Também conhecida como síndrome mielodisplásica, a mielodisplasia é um câncer que afeta principalmente os idosos.
A mielodisplasia, também chamada de síndrome mielodisplásica (SMD), é um grupo heterogêneo de doenças da medula óssea, o tecido gelatinoso do interior dos ossos responsável por fabricar nossas células sanguíneas – os glóbulos vermelhos (hemácias), os glóbulos brancos e as plaquetas.
Via de regra, a medula funciona como uma fábrica que produz células saudáveis e funcionais. As hemácias transportam o sangue, os glóbulos brancos atuam na defesa e as plaquetas agem na coagulação. A mielodisplasia, no entanto, faz com que a “linha de produção” falhe e comece a gerar células deformadas.
Na prática, é como se uma fábrica de automóveis começasse a desenvolver carros sem rodas, bateria e suspensão, que são componentes essenciais para o funcionamento dos veículos.
Quais as causas da mielodisplasia?
Fernando Michielin Alves, médico hematologista do Instituto de Oncologia do Paraná (IOP) e do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), explica que a mielodisplasia é, primeiramente, uma doença do envelhecimento. Ela ocorre com mais frequência em idosos acima dos 70 anos, principalmente em homens.
“Com o passar dos anos, vamos acumulando diversas mutações (no material genético), e elas acabam condicionando esse erro na formação das células do sangue. A mielodisplasia também pode aparecer em pacientes mais jovens, inclusive na infância, mas, nesses casos, ela é secundária e está associada a alterações genéticas que a criança já nasce”, disse.
As mutações mencionadas pelo dr. Alves são modificações na estrutura do DNA, que podem ocorrer de forma espontânea ou por ações de agentes mutagênicos (compostos físicos e químicos). A exposição prolongada a álcool, alguns medicamentos e produtos químicos, por exemplo, podem contribuir para o surgimento da mielodisplasia, mas dentro de um contexto em que a pessoa já tem uma certa permissividade a eles.
Uma metanálise (estudo que combina resultados de outras pesquisas) publicada em 2014 na revista científica “Plos One” mostrou que, dentre 11 estudos de caso verificados, todos demonstraram uma correlação entre a exposição a pesticidas e um risco maior de mielodisplasia.
Em 2017, outro estudo sobre o assunto, publicado no “International Journal of Cancer”, mencionou associações significativas entre mielodisplasia e leucemia (conjunto de cânceres que atingem os glóbulos brancos) com benzeno (substância presente na gasolina) e cloretos de vinila (composto usado no PVC).
Tipos de mielodisplasia
A síndrome mielodisplásica pode ser classificada por meio do risco, evolução da doença (ela pode se transformar em uma leucemia mieloide aguda), características genéticas e tipo de célula envolvida. Essa última classificação, bastante usada por médicos, ocorre da seguinte forma:
- Mielodisplasia de linhagem única: ocorre quando apenas uma família de células do sangue é afetada – ou as hemácias, ou os glóbulos brancos ou as plaquetas.
- Mielodisplasia com série dupla: acontece quando uma ou duas linhagens de células são afetadas;
- Mielodisplasia de múltiplas séries: ocorre quando os três tipos de células sanguíneas estão com má-formação.
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Sintomas da mielodisplasia
O paciente com mielodisplasia começa a apresentar diminuição da produção de células sanguíneas. Na medicina, essa condição recebe o nome de citopenia. Os sintomas, portanto, vão depender de qual tipo de célula é afetada pela doença.
No caso de síndrome mielodisplásica nos glóbulos vermelhos, por exemplo, o paciente pode ter sintomas de anemia (condição na qual o sangue produz menos hemácias), como fraqueza, cansaço, palidez, tontura, menos disposição, sonolência e falta de ar.
Quando a mielodisplasia está relacionada aos glóbulos brancos, que atuam na defesa do organismo, a pessoa pode ter algumas infecções com mais frequência, principalmente bacterianas.
Já quando a condição envolve a série plaquetária, associada à coagulação do sangue, o paciente tende a ter muitos hematomas na pele e alguns sangramentos maiores do que o normal.
Diagnóstico e tratamento da mielodisplasia
O primeiro exame que pode indicar alguma suspeita de displasia (desenvolvimento fora do normal) é o hemograma, que mostra a qualidade das células do sangue. No entanto, a análise usada para confirmar ou não a presença da mielodisplasia é a biópsia de medula óssea.
Por meio do procedimento, um profissional da saúde retira sangue e um fragmento da medula óssea do paciente. A partir da amostra, são feitas avaliações das características externas da célula, morfologia, anormalidade de formação das linhagens, avaliações genéticas e cromossômicas, entre outros.
Quando a doença é constatada, o tratamento é guiado conforme o risco. No geral, os médicos costumam receitar medicamentos – exemplos são a eritropoetina, o filgrastim e a azacitidina. Alguns pacientes também podem precisar de transfusão regular de sangue.
A partir de determinado nível de gravidade, e dependendo das mutações do material genético, alguns tipos de quimioterapias específicas para subtipos de mielodisplasia também podem ser recomendadas.
Mielodisplasia é câncer?
Sim, a mielodisplasia é um tipo câncer, que inclusive pode evoluir para um comportamento idêntico a uma leucemia. “Ela é um tipo de neoplasia hematológica. A diferença é que a mielodisplasia é um câncer de evolução lenta, e é uma doença crônica, enquanto a leucemia aguda é um câncer da medula óssea de evolução rápida”.
De acordo com o dr. Alves, a quimioterapia é o tratamento de suporte, que prolonga a sobrevida e a qualidade de vida do paciente, mas o único procedimento que pode ser considerado curativo para a síndrome mielodisplásica é o transplante de medula óssea.
Sobre a prevenção, o hematologista disse que é importante evitar fatores que podem aumentar o risco da mielodisplasia, como bebida, benzeno, álcool e chumbo. Mas o mais importante, falou, são estratégias de promoção de saúde.
“É ideal manter o controle do colesterol e fazer atividade física. Além disso, é importante ter contatos periódicos com algum serviço de saúde, pois isso pode levar a uma detecção precoce. Se uma doença de alta risco é detectada de maneira precoce, o prognóstico global do paciente é melhor”, concluiu.
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Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e futuro biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.