Câncer de pulmão e cigarro estão intimamente ligados: Em 90% dos casos acomete os fumantes, e em apenas 10% pessoas que nunca fumaram.
O câncer de pulmão é a mais temível complicação associada ao cigarro. Em 90% dos casos, é uma doença que acomete os fumantes e, em apenas 10%, pessoas que nunca fumaram. No início do século 20, quando a epidemia do cigarro ainda não tinha se disseminado, era uma enfermidade raríssima. Atualmente, é o câncer que mais mata homens e mulheres, já que elas também são suscetíveis desde que se tornaram dependentes dessa droga nefasta.
A fumaça do cigarro contém mais de 4 mil substâncias nocivas ao organismo. Entra pelos brônquios e se distribui no interior do pulmão até alcançar os alvéolos onde fica presa a sujeira que carrega e não há o que a tire dali. Por isso, o pulmão de um fumante adquire esse aspecto negro que pode ser visto na imagens 1A e 1B, ao contrário do pulmão do jovem ou do adulto não fumante, que é rosado. Dos brônquios impregnados pelo tabaco é possível retirar pedaços de grafite com a pinça durante a cirurgia. Eles parecem pontas de lápis que fazem barulho quando jogadas numa bacia cirúrgica de metal.
No entanto, o pior de tudo não é a dificuldade para respirar nem o aspecto físico do pulmão. No cigarro, há substâncias cancerígenas que, no decorrer dos anos, provocam o aparecimento de tumores malignos especialmente nos pulmões.
CÂNCER DE PULMÃO É PRATICAMENTE ASSINTOMÁTICO
Drauzio – Quais os principais sintomas do câncer no pulmão?
Riad Younes – Não há sintomas específicos que caracterizem o câncer de pulmão nos fumantes. Em geral, são semelhantes aos sintomas que eles costumam apresentar durante a vida: tosse, catarro, falta de ar e, às vezes, sangramentos. É óbvio que vale a pena procurar um médico para controle, se a falta de ar tornar-se mais intensa, surgirem dores torácicas, a tosse persistir e mudarem as características das secreções, apesar de esses episódios não serem necessariamente sinais de câncer de pulmão. Diante desses sintomas, também o não fumante deve investigar a causa do problema, embora o risco de câncer seja muito mais raro em pessoas que não fumam.
Drauzio – O fato de não haver sintomas específicos para o câncer de pulmão talvez explique por que os diagnósticos são feitos tão tardiamente se comparados com o de outros tumores. O fumante habitualmente tosse e, se tem uma gripe ou resfriado, tosse mais do que as outras pessoas. Como descobrir que esse sintoma merece cuidados especiais?
Riad Younes – A dica é procurar o médico se o sintoma mudou de características por duas ou três semanas consecutivas. Todo mundo fica rouco de vez em quando. Entretanto, se a rouquidão demorar duas ou três semanas para desaparecer e a tosse continuar diferente, chegou a hora de tomar uma providência e procurar assistência médica.
Infelizmente, a casuística recentemente atualizada do Hospital do Câncer mostra que dois terços dos pacientes que procuram o médico pela primeira vez estão com a doença avançada localmente ou ela já se espalhou pelo corpo. Isso comprova que o diagnóstico de câncer de pulmão costuma ocorrer tardiamente.
Drauzio – Especialmente por isso a doença é tão mortal, não é mesmo?
Riad Younes – Ela é a doença que mais mata homens e mulheres, porque os pacientes procuram ajuda quando resta pouco que fazer.
MÉTODO DE DIAGNÓSTICO DO CÂNCER DE PULMÃO
Drauzio – Quando você recebe alguém e suspeita que seja um caso de câncer de pulmão, que conduta adota?
Riad Younes – Inicialmente, fazemos exames rápidos para auxiliar o diagnóstico. Um simples raios X de pulmão pode revelar a existência de tumores pequenos, com 1c m/1,5 cm. Se o exame físico do doente ou a radiografia sugerirem alguma alteração, pedimos uma tomografia, exame que oferece imagens mais detalhadas da área sob suspeita. A seguir, é fundamental fazer uma broncoscopia, exame semelhante à endoscopia gástrica. O médico introduz um tubo bem fino para olhar se há alguma lesão que lembre câncer na traqueia ou nos brônquios do paciente.
Drauzio – Embora a imagem 2 esteja pouco nítida, dá para perceber uma elevação na parede do brônquio.
Riad Younes – Essa é a imagem de um tumor que está ocupando a parte interna do brônquio, como se uma verruga tivesse crescido dentro dele. Introduzindo o broncoscópio, o médico retira um fragmento desse tecido que cresceu e manda examinar.
Não há como diagnosticar câncer sem biopsia. Mesmo que o paciente seja fumante, a radiografia e a tomografia indiquem alterações com cara de câncer, mas sem a biópsia ninguém está autorizado a dizer para o paciente que ele tem câncer.
Drauzio – O que deve ser observado na imagem 3?
Riad Younes – Nessa imagem aparece um tumor que ocupa parte da entrada de um brônquio. Se essa tumoração crescer um pouco mais, vai bloquear a passagem de ar e uma área do pulmão deixará de recebê-lo. Como consequência, o doente respira com mais dificuldade e tem falta de ar.
A mancha preta que se pode ver na tomografia apresentada na imagem 4 é resultado do ar contido nos dois pulmões. No pulmão direito, a bola grande e irregular que cresce em todas as direções é um tumor que lembra um câncer. Sem biópsia, porém, isso não passa de mera suposição.
Drauzio – Os pulmões têm uma superfície de ventilação muito grande. Se fossem esticados, cobririam uma quadra de tênis. Por isso, um tumor pequeno não interfere no funcionamento pulmonar. Quando o fumante tem a sorte de eliminar sangue na secreção, porque um vaso foi rompido por esse tumor, se assusta e vai ao médico. Caso contrário, o tumor pode crescer silenciosamente durante anos sem apresentar um único sintoma, não é?
Riad Younes – O tumor que aparece na tomografia está no paciente há no mínimo 5 ou 6 anos. É óbvio que ele não sentiu nada durante esse período, se não teria procurado um médico. Esse é um dos grandes problemas do câncer do pulmão. O primeiro sintoma demora muito para se manifestar e, às vezes, quando o faz, já espalhou metástases.
Drauzio – Você poderia explicar a imagem 5?
Riad Younes – É o pulmão preto de um fumante que infelizmente precisou ser retirado inteiro para extirpar o câncer com segurança. A mancha esbranquiçada indica que se trata de um tumor grande, pois além de ocupar espaço no pulmão, está invadindo os brônquios e o pulmão normal a ponto de atrapalhar a função pulmonar.
Drauzio – A pessoa vive bem sem um dos pulmões?
Riad Younes – Depende do estrago que o cigarro provocou. Se formos obrigados a retirar um pulmão daqueles 10% de não fumantes que podem contrair a doença, verificaremos que eles retomam as atividades normais com algumas pequenas limitações. Está claro que não serão atletas olímpicos, mas voltarão a nadar, andar, correr, etc. No dia a dia, é quase imperceptível a perda de um pulmão, se o outro estiver saudável.
O grande problema ocorre com fumantes que perdem um pulmão. Em geral, o que sobrou também está afetado pelos danos do cigarro e a oxigenação fica seriamente comprometida.
Drauzio – A imagem 6 é de um caso bastante avançado. Quase a metade do pulmão está tomada pelo tumor, não é?
Riad Younes – É um caso grave. O tumor já atravessou o pulmão e penetrou na musculatura. A faixa amarela na parte superior indica que um pedaço de músculo aderiu ao tumor e isso dói bastante. A cirurgia não pôde limitar-se em retirar o tumor. Para maior segurança, foi necessário tirar também um pedaço das costelas e dos músculos ao redor do pulmão doente.
PRÉ-REQUISITOS PARA A CIRURGIA DE CÂNCER DE PULMÃO
Drauzio – Na grande maioria dos casos, quando ocorre o diagnóstico, os tumores já não são operáveis. Em que casos a cirurgia é indicada e quais são os resultados?
Riad Younes – Quanto menor for o tumor, melhor. Portanto, quanto mais precoce o diagnóstico, menor a probabilidade de o tumor ter-se espalhado pelo resto do corpo. Se medir 1cm, 1,5cm, conseguimos operar com margem de segurança bastante ampla e a possibilidade de células tumorais terem-se soltado e espalhado pelos outros órgãos é pequena. Por isso, estamos curando mais pessoas atualmente.
Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre a indústria do cigarro
Esse é um fato importante. A cura de câncer de pulmão, se o tumor for pequeno, ultrapassa 80% dos casos ou 90%, conforme o tipo do tumor. Infelizmente é raro pegar a doença nessa fase.
Drauzio – As cirurgias de pulmão, chamadas toracotomias, evoluíram muito nos últimos 20 ou 30 anos. Antigamente, o índice de mortalidade beirava os 10%, ou seja, em cada dez pessoas operadas, uma morria no pós-operatório que era longo e complicado. Que realidade vai encontrar quem precisa ser operado hoje em dia?
Riad Younes – A situação mudou muito nos últimos dez ou quinze anos. Para começar, a incisão para abrir o tórax do paciente está cada vez menor e, em média, não ultrapassa a um palmo ou à largura da mão. E tem mais: agora existem instrumentos mais delicados para trabalhar dentro do peito com mais eficiência e são feitos cortes menores, o que diminui a agressividade da intervenção. Em muitos casos, não cortamos mais as fibras musculares, simplesmente as separamos e, terminada a cirurgia, os músculos voltam para sua posição original. Isso significa que o doente pode voltar logo à atividade, porque não há pontos que possam arrebentar.
Além disso, os anestésicos também evoluíram muito e conseguimos controle transoperatório eficaz para os pacientes fumantes ou com problemas cardíacos. A evolução nos últimos 15 anos foi tamanha, que estamos operando pessoas cada vez mais idosas com sucesso. Hoje, as taxas de mortalidade caíram para 1% ou 2% e continuam diminuindo mais ainda.
Alguns casos muito específicos admitem a cirurgia por videotoracoscopia. Do mesmo modo que na cirurgia da vesícula, são feitos três buraquinhos para retirar nódulos pequenos ou realizar outros procedimentos menores dentro do pulmão. É um método cirúrgico que agiliza o pós-operatório e a recuperação do doente.
Drauzio – Em média, quanto tempo dura a internação hospitalar depois da cirurgia?
Riad Younes – Depende do tipo de cirurgia e de sua extensão. Nas cirurgias de pulmão, o pós-operatório tem a função importante de fazer com que o pedaço de pulmão remanescente expanda e ocupe o máximo espaço possível dentro da caixa torácica. Para tanto, o doente precisa fazer exercícios respiratórios e fisioterapia.
Em média, ele permanece no hospital de três a cinco dias, tempo suficiente para a cicatrização e retirada do excesso de líquido e de ar que possa comprometer o espaço para a expansão pulmonar plena depois da cirurgia.
Se for necessário retirar o pulmão inteiro, o que é raro atualmente, o paciente volta antes para casa, porque não há o que expandir.
Drauzio – A dor no pós-operatório era um problema sério, porque eram feitas incisões imensas para abrir o tórax e a respiração não permitia deixar a região imóvel. Quais os progressos nessa área?
Riad Younes – A dor do corte no tórax é muito intensa. Alias, não conheço nenhuma outra cirurgia que doa tanto. Cada vez que a pessoa respira, dói. Como respiramos 15, 20 vezes por minuto, dói o tempo todo. Felizmente, houve grandes avanços que permitiram minorar o sofrimento desses doentes. Primeiro, a agressividade cirúrgica diminuiu, já que machucamos menos o paciente. Segundo, os remédios para controle da dor evoluíram muito. Terceiro, os anestesistas acrescentaram uma arma poderosíssima no pós-operatório imediato. Colocaram um cateter bem fino na coluna e realizam a anestesia peridural, a mesma que a mulher usa na hora do parto. Os remédios injetados o tempo todo por esse cateter anestesiam a faixa operada, e só ela, e diminuem a necessidade de tomá-los por via oral ou na veia. Essa analgesia é controlada pelo próprio paciente.
Quando ele sente dor, aperta um botãozinho e recebe o medicamento que é liberado por uma máquina. Ainda há desconforto no pós-operatório, mas no dia seguinte da operação a pessoa já consegue caminhar pelos corredores do hospital.
TRATAMENTO PARA OS CASOS NÃO CIRÚRGICOS DE CÂNCER D PULMÃO
Drauzio – Em alguns casos de câncer de pulmão, a cirurgia não é mais possível ou porque o tumor é muito grande, ou porque a condição respiratória está tão comprometida que não permite a retirada de um pedaço do pulmão. Nesses casos, como é conduzido o tratamento?
Riad Younes – Nesses casos, ainda há chances reais de cura, embora em número menor do que nos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico. O avanço da tecnologia atual permite manter vivas essas pessoas por muitos anos.
Podemos oferecer a esses pacientes dois recursos terapêuticos que evoluíram muito: a radioterapia e a quimioterapia. Na radioterapia moderna, um feixe de raios incide sobre o tumor e queima menos os tecidos normais que se situam ao redor, preservando órgãos como coração, esôfago e o próprio pulmão.
Os medicamentos usados na quimioterapia também evoluíram e, associada à radioterapia, ela se mostra bastante eficaz no tratamento desses casos.
Para alguns tipos de tumores, a longo prazo, o tratamento com rádio e quimioterapia alcança o mesmo índice de sobrevida dos pacientes do que o obtido na cirurgia.
Quando já há metástases, isto é, a doença já se espalhou pelo corpo, estudos mundiais têm demonstrado que a quimioterapia representa um benefício importante para os pacientes.
Drauzio – Se o câncer de pulmão for diagnosticado na fase inicial, a cirurgia é o tratamento mais indicado?
Riad Younes – Sem dúvida. Sempre que possível deve-se retirar o tumor. Isso aumenta muito a chance de cura.
Drauzio – Em duas ou três horas, o paciente fica livre do tumor. Com os outros tipos de tratamentos, gasta-se muito mais tempo e aumenta o risco de não conseguir controlar a doença.
Riad Younes – Veja o que acontece com a radioterapia. O doente que não aguenta a cirurgia ou que não quer ser operado, precisa fazer radioterapia durante um mês e meio e quimioterapia por três ou quatro meses. E o tempo prolongado não é o único problema. As chances de cura também são menores.
ORIENTAÇÕES PARA EVITAR O CÂNCER DE PULMÃO
Drauzio – O ideal seria que as pessoas não fumassem. No entanto, a nicotina é uma droga poderosa, mais forte do que a força de vontade da maioria dos fumantes. Para esses indivíduos que fumam há mais de 20 anos, que cuidados são recomendados para evitar o câncer de pulmão, ou pelo menos para diagnosticá-lo precocemente?
Riad Younes – O câncer de pulmão é a mais temível complicação associada ao cigarro. Em 90% dos casos, é uma doença que acomete os fumantes e, em apenas 10%, pessoas que nunca fumaram. No início do século 20, quando a epidemia do cigarro ainda não tinha se disseminado, era uma enfermidade raríssima. Atualmente, é o câncer que mais mata homens e mulheres, já que elas também são suscetíveis desde que se tornaram dependentes dessa droga nefasta.
A fumaça do cigarro contém mais de quatro mil substâncias nocivas ao organismo. Entra pelos brônquios e se distribui no interior do pulmão até alcançar os alvéolos onde fica presa a sujeira que carrega e não há o que a tire dali. Por isso, o pulmão de um fumante adquire esse aspecto negro que pode ser visto na imagens 1A e 1B, ao contrário do pulmão do jovem ou do adulto não fumante, que é rosado. Dos brônquios impregnados pelo tabaco é possível retirar pedaços de grafite com a pinça durante a cirurgia. Eles parecem pontas de lápis que fazem barulho quando jogadas numa bacia cirúrgica de metal.
No entanto, o pior de tudo não é a dificuldade para respirar nem o aspecto físico do pulmão. No cigarro, há substâncias cancerígenas que, no decorrer dos anos, provocam o aparecimento de tumores malignos especialmente nos pulmões.