Fadiga crônica existe

homem sentado à frente do computador, com cabeça apoiada na mão em sinal de cansaço causado pela síndrome da fadiga crônica (EM/SFC)

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Publicado em: 2 de abril de 2024

Revisado em: 2 de abril de 2024

Pesquisadores começam a esclarecer as dúvidas acerca da síndrome da fadiga crônica (EM/SFC). Leia no artigo do dr. Drauzio.

 

Nos anos 1980, foram descritos casos de pacientes que se queixavam de fadiga física e mental em níveis incapacitantes. Apresentavam, no entanto, exames clínicos e laboratoriais e imagens dentro da faixa de normalidade.

A tendência dos médicos, diante daquele cansaço crônico sem justificativa palpável, era a de encaminhar os pacientes para atendimento psiquiátrico. Desanimados com aquela pessoa sempre exausta, indisposta para executar tarefas mínimas, os familiares e amigos não tinham dúvida: “Deve ser psicológico” era a frase mais empregada pelos ignorantes para explicar o que desconhecem.

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Em 2015, o Institute of Medicine publicou um relatório no qual afirmava: “A comunidade da área da saúde geralmente duvida da existência e da gravidade dessa doença”.

Nos Estados Unidos, o Center for Diseases Control (CDC) deu o nome de síndrome da fadiga crônica ao conjunto de sintomas envolvidos nesse quadro. No Reino Unido e em outros países, o termo escolhido foi o de encefalomielite miálgica (usaremos EM/SFC).

Segundo o CDC, essa síndrome é caracterizada por:

1) Diminuição da habilidade para executar atividades cotidianas, por mais de seis meses, acompanhada de fadiga grave que não melhora com o repouso;

2)  Resposta exagerada e debilitante às atividades físicas e mentais;

3) Sono não reparador ou alterado.

Para receber o diagnóstico, deve haver ainda comprometimento da memória e da articulação do pensamento, além de intolerância a manter a posição ortostática. Podem estar presentes também cefaleia, dores musculares e fôlego curto.

A pandemia de covid-19 aumentou o interesse pela síndrome. Nos doentes diagnosticados com covid longa, cerca de 50% evoluem com sintomas compatíveis com ME/SFC.

Em uma demonstração de que é melhor tarde do que nunca, os National Institutes of Health (NIH) finalmente patrocinaram um estudo para padronizar o diagnóstico e estudar a fisiopatologia da síndrome.

Uma equipe multidisciplinar de cinco especialistas foi recrutada para avaliar um grupo de pacientes com quadros clínicos compatíveis com fadiga crônica, instalada depois de processos infecciosos.

Foram selecionados 17 pacientes com histórico e sintomas muito sugestivos de EM/SFC, para realizar uma bateria de exames clínicos, laboratoriais e de imagem. Na comparação com um grupo de pessoas saudáveis (controle), os resultados revelaram as seguintes diferenças:

1) Diferenças nas subpopulações de células imunologicamente competentes envolvidas na resposta a agentes infecciosos;

2) Menor diversidade na composição do microbioma intestinal;

3) Concentrações mais baixas do neurotransmissor serotonina, no líquor, associadas à piora da performance motora e aos sintomas cognitivos;

4) Frequência cardíaca elevada no repouso e queda na frequência durante as atividades ambulatoriais;

5) Num teste com manobras para apertar botões, de modo a receber recompensa financeira, os pacientes escolheram as que exigiam menos esforço mental:

6) Força reduzida nas mãos, no teste de compressão de uma mola.

Os autores atribuíram a fadiga à disfunção integrativa de áreas cerebrais que controlam o córtex motor, encarregado da coordenação dos movimentos. Portanto, segundo eles, “transtornos psiquiátricos não são o componente principal nem responsáveis pela intensidade dos sintomas”.

Baseados nesses achados, os pesquisadores concluíram que uma infecção provocaria alterações duradouras no sistema imunológico e no microbioma intestinal, causadas pela persistência do agente infeccioso no organismo.

Como consequência, o cérebro seria afetado numa cascata de eventos que levariam à diminuição da concentração de neurotransmissores no líquor, capaz de explicar as alterações da frequência cardíaca e da capacidade cardiopulmonar.

EM/SFC pode ser uma doença altamente incapacitante. Perto de 25% dos pacientes têm a força muscular tão prejudicada que ficam acamados. Médicos, doentes e seus familiares devem entender que se trata de uma doença complexa, com fisiopatologia mal conhecida, que necessita de tratamento para aliviar os sintomas.

Numa enfermidade que afeta tantos órgãos e sistemas, a abordagem deve ser multidisciplinar com neurologistas, cardiologistas, psiquiatras e especialistas em dor. Agora, médicos com experiência em covid longa estão mais preparados para acompanhar esses doentes.

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