Ataxia

Homem apoiado em um andador sendo ajudado por um profissional de reabilitação.

Compartilhar

Publicado em:

Revisado em:

A palavra ataxia significa incapacidade de coordenação e é usada para designar os sintomas de diversas condições neurológicas degenerativas do sistema nervoso.

 

Ataxia, termo que vem do grego “ataxis” e significa incapacidade de coordenação, é a palavra utilizada para designar o grupo de sintomas de uma doença subjacente, não é o nome de uma doença específica ou mesmo um diagnóstico. Sua principal característica é a perda de coordenação dos movimentos voluntários, sintoma que faz parte do quadro clínico de diversas desordens neurológicas.

Movimentos voluntários são aqueles constituídos por ações que planejamos e executamos de forma consciente e organizada, enviando estímulos sensoriais para o cérebro. Por exemplo: Já falei que vou levantar da cama, abrir a janela, beber um gole de café para depois trocar de roupa e correr no parque.

 

Veja também: Esclerose múltipla

 

Ataxia são os sintomas que afetam a coordenação desses movimentos, e pode ser sintoma de diversas condições médicas ou neurológicas degenerativas do sistema nervoso que comprometem os movimentos de várias regiões do corpo — dedos, mãos, braços, pernas, olhos –, o equilíbrio, o tônus muscular, a deglutição e a fala.

É preciso destacar, entretanto, que a palavra ataxia é também utilizada para nomear um transtorno degenerativo específico do sistema nervoso central, causado por alterações genéticas hereditárias que podem afetar homens e mulheres de todas as idades, indistintamente. Em alguns casos, a desordem pode ser reversível, desde que tratada a doença subjacente que causou o transtorno. Nos outros, os danos são progressivos e os recursos terapêuticos se voltam para controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou que 25 de setembro é o dia internacional para sensibilizar as pessoas a respeito desses sintomas e dessa desordem neurológica pouco conhecida, de origem genética e hereditária.

 

Ataxia hereditária, adquirida ou idiopática

 

A condição pode ser hereditária ou adquirida. Nas adquiridas, geralmente as pessoas não têm histórico familiar do distúrbio, porque não existe um componente genético envolvido.

As hereditárias, ao contrário, compreendem um grupo heterogêneo de doenças geneticamente determinadas, causadas pela mutação de um gene que produz proteínas defeituosas e pode ser transmitido de uma geração para a seguinte.

A herança é considerada autossômica recessiva quando a pessoa recebe a mutação nos dois alelos do mesmo gene — um da mãe e outro do pai que não apresentam a doença (mutação silenciosa). Já na forma autossômica dominante, para que a transmissão ocorra e a condição se manifeste, basta que um dos pais seja portador da mutação genética.

Ataxias autossômicas dominantes acometem particularmente o sistema neurológico. As recessivas, além do sistema nervoso central, em geral atacam também outros sistemas, como o cardiovascular, o endócrino, o visual, o sensorial e o motor.

Existem, ainda, formas bastante raras de ataxia ligadas ao cromossomo X e outras determinadas por mutações no DNA mitocondrial.

A causa mais comum da ataxia é uma disfunção do cerebelo (centro da coordenação muscular), estrutura formada por dois hemisférios laterais unidos por uma faixa estreita chamada vérmis. A chamada ataxia cerebelar pode também estar correlacionada com alterações nas vias condutoras para a medula espinhal ou para outras áreas do cérebro.

Nas ataxias adquiridas, a perda da coordenação pode ter diferentes causas. Entre elas, vale destacar: traumas na cabeça, AVC, paralisia cerebral, doenças autoimunes (como a esclerose múltipla), alguns tipos de câncer (pulmão e ovário, especialmente), infecções virais como a catapora, hipotireoidismo e tumores cerebrais.

A ataxia adquirida pode, ainda, estar associada ao uso de certos medicamentos (barbitúricos, sedativos e benzodiazepínicos são alguns exemplos), a algumas classes de quimioterápicos, à carência de vitaminas E e B12, ao consumo de álcool e outras drogas, ao envenenamento por metais pesados (chumbo e mercúrio) e à exposição a solventes.

 

Tipos principais e sintomas de ataxia

 

De acordo com a idade de início dos sintomas e a evolução do processo degenerativo, a ataxia admite a seguinte classificação:

  • Ataxia telangiectasia (AT) ou síndrome de Louis-Bar: Condição hereditária, que acomete bebês e crianças pequenas. O sinal mais comum da doença é o aparecimento de telangiectasias (vasos sanguíneos dilatados, conhecidos popularmente por aranhas vasculares) nos cantos dos olhos e na pele do rosto e das orelhas. O portador do distúrbio apresenta, além das dificuldades motoras progressivas, da fala arrastada e da oscilação rápida e involuntária dos olhos, um comprometimento do sistema imunológico que os torna mais vulneráveis a infecções respiratórias e ao câncer;
  • Ataxia episódica (EA): Existem sete tipos diferentes de ataxia episódica (AE1,2,3,4,5,6,7). Em todos, estão presentes as dificuldades decorrentes da incoordenação motora e a perda do equilíbrio. Tontura, dor de cabeça, muscular e nas articulações, distúrbios visuais, fala enrolada, enjoo e vômito são outros sintomas possíveis da desordem. Embora possam surgir em qualquer idade, em geral, eles aparecem na adolescência e costumam silenciar na meia idade. Os tipos mais comuns são da ataxia episódica são o AE1 e o AE2. No primeiro, os episódios são breves. Duram segundos ou minutos, e são marcados por movimentos súbitos, muitas vezes associados a espasmos musculares. No segundo, a duração pode estender-se de 30 minutos a 6 horas. Tontura, fadiga e fraqueza muscular são sintomas possíveis. Nos dois casos, os episódios podem ocorrer várias vezes no mesmo dia, ou poucas vezes no ano. Estresse, exercícios físicos extenuantes, certos medicamentos e consumo de álcool podem funcionar como gatilho das crises;
  • Ataxia espinocerebelar: Faz parte de um grupo constituído por mais de 100 tipos diferentes de doenças genéticas neurodegenerativas causadas por herança autossômica dominante, que afetam o cerebelo e suas conexões. Parte dos genes responsáveis por essa desordem já foi identificada. As manifestações clínicas surgem, em geral, na vida adulta e variam muito de um tipo para outro da doença. Em comum permanecem a perda progressiva da coordenação da marcha, dos movimentos da mão, dos olhos, os distúrbios da fala e o início tardio das manifestações clínicas. Outros sintomas possíveis são a rigidez muscular, diminuição da sensibilidade nos pés e nas mãos, incontinência urinária, perda da memória e cegueira. Um dos tipos mais conhecidos é a síndrome de Machado-Joseph (ataxia espinocerebelar tipo 3). Muito rara no mundo (de 0,3 a 2 pessoas a cada 100 mil adultos), é frequente na Ilha das Flores, em Açores (1 a cada 140 adultos). Afeta principalmente a coordenação motora e a chance de transmissão para a geração seguinte é de 50%;
  • Ataxia de Friedreich (FRDA): É o tipo mais comum de ataxia genética progressiva, transmitido por via hereditária autossômica recessiva. O início dos sintomas ocorre, geralmente, na infância e adolescência (entre 5 e 15 anos) e, num menor número de casos, na idade adulta. A disfunção é causada por mutações em ambas as cópias do gene FXN, que codifica uma proteína denominada frataxina. Além da dificuldade na coordenação dos movimentos para caminhar, o portador da doença (neste caso, cabe a palavra doença) apresenta sintomas indicativos de comprometimento neurológico. Entre eles, vale destacar a disartria, a perda de reflexos, da força e das sensações nos braços e nas pernas, a rigidez muscular, as deformidades ósseas na coluna e nos pés, o enfraquecimento do músculo cardíaco (miocardiopatia hipertrófica) e diabetes. Memória, raciocínio, cognição, no entanto, permanecem preservados;
  • Ataxia cerebelar idiopática de início tardio (ILOCA): A desordem geralmente se manifesta depois dos 20 anos de idade. Entretanto, nesses casos, a causa das alterações degenerativas progressivas, que acometem o cerebelo, permanece desconhecida.

De acordo com os dados levantados pela Associação Brasileira de Ataxias hereditárias e Adquiridas (ABAHE), a ataxia de Friedreich é a ataxia genética recessiva de maior ocorrência no mundo. Acesse aqui o site da entidade para ler mais sobre cada tipo principal de ataxia.

 

Sintomas típicos das ataxias

 

A ataxia compõe um grupo de doenças raras pouco conhecidas. Muitas vezes, os portadores da desordem são considerados injustamente pessoas inábeis, desatentas, desajeitadas e até dependentes de álcool, por causa da perda progressiva da coordenação motora (que pode afetar os membros superiores e inferiores) e do equilíbrio postural na marcha (andar instável e cambaleante, pés afastados como recurso para aumentar a base de sustentação), tendência a tropeços e a tremores musculares, e da fala pastosa e enrolada.

Em geral, são também sintomas no caso de ataxias cerebelares, a dificuldade para realizar atividades motoras que exigem coordenação fina de movimentos (escrever, comer, abotoar a roupa), fala arrastada e lenta, dificuldade para articular palavras (disartria), diminuição do tônus muscular (hipotonia), oscilação rápida e involuntária dos globos oculares (nistagmo) e dificuldade para engolir (disfagia). Eles podem instalar-se aos poucos ou subitamente.

Como se vê, os sinais clínicos variam muito e estão diretamente relacionados à idade em que aparecem e com o tipo e evolução da desordem, que pode afetar todas as partes do corpo e causar problemas graves de saúde.

Nos estados mais avançados do distúrbio, a locomoção e o equilíbrio podem estar tão prejudicados que a pessoa vai depender de cadeira de rodas ou andadores para se movimentar.

 

Diagnóstico de ataxia

 

O diagnóstico se baseia na avaliação clínica física e neurológica do paciente, no levantamento da história pessoal e familiar da doença e na idade do início dos sintomas. Testes genéticos são úteis 1) para determinar a presença de mutações responsáveis por alguns tipos de ataxias hereditárias, como a ataxia de Friedreich, as telangiectasias e diversas ataxias espinocerebelares, e 2) para orientar o planejamento familiar dos portadores dessa categoria de mutação genética.

Outro exame importante para diagnóstico e identificação do tipo de ataxia é a punção lombar, que inclui a retirada de uma amostra, para posterior análise, do líquido cefalorraquidiano que protege o cérebro e a medula espinhal.

Da mesma forma, exames de imagem, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética ajudam a identificar a presença de anormalidades no cérebro que possam explicar o aparecimento dos sintomas. De acordo com dados fornecidos pela ABAHE, atualmente cerca de 30% das ataxias ainda permanecem sem o diagnóstico definitivo.

 

Tratamento da ataxia

 

O tratamento deve ser conduzido por equipe multidisciplinar, constituída idealmente por neurologista, oftalmologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, nutricionista.

Apesar dos esforços despendidos, ainda não foi encontrado o caminho para a cura definitiva da desordem. O tratamento é sintomático e tem como objetivo retardar a progressão do distúrbio, controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida, garantindo ao portador da disfunção o máximo possível de independência e autonomia para realizar as atividades diárias.

Nos casos em que existe uma doença de base responsável pelo aparecimento dos sintomas, o tratamento deve voltar-se para corrigir a causa desse problema, o que pode tornar o quadro sintomático reversível. Por exemplo, quando a causa é a deficiência da vitamina E ou da vitamina B12, substâncias que nosso organismo não produz, deve ser feita a reposição desses nutrientes através de uma dieta equilibrada, rica em alimentos naturais e, se necessário, com suplementos dietéticos. Ou então, quando a incoordenação motora, a perda do equilíbrio e o comprometimento da fala forem causados pela intoxicação por remédios, tabaco ou abuso de álcool, suspender o consumo dessas substâncias é a conduta terapêutica indicada.

Nos casos mais graves, medicamentos antiespasmódicos, relaxantes musculares e a aplicação de toxina botulínica (botox) podem ajudar a diminuir a rigidez e a contratura muscular que se estabelecem progressivamente e comprometem a mobilidade.

Sempre que possível, a prática de exercícios físicos deve ser mantida, uma vez que, entre outros benefícios, ela é fundamental para fortalecer os músculos e preservar a flexibilidade das articulações.

À medida que a perda gradual dos movimentos progride, bengala, andador, andarilho, cadeira de rodas, cadeira de banho são dispositivos necessários para auxiliar a marcha das pessoas portadoras de ataxia.

 

Recomendações em caso de ataxia

 

  • Procure grupos de pacientes e associações como a ABAHE. As ataxias são muitas, com sintomas bastante diversos, e trocar experiências com pessoas que têm casos semelhantes irá ajudar a conduzir o tratamento da forma mais eficaz;
  • O tratamento de algumas ataxias pode ser dispendioso, por envolver muitos profissionais. Vale a pena procurar todos os serviços públicos disponíveis para obter assistência no máximo possível de especialidades;
  • Pacientes com ataxia de Friedreich, particularmente, devem ter acompanhamento de ortopedista, pois é frequente o desenvolvimento de escoliose e outras condições que podem até requerer cirurgia;
  • A maior parte das ataxias não tem manifestações no coração, mas a ataxia de Friedreich pode provocar alterações cardiológicas; portanto, acompanhamento de cardiologista também é necessário;
  • A fisioterapia é muito requisitada e uma das especialidades mais importantes em casos de ataxia, pois ajuda a preservar a mobilidade e adaptar o sistema motor.

 

Perguntas frequentes sobre ataxia

 

Que especialista procurar?

O primeiro especialista deve ser um neurologista ou, no caso de crianças, um neuropediatra. Conforme a investigação do diagnóstico avança, ele poderá encaminhar para um neurologista especializado em ataxias e outras especialidades que poderão ajudar, como ortopedistas, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, de acordo com cada necessidade específica.

 

Quem tem ataxia pode fazer musculação?

Em geral, sim, a musculação ajuda a fortalecer o tônus, o que é importante para esses pacientes. Contudo, como as ataxias são muito diferentes entre si, é sempre necessário orientação médica para ter certeza de que outra condição causada pela ataxia específica (como alterações cardiológicas importantes) não impede a prática desse tipo de exercício.

 

Fontes

 

Cleveland Clinic/Diseases and Conditions

Mayo Clinic/Diseases and Conditions

Up To Date/ Ataxia de Friedreich

APAHE – Associação Portuguesa de Ataxias Hereditárias

ABAHE – Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias e Adquiridas

National Ataxia Foundation

Instituto de Biociências – Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco

Hospital 9 de Julho

Site www.bengalalegal.com

Site www.lifeder.com/cerebelo-humano/

Site www.hospitalsiriolibanes.org.br/ataxia

Veja mais