As drogas alteram a forma como o cérebro lida com o prazer, incentivando o uso cada vez mais frequente. Entenda.
A busca pelo prazer é uma característica primitiva que ajudou na sobrevivência da espécie humana até aqui. Também foi a responsável por motivar nossos ancestrais a saírem de suas cavernas em busca de alimento e reprodução. É o que nos incentiva a levantar da cama todos os dias.
Se, antes, o prazer vinha daquilo que garantia a sobrevivência (comida e sexo), hoje ele pode ser encontrado em outras fontes, como sair com os amigos, assistir a um filme, fazer compras, etc. Por outro lado, apesar de proporcionarem uma sensação agradável, nem todas as fontes de prazer são totalmente benéficas. É o caso, por exemplo, do uso de drogas.
Como o cérebro identifica o prazer
As drogas afetam o sistema de recompensa do cérebro, área responsável por receber os estímulos de prazer e transmitir a sensação ao resto do corpo. Tomar um sorvete em um dia quente, por exemplo, pode diminuir a sensação de calor e, por isso, ser prazeroso.
Assim que o cérebro percebe a boa sensação, ele produz a dopamina. Esse neurotransmissor estimula a área tegmental ventral, região que “pede” que você use toda a sua força para continuar aquela ação. Isso ocorre, por exemplo, quando tomamos um sorvete em um dia quente: o cérebro associa, então, que tomar sorvete significa sentir menos calor. E, assim, surge a vontade de repetir o comportamento.
No entanto, a dopamina também percorre outros caminhos e chega ao córtex pré-frontal, o centro racional, que avisa quando você já tomou sorvete o suficiente. Em geral, comer é prazeroso até termos a sensação de saciedade, que indica que o corpo já recebeu o que queria ou precisava. É por isso que, embora exista, a compulsão por comida ou por sexo é mais rara. As drogas, porém, “hackeiam” esse sistema inteligente.
Veja também: Prazer compulsivo | Artigo
Como as drogas usam o sistema de recompensa ao próprio favor
Comer, se apaixonar, encontrar os amigos, fazer exercícios físicos. Apesar de serem fontes de prazer, essas atividades exigem esforço e nem sempre trazem resultados imediatos. É preciso cozinhar, combinar encontros, socializar, ir à academia… Considerando que, como seres humanos, o nosso objetivo é minimizar a dor e maximizar o prazer, o processo até lá pode ser bastante longo.
Já o álcool, a nicotina, a cocaína e outras drogas que geram dependência com mais facilidade agilizam esse caminho e liberam a sensação de prazer quase imediata no corpo, em troca de um esforço mínimo. A nicotina, por exemplo, chega ao cérebro entre 7 e 19 segundos, liberando substâncias químicas que provocam relaxamento e bem-estar. A cocaína injetável tem efeito praticamente instantâneo, porque entra direto na corrente sanguínea.
Dependendo da droga, a repercussão no organismo pode ser depressora, quando diminui a atividade cerebral, fazendo com que a pessoa fique mais desatenta e devagar; estimulante, quando tem o efeito contrário, deixando o indivíduo exageradamente elétrico; e perturbadora ou alucinógena, quando modifica a forma como o cérebro pensa e percebe a realidade.
Ainda que os resultados sejam distintos, todas elas utilizam o sistema de recompensa do cérebro – daí a vontade cada vez maior de repetir a dose.
Porém, nem todo mundo que experimenta alguma droga se torna dependente químico, já que há vários fatores que influenciam a adição, como:
- Histórico familiar (familiares com problemas de uso de substância);
- Idade em que começa a fazer o uso (na adolescência a vulnerabilidade é maior);
- Contexto social (violência doméstica, abusos psicológicos, vulnerabilidade econômica);
- Transtornos mentais (mente vulnerável fica mais suscetível ao vício em drogas e substâncias presentes nos medicamentos);
- Traumas (o estresse pode ser um gatilho);
- E como o organismo reage aos sinais da falta da droga em questão.
Além disso, quanto mais desconforto a ausência da droga causa, maior o risco de desenvolver dependência.
Veja também: Dependência química: neurobiologia das drogas | Artigo
Os efeitos da dependência química
A maneira e o tempo com que a abstinência de cada substância demora para se manifestar no organismo variam. A da nicotina, por exemplo, se dá em questão de minutos. A pessoa fuma e, 20 minutos depois, já se sente irritada, sem concentração, e precisa acender outro cigarro.
Esses sintomas variam de droga para droga, mas, de forma geral, vão desde ansiedade, cansaço, confusão, sudorese, vômitos e irritabilidade até pensamentos suicidas, delírios e convulsões.
Há ainda a fissura, que é a recordação química positiva que o uso da droga traz. Estar no mesmo cenário físico ou psicológico em que a substância foi usada faz com que o cérebro já comece a liberar dopamina, neurotransmissor responsável pelo prazer, o que aumenta ainda mais a vontade de usar a droga. Por isso, uma das recomendações para dependentes em recuperação é evitar os ambientes associados às substâncias.
Outra consequência das drogas é que, ao encontrar um caminho mais rápido e fácil para chegar ao prazer, as fontes “tradicionais” perdem o sentido. Nesse momento, há prejuízo nos estudos, no trabalho e nos relacionamentos pessoais. A única coisa que traz motivação é a próxima dose. A pessoa passa a moldar a vida em função do uso da substância.
A longo prazo, o uso de substâncias químicas afeta o organismo de diversas maneiras: prejudica a memória e a capacidade de concentração, pode provocar problemas cardiovasculares e pulmonares, além de piorar ou desencadear surtos psicóticos e transtornos mentais.
Onde conseguir ajuda?
Se você sente que está enfrentando problemas com o abuso de substâncias químicas, não tenha vergonha de pedir ajuda. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente atendimento ambulatorial, terapia, tratamento medicamentoso e internação, se necessário. Há ainda profissionais capacitados para acompanhamento durante a desintoxicação e ajuda com questões de moradia.
Todo o processo conta com o apoio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs). Basta procurar a unidade mais próxima da sua região.
Veja também: Dicas para ajudar quem quer parar de fumar