Pesquisas demonstram a existência de relações críticas entre câncer e obesidade. Como cerca de ¾ da população americana cai na faixa de excesso de peso ou obesidade, essa ameaça pode superar a do fumo.
A suspeita de que a obesidade aumenta o risco de câncer vem de longe. A disseminação da epidemia de obesidade ocorrida nos últimos vinte anos contribuiu para o aumento atual do número de casos de tumores malignos.
Em 2003, a revista médica de maior circulação, The New England Journal of Medicine, publicou um estudo prospectivo conduzido entre 900 mil americanos que não tinham câncer ao entrar na pesquisa, no ano de 1982.
Os autores examinaram a relação entre os Índices de Massa Corpórea (IMC = peso/altura x altura) e os 57.145 óbitos por câncer ocorridos no período de 1982 a 1998.
Os resultados foram os seguintes:
- Quando comparados com pessoas com peso corpóreo na faixa da normalidade (IMC de 20 a 24,9), homens com IMCs de 40 ou mais apresentaram risco de morrer de câncer 52% mais alto. Nas mulheres com os mesmos níveis de obesidade, o aumento de risco foi de 62%;
- IMCs de 40 ou mais foram claramente associados à morte por câncer de esôfago, cólon, reto, fígado, vesícula biliar, pâncreas, rim, mieloma múltiplo e linfoma não Hodgkin. Embora não significantes estatisticamente, pareceu haver relação também com os óbitos por câncer de mama, útero e ovário e, no sexo masculino, estômago e próstata;
- Com base nessas associações, os autores estimaram que a obesidade na população dos Estados Unidos daquela época seria responsável por 14% de todas as mortes por câncer em homens e por 20% nas mulheres. Desde então, o número de pessoas obesas não parou de subir naquele país.
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Em 2014, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica publicou o primeiro alerta: “As pesquisas demonstram a existência de relações críticas entre câncer e obesidade. Como cerca de ¾ da população americana cai na faixa de excesso de peso ou obesidade, essa ameaça pode superar a do fumo como a principal causa passível de prevenção”.
Clifford Hudis, presidente da sociedade naquele ano, foi enfático: “A epidemia de obesidade poderá neutralizar décadas de esforço de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento do câncer”.
Agora, o grupo de Maria Kyrgiou, do Imperial College London, publicou os resultados de uma análise exaustiva de 204 estudos sobre o tema. Os autores encontraram evidências indiscutíveis de que a obesidade aumenta os riscos de câncer de estômago, cólon, reto, vias biliares, pâncreas, esôfago, mama, endométrio, ovário, rim e mieloma múltiplo.
Nos homens, para cada 5 kg/m2 de aumento do IMC, o risco de câncer de reto sobe 9%, e o das vias biliares 56%. Na menopausa, cada 5 kg/m2 de aumento do IMC acrescenta 11% no risco de câncer de mama.
A obesidade é hoje entendida como causadora de um processo inflamatório crônico, pano de fundo para enfermidades díspares como ataques cardíacos, diabetes, câncer e doenças reumatológicas.
Em publicação recente, a Agência Internacional de Pesquisas em Câncer (IARC) afirmou que, “a despeito das discussões sobre a metodologia empregada nos estudos, a conclusão inevitável é de que prevenir o ganho excessivo de peso na vida adulta reduz o risco de câncer”.
Os mecanismos pelos quais o excesso de tecido adiposo facilita o aparecimento de tumores malignos são variados e mal esclarecidos. Alguns são bem conhecidos, como o contato do suco gástrico com a mucosa do esôfago, causado pela doença do refluxo gastroesofágico. Outros, como os cânceres de mama, ovário, próstata e endométrio, provavelmente envolvam desequilíbrios provocados pelos hormônios secretados pelas células adiposas. Outros, ainda, como é o caso do mieloma múltiplo, percorrem caminhos mais nebulosos.
É possível que exista um mecanismo comum que justifique, pelo menos em parte, o aumento de risco: a inflamação.
Da mesma forma que, na maioria dos tecidos, as células adiposas estão em processo de renovação constante. O organismo se livra das que envelheceram e dos restos mortos de membranas e corpúsculos celulares, atraindo para o local glóbulos brancos especializados nessa função, como os macrófagos, por exemplo.
O afluxo dessas células imunologicamente competentes cria uma inflamação tanto mais intensa quanto maior o número de células adiposas.
A obesidade é hoje entendida como causadora de um processo inflamatório crônico, pano de fundo para enfermidades díspares como ataques cardíacos, diabetes, câncer e doenças reumatológicas, além de outras com alta prevalência no mundo atual.