A farra do zolpidem: por que tanta gente toma o remédio?

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Publicado em: 19 de outubro de 2023

Revisado em: 19 de outubro de 2023

Zolpidem é um dos medicamentos mais utilizados contra a insônia. No entanto, ele tem efeitos colaterais e não deve ser usado sem orientação médica. Leia na coluna de Mariana Varella.

 

Você provavelmente só escutou falar do zolpidem nos últimos anos, embora o medicamento tenha sido lançado na França em 1988. Isso porque o remédio se tornou mais conhecido a partir de 2007, quando sua patente expirou e a droga pôde ser comercializada por vários laboratórios em sua versão genérica.

De lá para cá, a venda desse hipnótico não benzodiazepínico só cresceu. A Anvisa calcula que foram vendidas 13,6 milhões de caixas de zolpidem em 2018 e 23,3 milhões em 2020 — um aumento de 71% em dois anos.

Veja também: Zolpidem pode causar apagão?

O zolpidem é indicado para tratar determinados casos de insônia, e, segundo a bula do medicamento, deve ser administrado por tempo determinado, em geral algumas semanas. 

De acordo com o Ministério da Saúde, 72% dos brasileiros sofrem de alterações do sono, mas nem todos os casos podem ser classificados como transtorno de insônia crônica, cujos sintomas têm duração média de três anos.

Por induzir o sono por tempo mais curto que os benzodiazepínicos como diazepam e clonazepam, o zolpidem caiu nas graças dos insones que desejam um sono rápido sem efeitos colaterais prolongados.

Embora seja vendido com prescrição médica e retenção de receita, o uso por conta própria do zolpidem e de outros remédios que induzem o sono é comum entre os brasileiros. Não é difícil comprar remédios de uso controlado sem receita pela internet e inclusive em farmácias, graças à falta de fiscalização nesses estabelecimentos.

No caso do zolpidem, a venda não exige receituário azul controlado (para ter esse tipo de receita, os médicos precisam de autorização dos órgãos reguladores) e sim receita branca em duas vias, muito mais fácil de ser obtida. Os benzodiazepínicos, por exemplo, só são vendidos com receita azul.

Muitas pessoas utilizam o zolpidem por um prazo longo, de forma contínua e sem nenhum acompanhamento médico. Isso interfere na criação de hábitos saudáveis de sono e ainda pode colocar a pessoa em perigo devido à chamada amnésia anterógrada, em que  o indivíduo se lembra perfeitamente das ocorrências a longo prazo, porém não se recorda dos acontecimentos recentes. 

Mesmo as pessoas que fazem uso do remédio em situações pontuais, como ao andar de avião, por exemplo, correm risco, pois o zolpidem pode causar alucinação, sonambulismo e outros efeitos indesejáveis perigosos, principalmente para quem está fora de casa.

São relativamente comuns os relatos de pessoas que fizeram compras e postagens inadequadas nas redes sociais, mandaram mensagens, conversaram com amigos e até saíram de casa e não se recordam depois.

Além disso, o medicamento pode induzir dependência e tolerância, fazendo com que as pessoas precisem de doses cada vez maiores para obter o mesmo efeito.

Médicos de outras áreas que não a psiquiatria ou a neurologia têm receitado zolpidem de forma indiscriminada, às vezes por tempo indeterminado. Muitos desses profissionais carecem de conhecimento a respeito do uso correto de hipnóticos (indicação, posologia, tempo indicado de tratamento, etc.)  e seus efeitos colaterais, induzindo os pacientes ao uso abusivo.

 

Riscos do uso do zolpidem

Segundo afirmou o dr.  Fernando Gomes, neurocirurgião, neurocientista e professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em entrevista à jornalista Beatriz Zolin para este Portal, o uso de medicamentos para dormir sem acompanhamento médico pode causar:

  • Piora da qualidade do sono;
  • Dificuldade de memorização;
  • Camuflagem de outros problemas: em muitos casos, quando a insônia é causada por um transtorno como depressão ou de ansiedade, o uso do zolpidem pode ocultar a origem do problema e atrasar o diagnóstico;
  • Dependência química e psicológica: depois de um tempo, a pessoa passa a precisar do estímulo neuroquímico para que o cérebro entre no ciclo do sono. Ela também faz disso um hábito, se desesperando se não tiver o remédio à disposição. É uma situação semelhante à adição do cigarro.

Veja também: Ansiedade noturna: por que algumas pessoas se sentem ansiosas na hora de dormir?

Se a automedicação deve ser sempre evitada, no caso dos medicamentos psiquiátricos os cuidados precisam ser redobrados.

Só use remédios que induzem o sono se você tiver recebido a prescrição médica e sempre respeite as seguintes orientações:

  • Siga as instruções (posologia, horário, tempo de uso etc.) passadas pelo médico, de preferência um psiquiatra, para usar o medicamento;
  • Ao tomar o comprimido, deite na cama imediatamente;
  • Utilize o medicamento apenas pelo tempo receitado pelo médico. Às vezes, o tratamento precisa ser um pouco mais prolongado, mas apenas o profissional especializado poderá orientá-lo. Converse com ele e tire suas dúvidas;
  • Procure o médico caso tenha efeitos colaterais;
  • A longo prazo, adote hábitos de higiene do sono, como ir dormir sempre no mesmo horário, criar um ambiente que induza o sono, desligar aparelhos eletrônicos próximo da hora de dormir, entre outros;
  • Avise o médico se você faz uso de outros medicamentos;
  • Jamais tome bebidas alcoólicas junto com o remédio.

Cada vez mais a ciência vem entendendo a importância do sono para a saúde em geral. Um sono de má qualidade pode provocar mau humor, cansaço, dificuldade de concentração, maior propensão a erros e, a longo prazo, até aumentar o risco de uma série de doenças, como hipertensão. Além disso, dormir mal também pode causar impactos negativos à memória.

Medicamentos podem ser úteis para algumas pessoas que sofrem de insônia, mas nunca devem ser usados por conta própria ou por tempo indeterminado.

Especialistas afirmam que é necessário aumentar o controle sobre a venda do zolpidem e a conscientização acerca dos riscos do seu uso por tempo prolongado.

De fato, os números de venda nos mostram que tanto médicos quanto pacientes precisam de orientação.

 

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