Prazer compulsivo | Artigo

jovem fuma maconha em cachimbo de vidro. droga pode gerar prazer compulsivo

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Publicado em: 25 de abril de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Em artigo publicado na revista “Science”, neurocientistas mostram que, por trás do consumo de drogas e das compulsões alimentares, sexuais ou de fazer compras, por exemplo, existe um mecanismo comum de neuroadaptação, o que leva a um prazer compulsivo.

 

Para o cérebro, toda recompensa é bem-vinda, venha ela de uma droga ilícita ou da experiência vivida. Sempre que os neurônios dos centros encarregados de reconhecer recompensas são estimulados repetidamente por substâncias químicas ou vivências que confiram sensação de prazer, existe risco de um cérebro vulnerável ficar dependente delas e desenvolver uma compulsão. Por isso, tanta gente bebe, fuma, cheira cocaína, perde casa em jogo de baralho, come demais, faz sexo sem parar, compra o que não pode pagar e levanta peso compulsivamente nas academias.

Veja também: Entreivsta com especialista sobre dependência química

A palavra dependência vem sempre associada às drogas químicas, ao desespero do dependente para consegui-las, ao aumento da tolerância às doses crescentes e à crise de abstinência provocada pela ausência delas na circulação. A tríade compulsão-tolerância-abstinência, no entanto, não é obrigatória mesmo no caso de substâncias dotadas de alto poder de adição.

A cocaína, por exemplo, droga de uso altamente compulsivo, causa síndromes de abstinência relativamente discretas, desde que o usuário não entre em contato com a droga ou com alguém sob o efeito dela. Apesar de causar dependência, a maconha muitas vezes é consumida esporadicamente, sem que o usuário apresente crises de abstinência dignas de nota. Doentes que tomam morfina para combater dores fortes, em menos de 3% dos casos, desenvolvem obsessão pelo medicamento quando as dores param.

Toda vez que o cérebro é submetido a estímulos repetitivos carregados de conteúdo emocional, os circuitos de neurônios envolvidos em sua condução se modificam para tentar perpetuar a sensação de prazer obtida.

Esse mecanismo, conhecido como neuroadaptação, é arcaico. Quando a abelha penetra uma flor e sente o prazer de encontrar o alimento desejado, é liberado, em seu cérebro, um neurotransmissor chamado octopamina. Quando um adolescente fuma maconha ou cheira cocaína, ocorre, nas terminações nervosas de certas áreas cerebrais, aumento na concentração de dopamina. A semelhança de nomes entre ambos os neurotransmissores traduz a proximidade da estrutura química existente entre as duas moléculas. Apesar de as abelhas terem divergido da linhagem que nos deu origem há mais de 300 milhões de anos, os mediadores da sensação de prazer são quase os mesmos nas duas espécies.

Na seleção natural das espécies, levaram vantagem reprodutiva aquelas que desenvolveram mecanismos de recompensa ao prazer com o objetivo de criar a necessidade de buscar sua repetição. Para o organismo, em princípio, tudo o que traz bem-estar é bom e deve ser repetido. Se não fosse assim, nós nos esqueceríamos de nos alimentar, de fazer sexo ou de procurar a temperatura mais agradável na hora de dormir.

A primeira cachimbada de crack tira de órbita e faz o ouvido zumbir durante meia hora, mas, após alguns dias de uso, o efeito dura menos de um minuto. Pela mesma razão, todo usuário crônico de maconha se queixa equivocadamente de que não existem mais baseados como aqueles de antigamente.

Os estudos para entender o mecanismo de neuroadaptação em resposta aos estímulos repetitivos de prazer levam a crer que os neurônios se organizem em circuitos que convergem para estações cerebrais situadas nas proximidades dos centros que coordenam memórias e emoções. Neurônios situados nessas estações ligadas à recompensa estabelecem conexões com outros que convergem para o chamado centro da busca. Estes, quando ativados, interferem no comportamento, criando forte sensação de ansiedade para induzir o corpo a buscar a repetição do prazer. Por isso o fumante sai da cama atrás de um bar para comprar cigarro, o alcoólatra bebe no horário de trabalho e o craqueiro pede esmola para comprar a droga.

Por um capricho da natureza, entretanto, a estimulação repetida do centro do prazer pode provocar ativação irreversível do centro da busca, de modo que este permanece estimulado mesmo quando o uso da droga já não traz mais prazer nenhum. Em outras palavras, o prazer repetido à exaustão pode disparar o centro da busca irreversivelmente.

É frequente entre os usuários crônicos de drogas o aparecimento de quadros persecutórios em que o dependente imagina ser perseguido pela polícia ou por algum desafeto. No caso da cocaína, da heroína, do crack, da morfina ou do álcool, não é raro surgirem alucinações em que o usuário vê bichos na parede e inimigos embaixo da cama. Nessa fase da adição, nem o dependente é capaz de entender o que o leva a tomar outra dose e a repetir experiência tão dolorosa. O centro da busca assumiu o controle; obriga o dependente a ir atrás de um prazer que não existe mais.

Esse mecanismo neuroadaptativo, associado à tolerância que o organismo desenvolve a doses crescentes de qualquer droga administrada repetidas vezes, constrói a armadilha que aprisiona tantas pessoas no inferno da dependência química. A primeira cerveja deixa o adolescente bêbado; depois de alguns anos, é preciso tomar meia dúzia para obter efeito semelhante. A primeira cachimbada de crack tira de órbita e faz o ouvido zumbir durante meia hora, mas, após alguns dias de uso, o efeito dura menos de um minuto. Pela mesma razão, todo usuário crônico de maconha se queixa equivocadamente de que não existem mais baseados como aqueles de antigamente.

Em artigo publicado na revista “Science”, um grupo seleto de neurocientistas mostra que, por trás do consumo de drogas, das compulsões alimentares, sexuais ou de fazer compras, da cleptomania e do vício do jogo ou de fazer exercícios exageradamente, existe um mecanismo comum de neuroadaptação.

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