nenhum do corpo, que não estanque com a simples compressão do local em que está ocorrendo a hemorragia. Tanto faz que o sangramento seja no pé, na mão ou na cabeça. Se a pessoa pegar um paninho limpo e exercer um certo grau de pressão sobre a ferida, pára de sangrar. O que não pode é desesperar-se, fazer garroteamento ou colocar qualquer substância em cima. Sangrou, põe um paninho limpo sobre o ferimento e aperta. Se for um corte de menores proporções, em três ou quatro minutos, terá parado de sangrar e acabou o problema. No entanto, se a lesão for maior e o sangramento mais intenso, a vítima deve ser levada ao hospital para ser atendida por profissionais da saúde, que cuidarão não apenas do ferimento, mas tomarão outras providências, como saber se o paciente foi vacinado, se precisa de antibiótico ou deve ser encaminhado para o serviço de cirurgia. Às vezes, mesmo um corte pequeno pode necessitar de procedimento cirúrgico, mas esse é um julgamento que cabe ao profissional de saúde dentro do hospital.

 

MORDEDURAS DE CACHORRO

 

Drauzio – O que se deve fazer no caso de mordedura de cachorro?

Dario Birolini – Esse é um problema muito crítico e que pode revestir-se de uma série de peculiaridades. Vamos imaginar que a mordida de um cachorro tenha provocado uma lesão traumática muito grande numa criança, porque arrancou um pedaço de pele, de músculo ou machucou a articulação, por exemplo. Obviamente, nessas condições, o tratamento só pode ser feito em regime hospitalar. Entretanto, como está implícito que a mordedura de qualquer animal, inclusive de humanos, pode provocar infecções que se alastram, porque na boca de todos eles existem várias bactérias, minha sugestão é que se recorra ao serviço de emergência, mesmo que o ferimento seja pequeno. Não é raro, dias depois do trauma, a criança ou o adulto aparecerem com infecção das partes moles (pele, músculo) muito extensa. Além disso, ao morder, animais também podem transmitir vírus, como o da raiva, e isso requer cuidados especiais.

 

Drauzio – As pessoas devem procurar atendimento médico mesmo que as mordeduras sejam pequenas e não haja sangramento?

Dario Birolini – Sangramento não é o que causa preocupação maior nas mordeduras. O problema é a infecção que se manifesta dias depois. Por isso, insisto em que a pessoa procure um médico para orientar as medidas que devem ser tomadas quando for mordida por algum animal.

 

QUEIMADURAS E CHOQUES ELÉTRICOS

 

Drauzio – Um dos traumas mais frequentes em casa são as queimaduras e as pessoas se valem de medidas estranhas para aliviar a dor: esfregam manteiga, põem pó de café, passam o cabelo no local queimado. O que é certo fazer nesses casos?

Dario Birolini – Não se deve pôr absolutamente nada sobre a queimadura, nem mesmo uma substância química vendida nas farmácias e promovida pelos laboratórios, na imprensa. Se a lesão for superficial, a única coisa a fazer é proteger o local, a fim de evitar que uma batida ou escoriação possa causar dor, só por causa disso.

Nas queimaduras mais extensas, o procedimento deve ser exatamente o mesmo. Sem aplicar qualquer produto químico, farmacológico ou caseiro, deve-se cobrir a área com um pano limpo, sem apertar. Ele servirá, apenas, para proteger o local da dor que outros ferimentos possam provocar.

No entanto, o limite entre o ferimento banal e o grave, às vezes, é difícil de estabelecer. Na dúvida, – posso estar sendo repetitivo – é preciso sempre ouvir um profissional de saúde.

 

Drauzio – Na hora, é bom colocar água fria ou gelo na lesão provocada pela queimadura?

Dario Birolini – Pode colocar água fria. O melhor a fazer, porém, é proteger o local e aguardar. Em 99% das vezes, a santa natureza dá conta do recado, desde que ninguém atrapalhe. Se a pessoa acrescentar à agressão do calor agressões de substâncias químicas ou dos produtos que você mencionou, na verdade, em vez de ajudar, estará agravando a situação.

 

Drauzio –  Existe algum outro tipo de trauma que você gostaria de mencionar?

Dario Birolini — Outro problema que não mencionamos até agora, mas que vale a pena fazê-lo, são as queimaduras provocadas por eletricidade que particularmente ocorrem mais em crianças, ainda que os adultos não estejam livres delas. O último caso que vi no Hospital das Clínicas (SP) foi o de um senhor que subiu no telhado para consertar uma antena de televisão, tocou num fio descoberto, levou um choque e despencou lá de cima.

 

QUEDAS

 

Drauzio – Você falou que as quedas são mais freqüentes nas pessoas de idade que podem tropeçar num tapete ou escorregar e cair. Como se avalia a gravidade de uma queda?

Dario Birolini – Essa é uma pergunta muito difícil de responder, porque uma das características da doença trauma é que não obedece a nenhum padrão definido. É diferente da apendicite, por exemplo, que apresenta uma sequência de sintomas no decorrer de horas ou dias. Nos traumas, é preciso considerar que, segundos antes, a pessoa estava absolutamente normal e, de repente, escorregou, caiu e bateu a cabeça. Como agir nessas situações? Em primeiro lugar e talvez o mais importante, é verificar se a pessoa está lúcida, se não perdeu a consciência, ainda que temporariamente. Se permaneceu consciente, ela dará informações sobre o que lhe dói e como se sente, informações que orientarão a conduta. Se não se queixar de nada muito definido e conseguir mexer as pernas e os braços, aguarda-se um pouco para ver como evolui o caso. Agora, se perdeu os sentidos, ainda que os recupere depois, especialmente se tiver mais idade, é  imprescindível que seja levada a um serviço médico de emergência para avaliação. O atendimento dispensado nos primeiros minutos depois da queda pode ser crucial no sentido de evitar que ocorram lesões mais graves no futuro.

 

Drauzio – Por que levar a um serviço de emergência é importante até quando a pessoa recuperou a consciência logo depois da queda?

Dario Birolini – O período de inconsciência, mesmo que passageiro, pode ser indício de um problema grave que irá ocorrer alguns minutos ou horas depois e que poderia ser evitado se a pessoa fosse atendida a tempo. Sem querer ser alarmista, ela morrer se não for levada a um serviço médico de emergência para avaliar seu estado geral depois da queda.

 

Drauzio – Que lesões pode apresentar a pessoa lúcida e consciente que sofreu uma queda?

Dario Birolini – Basicamente, a pessoa pode apresentar lesão em um membro (caiu, bateu a mão, o braço ou a perna e quebrou um osso, por exemplo). Estando lúcida e consciente, ela informará o que está sentindo (dor quando mexe a perna ou o braço pode ser sinal de fratura). Lesões que provocam dores internas no abdômen ou no tórax são mais difíceis de diagnosticar e exigem a realização de exames específicos. Dependendo da situação e dos sintomas, a pessoa deve ser encaminhada ao pronto-socorro para atendimento de emergência.

 

Drauzio – No caso de traumas na cabeça, sem perda da lucidez e da consciência nas horas subsequentes, quais os sinais indicativos de que a pessoa deve ser levada imediatamente ao pronto-socorro?

Dario Birolini – A manifestação mais importante é sempre o estado de consciência. Se ficar sonolenta ou apresentar uma quebra no nível da consciência geral, a pessoa precisa ser encaminhada, o quanto antes, a um serviço de emergência.

Outras manifestações são muito difíceis para o leigo avaliar. Dizer se as pupilas estão iguais ou não e se respondem ao estímulo luminoso requer treinamento profissional adequado. Por isso, volto a insistir: na dúvida, um médico deve avaliar o caso, especialmente se pessoa tiver muita idade.

 

PREVENÇÃO

 

Drauzio – Você disse que é contra o termo acidente nesse contexto, porque dá idéia de um acontecimento inevitável e imprevisível e que, na grande maioria, os traumas ocorridos dentro de casa poderiam ser evitados. Quais são as medidas práticas para evitar os traumas domésticos e quais as pessoas que os apresentam com mais frequência?

Dario Birolini – Não existe uma fórmula única para prevenir os vários tipos de trauma ou lesões de causa externa dentro de casa.Todos conhecemos crianças que parecem mais propensas a apresentar problemas dessa natureza. Por isso, criança pequena que não tem consciência dos riscos que corre precisa obedecer a certas regras. Por exemplo, não pode entrar na cozinha e está proibida de aproximar-se do fogão; não deve subir em escadas para apanhar um objeto guardado numa gaveta mais alta. Além disso, não pode ficar sozinha quando estiver brincando na piscina, num rio ou no mar. Tem de ter sempre alguém por perto, vigiando.

Como não existe vacina antitraumática, a solução é conscientizar as pessoas sobre o que lhes pode acontecer. A idéia de prevenção de traumas tem que estar presente na cabeça dos pais e ser transmitida aos filhos de forma genérica. No passado, era comum as crianças agarrarem-se na borda do tanque de lavar roupa, que não estava bem preso e caía sobre seu tórax ou abdômen, causando lesões graves. Hoje, tanque solto é coisa rara. Assim como fizeram com os tanques, os adultos têm de proteger os fios elétricos com material isolante, manter as crianças longe das cozinhas, evitar seu acesso à piscina, mar ou represas sem companhia e tomar cuidado com objetos que possam causar sufocação.

É uma questão de postura. Não existe uma orientação única sobre como prevenir os traumas domésticos, mas se cada um de nós pensar um pouquinho vai descobrir muitas maneiras de evitá-los dentro da própria casa.

 

Drauzio – De postura e de disciplina. A pessoa precisa pensar que, qualquer descuido é o suficiente para que os traumas domésticos ocorram.

Dario Birolini – Podem ocorrer para qualquer um, a qualquer momento. Por isso, é preciso não descuidar das medidas de prevenção que devem ser implementadas dentro da própria casa.

 

Drauzio – É comum as pessoas abrirem uma gaveta e largarem aberta ou espalhar objetos pelo caminho sem pensar que alguém podem trombar com eles e machucar-se.

Dario Birolini – Ou, então, usar produtos de limpeza ou tapetes que aumentam o risco de escorregões e quedas. Portanto, prevenir lesões dentro do ambiente doméstico vai desde o planejamento da residência até a programação da rotina da vida diária.

 

Drauzio – Quando era interno no Hospital das Clínicas, estava suturando um ferimento numa senhora que havia cortado a perna com uma faca, quando um dos médicos mais antigos do pronto-socorro notou a existência de várias cicatrizes. Questionada a respeito, ela respondeu que se cortava muito com a faca. O médico lhe perguntou, então, se já havia experimentado olhar com atenção para o que estava quando mexia com a faca. Um cuidado simples, primário como esse, muitas vezes, não é levado a sério. Quando a pessoa deve adquirir a consciência de que prestar atenção no que está fazendo é fundamental para sua segurança?

Dario Birolini – Acho que isso deve ser ensinado desde os primeiros anos de vida, quando a criança começa a interagir com o mundo. É uma questão de postura dos pais. Da mesma forma que eles ensinam como selecionar os alimentos e o que pode ou não fazer, devem alertá-la no sentido de que é possível prevenir certos traumas. Brincar com o gatinho pode, desde que tome cuidado; subir em escadas altas não deve, porque pode cair e machucar-se são recomendações simples, porém essenciais para a segurança dos filhos.

Particularmente, quando há várias crianças reunidas, uma delas pode adotar uma atitude agressiva que não é intencional, mas favorece a ocorrência de algum tipo de lesão. Por isso, acho que a prevenção de traumas tem de ser ensinada nas escolas e não apenas em casa. Se considerarmos que a doença trauma empata com o câncer como segunda causa de mortalidade no país, conscientizar a criança do problema e oferecer-lhe treinamento nas escolas é uma forma de ensiná-las a cuidar da própria vida.

 

Veja também: Como aumentar a segurança da casa contra queda de idosos

 

CUIDADOS NA VELHICE

 

Drauzio – As pessoas estão vivendo mais. Que cuidados devem ser tomados nas casas onde moram idosos?

Dario Birolini – Pela experiência que tem, o idoso sabe que não pode enfiar o dedo na tomada elétrica nem lidar com facas afiadas sem prestar atenção. Entretanto, ele está mais propenso a sofrer traumatismos provocados por quedas e, muitas vezes, cai porque vive num ambiente inadequado: escadas sem corrimão, banheiros sem barras de apoio, tapetes soltos, chão encerado, ausência de instrumentos que permitam deambulação segura dentro de casa. Algumas modificações no espaço em que o idoso vive são essenciais para adaptá-lo às necessidades das pessoas mais velhas e evitar acidentes.

 

Drauzio – Nos países desenvolvidos, a preocupação em adaptar os ambientes visando à maior segurança aos idosos prevê que as tomadas elétricas sejam colocadas mais alto para evitar que se abaixem e não haja quinas em que possam bater.

Dario Birolini – Não podemos esquecer que, cada vez mais, no planeta Terra, existe a variedade senescente do Homo sapiens que, por viver mais, está se transformando num desafio para todas as áreas do conhecimento: medicina, engenharia, arquitetura, etc.

 

RECOMENDAÇÕES AOS PAIS

 

Drauzio – Que outras recomendações você faria para os interessados em prevenir acidentes dentro de casa?

Dario Birolini – Queria alertar particularmente os pais de crianças pequenas a respeito de duas situações. Primeira: criança é curiosa, quer sentir o sabor das coisas e pode ingerir produtos tóxicos, medicamentosos ou não, se estiverem guardados em lugares de acesso fácil. São relativamente comuns os casos de crianças que, por terem bebido soda ou outro ácido qualquer, tiveram queimaduras internas graves que determinaram mudanças importantes em suas vidas.

Outro cuidado fundamental: armas têm de ficar fora do alcance da criança que pode não resistir ao ímpeto de ver como funcionam. Portanto, os pais precisam ficar atentos e tomar providências enérgicas para minimizar a possibilidade de que coisas como essas aconteçam dentro de suas casas.

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