Chamado de tinnitus, o zumbido no ouvido é caracterizado pela percepção de um barulho que na realidade não existe.
Era uma segunda-feira de março de 2023. A autônoma Maria Adercilde Praxedes de Araújo, 53 anos, levantou da cama como de costume, mas havia algo estranho: seus dois ouvidos estavam tampados. Preocupada, pegou o carro e correu para o médico, que constatou a presença de catarro no órgão da audição, causando uma inflamação. Depois de dez injeções e remédios por pouco mais de uma semana, o catarro foi embora, mas deixou no lugar uma surdez, parcialmente corrigida com um tratamento posterior, e um zumbido no ouvido, que ainda persiste.
O zumbido no ouvido, também chamado de tinnitus, é caracterizado pela percepção de um som sem que haja uma fonte ambiental correspondente – ou seja, é um ruído ilusório, fantasma. Pode parecer o barulho de uma cachoeira distante, o apito de um trem, o pio de um passarinho, o zunido de um mosquito, o chiado da televisão, entre outros. “No meu caso, é semelhante àquela fonte de água que a gente compra para os pets”, disse Maria, que não é a única a sofrer com o problema.
Uma revisão sistemática de quase 800 artigos, publicada em agosto de 2022 na revista científica “JAMA Neurology”, mostra que a condição afeta 14% da população mundial adulta – cerca de 740 milhões de pessoas. Desse total, 120 milhões de indivíduos veem o zumbido como um grande problema, especialmente aqueles acima de 65 anos. No Brasil, cerca de 28 milhões dos habitantes sofrem com a condição, segundo dados da Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde.
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Causas do zumbido no ouvido
O zumbido é considerado com mais frequência o sintoma de uma condição subjacente do que necessariamente uma doença. As possíveis causas são variadas, explica a dra. Jeanne Oiticica, médica especialista da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) e chefe do Grupo de Pesquisa em Zumbido do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
De acordo com ela, o zumbido pode surgir por causa de surdez, infecção no ouvido, exposição sonora, uso excessivo de fone de ouvido, anemia, diabetes, estresse, cigarro, doenças autoimunes, problemas na tireoide (glândula localizada na altura do pescoço que produz hormônios responsáveis pelo controle de várias funções do organismo), uso de drogas, bebidas alcoólicas, medicamentos, doenças autoimunes, pressão alta – a lista é grande.
A dra. Jeanne fala que também existe uma espécie de zumbido mecânico, gerado por algum músculo ou vaso que faz um barulho interno que repercute na via auditiva. Não é comum, de acordo com a médica, mas pode ocorrer.
“Nosso corpo é barulhento – temos vasos, nervos e músculos, que são estruturas que se contraem e trabalham o tempo todo. Dentro do sistema auditivo temos conexões que impedem que a gente ouça esses ruídos internos, mas eventualmente uma falha ou um defeito nesse sistema faz com que a pessoa passe a perceber esse sinal interno”, explica.
O ouvido é enervado por vários nervos – no pavilhão auricular, por exemplo, há o nervo vago e o trigêmeo. Água, cera no ouvido, infecção, impactação de corpo estranho, manipulação com hastes flexíveis, afirma a especialista, também podem ativar essas fibras nervosas atipicamente e disparar o zumbido.
Mulheres e idosos, os mais afetados
As mulheres e os idosos normalmente são os mais afetados pelo zumbido no ouvido. Um estudo, publicado em 2014 no “Brazilian Journal of Otorhinolaryngology”, mostrou que a condição acomete 22% da população de São Paulo, seguindo a média nacional. Os sintomas, no entanto, afetam uma porcentagem maior de mulheres (26%) em comparação com homens (17%), aumentando significativamente com a idade.
“As mulheres sofrem ao longo da vida com tempestades hormonais, sangram dez dias por mês, mudam de humor. E não é só TPM – você tem gestação, climatério, menopausa. Como no ouvido há muitos receptores para hormônios femininos e masculinos, com certeza oscilações hormonais interferem”, conta a dra. Jeanne.
No caso da idade, diz a médica, o tinnitus está associado ao envelhecimento das células auditivas. Diferentemente da pele, as células da audição não são trocadas. Elas têm tempo de vida limitado. Além disso, a longevidade da população tem contribuído para aumento da perda auditiva, que está associada ao zumbido.
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Tratamentos para tinnitus
Quando o paciente chega ao consultório com tinnitus, o médico pede exames de sangue para verificar o perfil metabólico, bem como para identificar possíveis marcadores de doenças autoimunes, que também podem gerar zumbido. Investiga-se se a pessoa tem anemia, diabetes, hipertireoidismo, hipotireoidismo, doenças intestinais, lúpus, entre outros.
Além do sangue, os especialistas também costumam pedir exames específicos do ouvido, como audiometria (para avaliar a audição), acufenometria (que ajuda a identificar a frequência e a intensidade do zumbido) e BERA, também conhecido como PEATE, que dá um panorama do sistema auditivo.
“A partir disso, a gente corrige os distúrbios metabólicos. Se tiver anemia, a gente trata, se tiver perda auditiva, a gente reabilita. Podemos corrigir o que está alterado com a farmacoterapia, por exemplo. Para alguns pacientes, a gente pode recomendar psicoterapia, principalmente quando o zumbido surgiu em uma situação de estresse pós-trauma, como a perda de alguém. Em alguns casos, pode ser recomendado também neuromodulação (técnica de estimulação eletromagnética) e terapia sonora”, explica a especialista.
Além dos medicamentos e tratamentos, mudanças no estilo de vida também colaboram com a redução do zumbido. Em 2015, pesquisadores dos Estados Unidos mostraram em um estudo que a atividade física pode ajudar a reduzir o zumbido. Outra pesquisa, publicada em 2020, revelou que uma alimentação balanceada, baseada em saladas, grãos, azeite de oliva, peixes e frutas (dieta mediterrânea), também é benéfica.
Zumbido no ouvido tem cura?
Maria Adercilde conseguiu recuperar 80% da audição, mas o zumbido continua até hoje. “Fui em médicos, psiquiatra, faço terapia e me consultei até com um parapsicólogo, mas até agora nada. Tento mascarar o barulho com o ventilador, durmo com a televisão ligada e tenho um aplicativo de terapia para zumbido no celular. Está sendo difícil lidar com a situação”, compartilha.
Maria é uma das participantes dos cerca de 20 grupos na rede social Facebook que reúne pessoas acometidas pelo tinnitus. Ao mesmo tempo que os membros se ajudam com mensagens de apoio, alguns tentam lucrar oferecendo falsos remédios milagrosos e outros dizem que não há cura para a condição, o que não é verdade.
Em 2020, pesquisadores da Inglaterra e da Austrália publicaram um estudo baseado em dados coletados de um grupo de 168.348 participantes com zumbido no ouvido no Reino Unido. No material, eles mostraram que 18% das pessoas se curaram do problema em um período de quatro anos.
“Na minha experiência clínica, 10% a 15% dos pacientes se curam, 70% melhoram e 20% não respondem não sei por quê. Então, assim, não vale dizer que não tem nada a ser feito, pois tem 1 bilhão de coisas que podemos fazer pelo paciente. Dá para melhorar muito”, finaliza a dra. Jeanne.
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Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e futuro biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.