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IMC: Por que a fórmula não é suficiente para determinar quadro nutricional?

Cálculo foi adotado pela OMS em 1997 como indicador oficial para obesidade. Mas 15 anos depois, pesquisadores apontam falhas e limitações no IMC.
Publicado em 23/11/2022
Revisado em 14/12/2022

Cálculo foi adotado pela OMS em 1997 como indicador oficial para obesidade. Mas 15 anos depois, pesquisadores apontam falhas e limitações no IMC. 

 

Você já deve ter ouvido falar no IMC, Índice de Massa Corporal, popularmente conhecido como uma ferramenta que determina se uma pessoa está ou não está obesa. Ele foi proposto pela primeira vez em 1835, e em 1997, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tornou a fórmula a referência oficial de medida para obesidade. Será que essa matemática ainda faz sentido nos dias de hoje?

 

Como funciona o IMC

O IMC de uma pessoa é o resultado da fórmula que divide o peso (em quilos) pelo quadrado da altura do indivíduo (em metros). Se tiver curiosidade para descobrir o seu, não é preciso fazer essa conta na ponta do lápis, basta acessar a nossa calculadora. O resultado é dividido em seis categorias:

  • 18,5 ou menos: Abaixo do norma;
  • Entre 18,6 e 24,9: Normal;
  • Entre 25,0 e 29,9: Sobrepeso;
  • Entre 30,0 e 34,9: Obesidade grau I;
  • Entre 35,0 e 39,9: Obesidade grau II;
  • Acima de 40,0: Obesidade grau III.

Mas, antes de levar o resultado ao pé da letra e sair do site com um diagnóstico, é preciso entender que o IMC é uma fórmula simplista, útil para estudos epidemiológicos, mas questionada por diversos profissionais que estudam a obesidade no que diz respeito à sua utilidade no diagnóstico individual.

Por esse motivo, diversos estudos realizados nos últimos anos buscaram novas fórmulas capazes de apontar com mais precisão o índice de gordura corporal, além de considerar a composição corporal, distinguindo o que é massa magra (músculos) e o que é gordura. Outro ponto levantado pelas pesquisas é a necessidade de incluir dados como sexo, idade e até mesmo etnia nesse cálculo. 

Em 2012, por exemplo, a nutricionista e pesquisadora Mirele Savegnago Mialich Grecco propôs que o indicativo de obesidade, hoje de 30,0 kg/m2, fosse alterado para 28,38 kg/m2 para homens e 25,24 kg/m2 para mulheres. A tese foi resultado de um estudo realizado durante seu mestrado e doutorado, defendido e aprovado pelo Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. À época, ela justificou.

“Os japoneses já conseguiram a redução do índice deles, que está na faixa de 23 kg/m2. Outros países estudam sua realidade, como nos Estados Unidos. Lá, a principal pesquisa, realizada com mais de 13 mil pessoas, propõe que a classificação de obesidade deve ficar por volta de 25 kg/m2. Levando-se em consideração o IMC tradicional, esse valor, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, atualmente, é o início do sobrepeso.”

A ideia seria ampliar o intervalo entre o sobrepeso e a obesidade em si para atuar na prevenção, principalmente para evitar o desenvolvimento de comorbidades geralmente associadas à obesidade, mas muitas vezes já presentes em indivíduos com sobrepeso, como diabetes, hipertensão e outras. 

Veja também: Número de brasileiros obesos aumentou 60% em 10 anos

 

Riscos da gordura abdominal

Ao perceber que apenas o IMC não era o suficiente para identificar pacientes com risco aumentado para o desenvolvimento de algumas doenças crônicas e cardiovasculares, os estudiosos desenvolveram fórmulas aliadas relacionadas à circunferência da cintura e do quadril. Historicamente falando, o acúmulo de gordura na região abdominal tem sido associado ao aumento da mortalidade e a alta incidência de doenças cardiovasculares.  

Conheça algumas das fórmulas alternativas:

  • Circunferência abdominal: A medida não deve ultrapassar 88 cm nas mulheres e 102 cm nos homens. 
  • Relação cintura-estatura (RCE): Divide a circunferência da cintura pela estatura (altura). Resultados acima de 0,5 indicam alto risco de desenvolver doenças cardiovasculares.
  • Relação cintura-quadril (RCQ): Divide a circunferência da cintura pela do quadril. O valor não pode ser maior que 1,0 nos homens e 0,85 nas mulheres. 

 

RFM: Massa Gorda Relativa

A fórmula RFM é outra possibilidade que leva em conta a circunferência da cintura e a altura, mas, dessa vez, o sexo também entra na avaliação. O Relative Fat Mass (algo como “Massa Gorda Relativa”, em tradução livre) foi apresentado em um estudo publicado na revista científica Nature, em 2018. 

Durante o desenvolvimento do trabalho, os pesquisadores testaram mais de 300 possíveis fórmulas que tinham como objetivo mensurar o índice de massa corporal de um indivíduo. O que fez isso de maneira mais acurada foi o RFM, que driblou os resultados de “falsos magros” (quando uma pessoa tem um IMC regular, mas apresenta alta taxa de gordura na composição corporal) e os “falsos sobrepesos” (quando o IMC está acima do recomendado, mas a maior parte da composição corporal é de músculos).

O estudo, realizado nos Estados Unidos, também chamou a atenção para um ponto fundamental, já levantado pela pesquisadora brasileira em 2012: o RFM, alternativa ao IMC, corrigiu a classificação incorreta de obesidade não apenas entre homens e mulheres, mas principalmente entre americanos descendentes de mexicanos, africanos e europeus. Os resultados confirmam que é importantíssimo considerar os traços étnicos na hora de avaliar a saúde e os riscos aos quais um indivíduo está exposto.  

Também vale destacar que os parâmetros do IMC mudam para crianças, adolescentes e idosos. 

Veja também: Transtornos alimentares: entenda como o padrão de beleza pode ser um fator de risco para anorexia e bulimia

 

O estigma da obesidade

A obesidade é, por si só, uma condição estigmatizada. É uma das poucas na qual o paciente carrega a culpa pelo o que lhe causa sofrimento. Sophie Deram, nutricionista franco-brasileira, doutora pelo Departamento de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), pontua: 

“Sabemos que obesidade não tem nada a ver com força de vontade. É um problema de saúde multifatorial, de modo que questões sociais, culturais, psicológicas, ambientais, comportamentais, emocionais e fisiológicas estão envolvidas com o seu desenvolvimento. É algo muito complexo, não se trata de uma responsabilidade individual”.

A especialista, autora do livro “O peso das dietas”,  é idealizadora do Manifesto Para Um Novo Olhar Sobre a Obesidade, que convida outros pesquisadores e profissionais de saúde a repensarem a abordagem e o tratamento padrão atual dispensado à condição. Nessa linha, Sophie também critica as limitações do IMC e a obsessão por um peso ideal que a fórmula acaba estimulando.

“O IMC geralmente é utilizado no tratamento da obesidade para que as pessoas se encaixem naquela faixa de 18,5 kg/m² a 24,9 kg/m² (o considerado “normal”). Então, se alguém tem 120 kg, mede 1,80 m e tem um IMC de cerca de 37 kg/m², para essa pessoa estar dentro da faixa de peso considerada adequada, ela deveria perder quase 40 kg, o que é mais difícil e desmotivante.”

Segundo a nutricionista, uma perda de 5% do peso corporal já traz ganhos à saúde. Ou seja, se essa pessoa, que inicialmente precisaria perder 40 kg, conseguir perder 6 kg, ela provavelmente irá experimentar melhoras na sua saúde. 

Além de desmotivante, o foco total na perda de peso e em dietas restritivas está associado ao risco aumentado para o desenvolvimento de transtornos alimentares. A dra. Sophie destaca que muitos pesquisadores já estão falando do tratamento e prevenção da obesidade e dos transtornos alimentares de forma conjunta. 

“Atualmente os modos de tratar e prevenir a obesidade são muito focados na perda de peso e no uso de dietas restritivas (em calorias ou tirando grupos alimentares). Mas esses métodos não têm se mostrado efetivos a longo prazo e podem trazer efeitos negativos, como o efeito sanfona, uma grande preocupação com a comida e insatisfação com a imagem corporal”, explica. 

Essa preocupação excessiva e essa insatisfação com a imagem podem levar a comportamentos de risco e transtornos alimentares como anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtornos da compulsão alimentar. É daí que surge a máxima: “Nem toda dieta restritiva gera um transtorno alimentar, mas quase todo transtorno alimentar começa com uma dieta restritiva”.

“Existem pessoas saudáveis de todos os tamanhos e formas. Gosto sempre de recordar a definição de saúde da OMS: ‘saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença’. Assim, para avaliar a saúde, é importante dar atenção não apenas a questões de saúde física, mas também mental e de bem-estar, ver como é o padrão alimentar da pessoa, como ela se sente, como é o seu estilo de vida”, finaliza a dra. Sophie Deram. 

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