Medicamentos inicialmente estudados para o tratamento do diabetes ajudam no emagrecimento, mas não podem ser utilizados por qualquer pessoa, pois os efeitos colaterais são frequentes.
Desde jovem, emagrecer era uma preocupação para Bianca Peres. Entre um tratamento que levou ao ganho de peso e a gravidez das duas filhas, a psicopedagoga tomou vários medicamentos e tentou diversas dietas. Mas, por nunca ter tido muita disciplina com os tratamentos, acabou desenvolvendo obesidade. Em 2017, por indicação de uma endocrinologista, começou a tomar a liraglutida.
A liraglutida é um fármaco utilizado no controle do diabetes e também no da obesidade. Quando chegou ao Brasil, em 2011, era aprovada apenas para o tratamento do diabetes. Mas, como não exigia receita, acabou também se popularizando entre aqueles que desejavam emagrecer. Foi só em 2016 que a substância foi autorizada para o tratamento da obesidade, agora em dosagem diferente.
A liraglutida é aplicada de forma injetável, e as doses aumentam gradativamente a cada aplicação. Bianca, porém, não conseguiu passar da quinta aplicação.
“Eu vomitava muito. Era um vômito violento, daqueles que, se você não chega rápido ao banheiro, vai vomitando pelo caminho. Eu tinha dores, ficava fraca. É um medicamento muito forte”, conta.
Bianca emagreceu 5 quilos durante o mês que fez uso da medicação. “Parei por medo de passar muito mal e deixar minhas filhas desamparadas”, afirma. Sem nenhum outro tratamento, acabou recuperando os quilos perdidos depois de aproximadamente três meses. Ao perceber que o problema era muito mais a compulsão com a comida do que a relação com o peso em si, Bianca apostou na terapia. Hoje, aos 42 anos, mantém uma dieta saudável e acompanhamento psicológico.
Mais recentemente, a semaglutida surgiu com os mesmos propósitos antidiabéticos, mas logo chamou a atenção por seu potencial no tratamento de pessoas com obesidade. Há ainda a metmorfina, que provoca um emagrecimento sutil em pacientes com diabetes tipo 2. Diferentemente da liraglutida, elas não são aprovadas no Brasil com o objetivo de emagrecer.
Ainda assim, desde 2020, tanto a liraglutida quanto a semaglutida estão no topo da lista de medicamentos mais vendidos no país. Muitas vezes, para serem perigosamente administrados por conta própria.
Como os remédios para diabetes fazem emagrecer?
Segundo uma pesquisa do Instituto Ipsos, o Brasil é o país em que as pessoas mais acreditam ter engordado na pandemia – 52% dos entrevistados, contra 31% da média global. Não por coincidência, entre abril de 2020 e abril de 2021, um dos medicamentos que contêm a liraglutida foi o segundo mais comercializado nas farmácias brasileiras. Já a semaglutida saltou de 42° para a 6° mais vendido, de acordo com um levantamento da consultoria IQVIA.
Ambos são da classe dos agonistas de GLP1, o que significa dizer que eles imitam uma substância produzida no organismo que dá a sensação de saciedade. “Esses medicamentos fazem com que os pacientes comam menos e se sintam satisfeitos mais rapidamente. Além disso, também diminuem o movimento da comida em direção ao intestino delgado, fazendo com que ela permaneça mais tempo no estômago, o que ajuda na sinalização da saciedade”, explica a dra. Luana Casari, especialista em Endocrinologia e Metabologia e coordenadora médica do Núcleo de Pesquisa São Camilo.
Em 2021, um estudo da Novo Nordisk publicado no The New England Journal of Medicine descobriu que a semaglutida também apresenta resultados positivos em pacientes obesos, podendo levar à perda de até 15% do peso. Para se ter uma ideia, os demais fármacos utilizados no tratamento da obesidade, como a sibutramina, o orlistate e a própria liraglutida, ficam em torno de 6% a 10%.
Na investigação, todos os voluntários tinham obesidade, mas não diabetes. Além da injeção semanal da semaglutida durante 15 meses, eles também passaram por mudanças no estilo de vida, como uma dieta mais balanceada e prática de exercícios físicos.
Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador, já autorizou o uso do medicamento no combate à obesidade. O Brasil aguarda processo regulatório semelhante por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Enquanto isso não acontece, o fármaco vem sendo vendido sem prescrição médica e até por pessoas que não têm recomendação para o uso.
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Quero emagrecer. Posso tomar?
“Aqui no Brasil, os médicos recomendam a semaglutida com os mesmos critérios aprovados pela FDA: no tratamento de pessoas com diabetes, com obesidade [índice de massa corporal acima de 30] ou com sobrepeso [índice de massa corporal acima de 27] e alguma comorbidade relacionada, como hipertensão ou hipertrigliceridemia”, pontua a dra. Luana.
O medicamento é restrito para gestantes, lactantes, pessoas com problemas no fígado ou pâncreas ou histórico de carcinoma medular de tireoide na família.
Além disso, tanto a semaglutida quanto a liraglutida não são indicadas para quadros isolados de compulsão alimentar, ou seja, aqueles que não têm obesidade ou sobrepeso associados.
A especialista explica que os medicamentos são seguros, mas apresentam um número considerável de efeitos colaterais, como aconteceu com Bianca. São eles:
- Náuseas;
- Vômitos;
- Diarreia;
- Sensação de estufamento;
- Prisão de ventre;
- Dor abdominal;
- Dor de cabeça;
- Fadiga;
- Indigestão;
- Tontura;
- Distensão abdominal;
- Acúmulo de gases (flatulência);
- Arroto (eructação);
- Doença do refluxo gastroesofágico;
- Gastroenterite;
- Hipoglicemia em pacientes com diabetes tipo 2.
“Por isso é tão importante buscar a avaliação profissional. Com o acompanhamento de um médico, a introdução do medicamento é devagar, e os efeitos são observados e cuidados para que o paciente o utilize de maneira segura”, destaca a endocrinologista.
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Os riscos da automedicação
Qualquer uso inadequado, como o intervalo incorreto das injeções ou a má regulação das doses, pode aumentar o risco de reações adversas e, ainda, prejudicar o resultado do tratamento.
Mesmo assim, não é difícil encontrar relatos nas redes sociais de pessoas que aplicam os medicamentos por conta própria apenas com o objetivo de emagrecer. A semaglutida, em especial, tem chamado a atenção porque, além de poder ser comprada sem receita, é aplicada apenas uma vez por semana – diferentemente da liraglutida, cuja injeção é diária.
“Grupos de apoio são importantes no tratamento. Mas, nas redes sociais, a opinião de pessoas que se automedicaram e não tiveram uma experiência positiva pode acabar contaminando outras que teriam um excelente resultado se tratadas com acompanhamento médico”, alerta a dra. Luana.
Outro ponto importante é que, sem a orientação de um profissional, é muito provável que aconteça um novo ganho de peso ao parar de usar o medicamento. Por isso, é preciso associar o tratamento a mudanças no estilo de vida.
“A medicação não é um caminho mais fácil. Ela busca corrigir uma alteração no funcionamento do organismo. Mas, por si só, não resolve o problema”, lembra a endocrinologista.
Dicas para emagrecer de forma saudável
Para ajudar no processo de emagrecimento, a dra. Luana recomenda:
- Reduzir o acesso a alimentos ultraprocessados: Se tiver chocolate, salgadinho e fritura dentro de casa, você vai comer. Quanto mais fácil o acesso, maior a chance de cair na tentação. Por isso, evite comprar esse tipo de alimento.
- Movimentar-se mais: Com a correria do dia a dia, é difícil separar 60 minutos para a prática de uma atividade física. Mas é possível incluí-la de maneira fracionada, por exemplo, 10 minutos duas vezes por dia. Durante o trabalho, ficar em pé ou fazer exercícios nos intervalos das reuniões também pode ajudar.
- Planejar-se na hora de comprar e preparar a comida: Quando for fazer compras, não vá com fome. Leve uma lista e, chegando em casa, planeje as refeições da semana. Deixe os alimentos pré-prontos e só vá descongelando.
- Procurar orientação médica: Não é todo mundo que perde peso apenas com atividade física e dieta. Um médico será capaz de avaliar o seu perfil e, se for o caso, escolher o melhor medicamento para a quantidade de peso que quiser perder.
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