Trombofilia: causas, fatores de risco e tratamentos


Equipe do Portal Drauzio Varella postou em Cardiovascular

mão de médico com luva examina perna de mulher com trombofilia e trombose

Compartilhar

Publicado em: 19 de dezembro de 2023

Revisado em: 27 de dezembro de 2023

Pacientes com a trombofilia têm facilidade para desenvolver trombose mesmo em situações minimamente provocadoras ou sem nenhuma razão identificada.

 

A trombose pode ocorrer por razões relacionadas ao próprio sangue, mas também por causas externas ou em decorrência de outros problemas, como uma compressão externa, um tumor que comprima uma veia, uma posição em que a perna fique dobrada por muito tempo, imobilização prolongada, entre outras situações. A dra. Ana Clara Kneese, coordenadora do Comitê de Hemostasia e Trombose da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, afirma que o termo trombofilia é utilizado para representar processos do sangue que causam a tendência à trombose. Isso significa que o paciente tem facilidade para desenvolver trombose mesmo em situações minimamente provocadoras ou sem nenhuma razão identificada.

        Veja também: Trombose e embolia pulmonar | Cyrillo Cavalheiro

A médica explica que a propensão à trombose baseia-se na “tríade de Virchow”, teoria elaborada pelo patologista alemão Rudolf Virchow e composta por três categorias de fatores que contribuem para a trombose:

  1. Lesão ao endotélio vascular;
  2. Estase venosa (estagnação do sangue na veia, reduzindo o fluxo sanguíneo);
  3. Alterações na constituição do sangue.

“Se houver um fluxo sanguíneo muito baixo, obstruções no fluxo, alterações inflamatórias no endotélio ou aumento da viscosidade sanguínea devido ao aumento excessivo de proteínas, pode ocorrer trombose.”

 

Causas e fatores de risco da trombofilia

Alterações hereditárias, como deficiência de antitrombina 3, proteína C ou proteína S podem aumentar a propensão à trombose. Segundo a dra. Ana Clara, mutações genéticas, como a mutação do gene da protrombina (proteína plasmática que evita a trombose) e o fator V de Leiden (interfere na atuação da proteína C) são mais comuns e também aumentam a tendência à formação de trombos.

“A presença dessas mutações pode resultar em histórico familiar de trombose ou até mesmo em episódios espontâneos em indivíduos mais jovens. Além disso, mutações genéticas, como a mutação do gene da protrombina e o fator V de Leiden, aumentam a propensão à formação de trombos. O gene da protrombina aumenta a produção de trombina, enquanto o fator V de Leiden impede a inibição do fator V, aumentando a formação de fibrina. Essa mutação é muito comum em populações de ascendência europeia e seus portadores não necessariamente terão trombose, mas apresentam uma tendência maior para desenvolvê-la. Quando essa tendência genética é somada a outros fatores, como o uso de estrógenos para pílulas anticoncepcionais ou reposição hormonal, cirurgias, viagens longas e ativação inflamatória intensa, o risco de trombose aumenta ainda mais” afirma a profissional.

A médica também menciona a síndrome do anticorpo antifosfolípide, uma condição adquirida que não tem caráter genético e que aumenta significativamente a tendência à trombose. São indivíduos que podem ter tromboses venosas de repetição ou tromboses em sítios múltiplos, como venosos e arteriais, de forma sequencial ou concomitante. Existem três anticorpos que podem diagnosticar essa síndrome: o anticorpo anticoagulante lúpico, o anticardiolipina e o anti-beta-2 glicoproteína 1. “É necessário ter pelo menos um desses positivos, com a positividade mantida em exame repetido depois de 12 semanas, para definir a síndrome do anticorpo de fosfolípide. Quem tem essa síndrome tem um risco muito alto de repetir a trombose, portanto, em geral, é um paciente que precisa ficar anticoagulado. Na síndrome do anticorpo de fosfolípide, outra situação possível são os abortamentos de repetição. As pacientes com essa síndrome têm um risco maior de insucesso obstétrico ou abortamento em fases precoces ou tardias”, esclarece.

Existem outras causas menos frequentes, como o aumento significativo da cisteína (uma molécula que ajuda na construção de tecidos, músculos, hormônios e enzimas) e alterações no sistema de coagulação, como modificações na função do fibrinogênio, conhecidas como disfibrinogenemia. 

Além disso, elevações sustentadas muito acima do limite superior de normalidade nos fatores 8 e 9 da coagulação também foram descritas. Portanto, essas são circunstâncias em que ocorre tanto um aumento na propensão à formação de fibrina quanto uma diminuição dos anticoagulantes naturais que normalmente controlariam esse processo.

        Veja também: Por que mulheres têm maior probabilidade de ter trombose?

 

Como gerenciar a trombofilia?

Uma estratégia para tratar a trombofilia é evitar situações desencadeantes. Conforme orienta a dra. Ana Clara, em situações de imobilização prolongada, como em voos longos, é recomendado levantar-se, sentar-se em uma cadeira confortável, usar meias elásticas, realizar exercícios nas pernas e manter-se bem hidratado. Já em cirurgias extensas, usar meias elásticas ou um dispositivo de compressão pneumática sequencial para simular o movimento da perna e prevenir trombose. Em situações infecciosas, é crucial manter-se hidratado e controlar a situação da melhor maneira possível.

Outra maneira é indicada para aqueles que já têm trombofilia ou apresentam alterações laboratoriais indicativas, especialmente em situações conhecidas de risco para trombose, como cirurgias. “Conhecer o histórico familiar é essencial para compreender a tendência da família. A pesquisa indiscriminada de trombofilia não é mais indicada; a seleção cuidadosa dos pacientes para investigação laboratorial é crucial, pois a identificação raramente irá alterar a conduta. O histórico familiar ou fatores provocadores podem ser mais determinantes do que a identificação da trombofilia em um paciente que nunca teve trombose”, argumenta a médica.

Em situações de risco, citadas ao longo desta reportagem, as medidas preventivas usuais são: “Pacientes com tendência à trombose, submetidos a uma situação de risco, podem receber medicação anticoagulante temporária. Após o período de risco, a medicação é retirada, e é recomendado evitar situações provocadoras sempre que possível. Além disso, os pacientes são orientados a buscar auxílio médico se surgirem complicações”, assegura.

O gerenciamento da trombofilia envolve a adoção de medidas preventivas gerais, evitando situações de risco ou compensando-as com profilaxia mecânica ou medicamentosa.

 

Trombofilia e genética

Quando utilizada no contexto genético e nas alterações do sistema de hemostasia do indivíduo, a trombofilia apresenta desafios para implementar medidas modificadoras. A dra. Ana ilustra que se o termo for restringido a uma perspectiva mais específica, fica difícil evitar que uma pessoa tenha ou não trombofilia, já que esta é uma condição genética. 

“No entanto, é possível modificar outras situações que possam contribuir para o quadro. Portanto, a modificação da trombofilia é viável quando compreendemos o termo de forma mais ampla, abrangendo qualquer situação potencialmente provocadora de trombose. Embora essa definição seja válida, na prática, quando se fala em pesquisa de trombofilia, geralmente estamos nos referindo a aspectos mais relacionados à composição do sangue e ao sistema hemostático.”

 

Tratamento para a trombose

Condição causada pela trombofilia, a trombose pode ser tratada, de maneira geral, com o uso de medicamentos anticoagulantes, que podem ser administrados de forma oral ou parenteral (através de injeção). Normalmente, a administração parenteral é mais restrita à fase aguda da trombose, à internação hospitalar ou à prevenção durante a gestação e no pós-parto, nas seis semanas seguintes. “Para o restante do tratamento, são utilizados medicamentos orais por serem mais confortáveis e práticos”, pondera a dra. Ana.

Os anticoagulantes orais podem ser diretos, atuando de forma mais específica na cascata de coagulação, ou indiretos, como a varfarina, um antagonista da vitamina K. “A varfarina requer um controle laboratorial mais frequente, o que pode ser um inconveniente para o paciente, enquanto os anticoagulantes diretos possuem uma dose fixa e não necessitam de monitoramento constante. Esses anticoagulantes diretos são eficazes e geralmente apresentam uma segurança um pouco superior em comparação com a varfarina”, considera.

É importante mencionar que a maioria das informações fornecidas refere-se à trombose venosa, que é mais comum. A trombose arterial apresenta características e gravidade diferentes, com alguns pontos distintos. No entanto, ao discutir trombose e trombofilia, normalmente a pessoa se refere à trombose venosa, por ser a manifestação mais prevalente.

 

Sobre o autor: Caio Coutinho é jornalista, gosta de política, futebol, música e cultura pop, mas já escreveu pautas de saúde para o G1. Quer explorar vários temas.

Veja mais