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Artigo do Drauzio Varella

As consequências do açúcar na gravidez

Grávida sentada na cama, sorrindo e com a mão na barriga, come chocolate. Açúcar na gravidez pode trazer problemas para a saúde
Publicado em 16/12/2024
Revisado em 16/12/2024

Estudo avalia o impacto da restrição de açúcar nos primeiros mil dias de vida, contados a partir da concepção, na incidência de diabetes e hipertensão arterial décadas mais tarde. Leia no artigo do dr. Drauzio.

 

No passado remoto, os açúcares necessários às demandas energéticas do dia a dia vinham das frutas e dos carboidratos presentes nos tubérculos e demais alimentos. Segundo os historiadores, a técnica de solidificar o caldo de cana teria surgido apenas no século 5°, na Índia. Na Europa e no resto do mundo, cristais de açúcar eram considerados iguaria rara até o século 18.

Hoje o açúcar refinado é onipresente. Está em nossas mesas, nos refrigerantes e em quase todos os ultraprocessados que se acotovelam nas prateleiras dos supermercados. Pagamos preço alto pela fartura. O consumo exagerado disseminou condições crônicas pelo mundo inteiro: obesidade, hipertensão arterialdiabetes, insuficiência renal, hepatite gordurosa não alcoólica, síndrome metabólica, problemas neurológicos e outros males que afetam a saúde impõem gastos aos cofres públicos e encurtam a longevidade.

Veja também: Complicações que podem ocorrer na gravidez

As agruras vividas pelos europeus no decorrer da Segunda Guerra Mundial levaram os países a racionar certos alimentos, para evitar a subnutrição e manter o esforço de guerra. A partir de 1940, o Reino Unido adotou a política de distribuir cartões de racionamento e cupons para a compra de carne, açúcar, pão, manteiga, bacon, ovos e chá.

No caso do açúcar, os limites foram rígidos: adultos 40 g/dia, crianças 15 g/dia, crianças até dois anos de idade, zero. Em setembro de 1953, o racionamento foi suspenso. O consumo diário médio que era de 41 g por adulto passou para 80 g e o número de calorias ingeridas todos os dias aumentou (77% do incremento veio do açúcar e dos doces).

Em laboratório, a exposição de roedores ao excesso de açúcar no início da vida tem efeitos duradouros. Embora em humanos as evidências sejam mais limitadas, sabemos que ganhar peso na gravidez aumenta os riscos de obesidade, diabetes e hipertensão arterial na vida adulta dos filhos.

Tadeja Gracner, da Universidade da Califórnia, e colaboradores publicaram na última semana de novembro, na revista “Science”, um estudo em que avaliaram o impacto da restrição de açúcar nos primeiros mil dias de vida, contados a partir da concepção, na incidência de diabetes e hipertensão arterial décadas mais tarde.

Foram estudados aproximadamente 61 mil adultos no período de outubro de 1951 a março de 1956. Cerca de 38 mil tinham sido concebidos e passado os primeiros mil dias durante a vigência do racionamento, no Reino Unido. Concebidos depois da suspensão dessa medida foram cerca de 28 mil.

Ao atingir 60 anos de idade, a prevalência de diabetes entre os que viveram os mil primeiros dias enquanto o açúcar estava racionado foi 35% menor e a de hipertensão arterial 20% mais baixa.

Naqueles que desenvolveram essas condições, a restrição de açúcar teve o poder de retardar por quatro anos a instalação de diabetes e por dois anos a de hipertensão.

A proteção ficou evidente já na vida intrauterina: 1/3 da redução do risco nos que nasceram durante o racionamento foi atribuído ao baixo consumo durante a gestação. O restante veio do consumo depois do nascimento, especialmente a partir dos seis meses de idade, quando são introduzidos os primeiros alimentos sólidos.

Do ponto de vista metabólico, dietas açucaradas aumentam o risco de resistência à insulina e de intolerância à glicose, fatores ligados ao aparecimento de diabetes, especialmente em pessoas com excesso de peso ou obesidade, condições também associadas ao risco de hipertensão. Se acrescentarmos o sedentarismo da vida moderna, teremos completado o conjunto de fatores de risco que tornou as doenças cardiovasculares e o câncer as duas principais causas de morte no Brasil.

Muitas crianças de hoje consomem sete ou mais colheres de chá de açúcar por dia, que é o limite para adultos preconizado pelas normas internacionais. O mais grave é que na adolescência essa quantidade pode triplicar.

Oferecer açúcar ad libitum para crianças da mais tenra idade à puberdade, fases críticas para o desenvolvimento de preferências alimentares, é causa de tolerância a doses altas, compulsões e até de adição pelo resto da vida.

Depois de tudo o que aprendemos sobre os malefícios do uso excessivo de açúcar, não faz sentido continuarmos a abusar dele e a perverter o paladar das crianças.

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