Catarata é um tipo de lesão ocular que pode prejudicar a visão, porque o cristalino, uma estrutura interna do olho, fica opaca. Saiba mais na entrevista abaixo.
O globo ocular tem o formato de uma esfera e é constituído de três camadas: esclera, coroide e retina. A imagem 1 mostra um olho normal. Ele é protegido pelas pálpebras, pregas dotadas de movimento que permitem abrir e fechar os olhos e na borda das quais estão os cílios. A íris contém pigmentos que dão cor aos olhos (azul, neste caso) e cuja abertura central é a pupila ou “menina do olho”, por onde entram os raios luminosos. A esclera ou “branco do olho” consiste numa camada dura e fibrosa, recoberta por uma membrana transparente chamada conjuntiva, que também reveste a face interna das pálpebras. A córnea é uma camada também transparente e de curvatura acentuada que se situa na frente do olho.
Ainda na imagem 1, um corte longitudinal deixa ver o cristalino, lente natural por onde passam os raios luminosos que entram pela íris, e que tem a propriedade de fazê-los convergir em direção à mácula situada na retina, a parte posterior da câmara do olho. Na retina, há neurônios capazes de captar os estímulos luminosos e enviá-los pelo nervo ótico até o cérebro, mais especificamente até o lobo ocipital, que é considerado o centro da visão, uma das maiores maravilhas da natureza.
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A imagem chega invertida na retina, menor do que o objeto observado e é decomposta em vários traços que caminham através de circuitos especiais pelo nervo ótico: os horizontais por determinados neurônios, verticais e circulares por outros. No cérebro, ela é reconstituída e só então ficamos sabendo se vimos uma criança, uma planta ou um cachorro.
Catarata é um tipo de lesão ocular que pode prejudicar muito a visão, porque o cristalino, que deveria ser bem permeável à passagem da luz, torna-se opaco. Como consequência, os raios luminosos não chegam à retina onde estão os receptores fotossensíveis. Catarata tem tratamento e seus portadores podem voltar a enxergar
CATARATA NA INFÂNCIA
Drauzio — A catarata é uma doença que está associada às pessoas de mais idade, mas ela pode acometer também pessoas mais jovens. Por que ela aparece numa idade mais precoce?
Amaryllis Avakian — A causa mais comum de catarata é mesmo a senilidade, ou seja, o envelhecimento, mas existem crianças que já nascem com a doença. Mães que durante a gravidez, especialmente no primeiro trimestre, tiveram rubéola ou toxoplasmose podem passar a infecção para o feto e a criança nasce com vários problemas oftalmológicos, entre eles a catarata.
Drauzio — O pediatra pode diagnosticar a catarata ainda quando a criança está no berçário?
Amaryllis Avakian — Pode. Aliás, a indicação é fazer o diagnóstico ainda no berçário. É um exame muito simples. O pediatra faz incidir a luz de uma lanterna nos olhos da criança e verifica se a pupila ou menina do olho é transparente. A presença de um reflexo esbranquiçado pode ser sinal de catarata ou até de outras doenças mais graves.
Drauzio — Nesse caso, com que urgência a criança deve ser encaminhada para um oftalmologista?
Amaryllis Avakian — Imediatamente. A catarata no recém-nascido é realmente uma urgência. Se a criança não for operada até os dois ou três meses de idade, especialmente se apenas um olho estiver com o problema, ela poderá nunca ter visão normal na vida.
Drauzio — É importante lembrar que, ao nascer, a falta do estímulo luminoso adequado deixa a criança cega.
Amaryllis Avakian — Exatamente. É preciso propiciar à criança todas as condições para que tenha o desenvolvimento normal da visão e isso depende do estímulo luminoso a que será exposta. Por exemplo, se a pálpebra estiver fechada, ou se a criança for portadora de qualquer outra enfermidade que impeça a luz de entrar pelos olhos e ir estimular o cérebro, sua visão não se desenvolverá.
Drauzio — Uma criança que nasça com um olho comprometido por qualquer motivo, em quanto tempo perderá definitivamente a visão desse olho?
Amaryllis Avakian — No caso da catarata ou de qualquer outra doença (pálpebra fechada ou retina comprometida, por exemplo), cada dia que passa sem receber o estímulo luminoso adequado representa um atraso grande no desenvolvimento da visão da criança. Por isso, o tratamento que pode ser cirúrgico ou clínico deve ser realizado o mais rápido possível, principalmente se o problema for de um lado só. É preciso agir depressa, uma vez que o outro olho estará recebendo estímulo normalmente, o que gera uma diferença muito grande no funcionamento de ambos. Muitas vezes, o tratamento consiste em fechar o olho bom com curativo oclusivo, popularmente conhecido como tampão, para estimular a visão do olho comprometido. Em geral, o prazo para que isso aconteça vai até os 7 anos, mas não se pode esperar até os 6 para tomar as providências necessárias, pois será insuficiente o tempo que resta para igualar a visão nos dois olhos.
O QUE É A CATARATA?
Drauzio — O que é catarata e como enxerga a pessoa que tem essa doença?
Amaryllis Avakian — Catarata é a perda da transparência do cristalino, lente natural do olho que fica atrás da pupila. No início, a pessoa vê como se os óculos estivessem embaçados, como se houvesse uma névoa diante de seus olhos. Tenta limpar as lentes, pisca com força, mas a névoa permanece inalterada. Com a evolução da doença, a pessoa passa a enxergar apenas vultos. Nesse momento, se jogarmos a luz de uma lanterna em seu olho, encontraremos um reflexo esbranquiçado na pupila. Muitas pessoas acham que catarata é uma pele que cresce no canto dos olhos. Isso não é catarata; é pterígeo. A catarata se desenvolve dentro do olho, atrás da pupila que fica branca e opaca só em estágios mais avançados da doença, quando a visão está completamente comprometida e a pessoa enxerga apenas vultos.
Drauzio — Casos de catarata em crianças são bastante raros. Em que fase da vida eles se tornam mais comuns?
Amaryllis Avakian — A causa mais comum é o envelhecimento. Normalmente, a catarata aparece após os 50 anos (catarata senil). No entanto, pode ocorrer em outras faixas etárias provocadas, por exemplo, pelo uso de colírios com corticoides, inflamações intraoculares, ou por acidentes que causam traumatismo nos olhos, como um soco ou os que acontecem no trânsito.
USO DE COLÍRIOS
Drauzio — Colírios com derivados da cortisona não devem ser usados por longos períodos. Em que circunstâncias seu uso é indicado?
Amaryllis Avakian — Eles podem ser usados ocasionalmente e sob acompanhamento médico. Não é raro o oftalmologista receitar um colírio que deva ser pingado nos olhos por sete dias e a pessoa passa a usá-lo sempre que imagina estar com o mesmo problema, sem se dar conta de que a falta de critério na aplicação repetida de um colírio com cortisona pode provocar catarata.
Drauzio — Esses colírios comuns à venda livremente nas farmácias, que as pessoas pingam para refrescar os olhos, oferecem algum risco?
Amaryllis Avakian — Se usados com frequência, esses colírios podem provocar irritação nos olhos porque contêm uma substância vasoconstritora. Por isso, se os sintomas não regredirem depois de terem sido usados uma ou duas vezes por dia por curto período de tempo, as pessoas devem procurar um oftalmologista. Infelizmente, muitas passam a usar o remédio porque ouviram do funcionário da farmácia que é ótimo para deixar os olhos brancos e nem sequer desconfiam que esse aparente benefício pode estar associado à perda definitiva da visão.
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DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Drauzio — Catarata não é uma doença de instalação brusca quando aparece depois dos 50 anos. É um processo lento, progressivo, e a pessoa vai se acostumando com a perda de visão discreta e vagarosa. Isso não retarda o diagnóstico e o tratamento?
Amaryllis Avakian — Retarda muito o diagnóstico. Ainda por cima, temos dois olhos e a doença pode começar por um deles enquanto a visão do outro permanece inalterada. A pessoa só perceberá o que está acontecendo se for ao médico para uma consulta de rotina ou se fechar e abrir alternadamente os olhos e comparar as imagens de cada um.
Drauzio — Catarata não tem tratamento clínico. Faz diferença operar uma pessoa na fase inicial ou na fase avançada da doença?
Amaryllis Avakian — O único tratamento que funciona para a catarata é a cirurgia. Fazê-la na fase inicial ou avançada da doença faz diferença para o paciente. Como você mencionou, a pessoa vai se acostumando com a baixa de qualidade da visão. Não enxerga direito as cores, acha que a televisão perdeu a nitidez e que precisa trocar o tecido do sofá porque está desbotado. Muitas chegam a perder o emprego ou são deslocadas de sua função porque deixaram de enxergar, o que é uma pena, pois não precisariam passar por isso se fizessem um simples exame oftalmológico, uma vez que a cirurgia de catarata possibilita recuperar praticamente 100% da visão.
Drauzio — O pintor francês Claude Monet, que viveu quase 90 anos, retratou em diversos quadros os jardins de sua casa e o mesmo local pintado 20 anos depois deixa evidente a diferença das cores empregadas por ele.
Amaryllis Avakian — As pessoas só percebem que tinham deixado de enxergar direito as cores depois da cirurgia quando voltam distinguir o brilho e a vivacidade de cada tom. Algumas confessam que quase trocaram a televisão, porque achavam que o problema estava no aparelho com defeito.
Drauzio — Feito o diagnóstico de catarata, imediatamente se propõe a cirurgia?
Amaryllis Avakian — Depende do caso. A técnica utilizada até meados de 1990 era totalmente diferente da que se utiliza hoje. Antes esperávamos mais. Falava-se até que o cristalino precisava ficar maduro para a cirurgia ser realizada, porque se fazia uma incisão na córnea de mais ou menos 7mm e o cristalino, que se tornara opaco e enrijecido, era retirado inteiro. O corte necessitava de pontos, o paciente era obrigado a fazer curativos e demorava mais para recuperar a visão.
TÉCNICA CIRÚRGICA ATUAL
Drauzio — Como é feita a cirurgia atualmente?
Amaryllis Avakian — Atualmente, a cirurgia passou por uma revolução tecnológica muito grande e as incisões podem medir menos do que 3 mm. O bisturi que se vê na imagem 2, por exemplo, tem mais ou menos 3 mm de diâmetro e a incisão feita é minúscula, do tamanho suficiente para a introdução do aparelho. A imagem 3 mostra uma incisão acessória de mais ou menos 1 mm na qual são colocados instrumentos para apoiar o olho. A catarata, marcada em vermelho na imagem 4, normalmente não se desenvolve de forma homogênea. Há partes do cristalino em que a doença se manifesta com maior ou menor intensidade.
Para deixar mais claro o processo cirúrgico, vamos comparar o cristalinocom um ovo cozido. Por fora, ele é revestido por uma capa semelhante à casca do ovo na qual é feita uma pequena abertura por onde é solto e retirado, tomando cuidado para preservar intacta sua parte posterior que servirá de apoio à lente que será implantada para corrigir a visão. O aparelho utilizado nessa técnica cirúrgica chama-se facoemulsificador e representou uma revolução na cirurgia da catarata (imagem 5). Não se trata de laser como muita gente pensa.
O aparelho funciona como uma britadeira que tritura e aspira a catarata (a gema e a clara do ovo), sem lesar a parte posterior da “casca” onde será apoiada a lente que substituirá o cristalino. A cirurgia é simples, mas requer treinamento e habilidade do cirurgião para evitar complicações. A imagem 6 mostra que já foi retirada grande parte dos fragmentos pulverizados pelo aparelho e a imagem 7, um esquema da lente que atualmente não tem mais esse formato. É mais arredondada e possui dois prolongamentos chamados hápticos.
Drauzio — Você poderia descrever a lente que substituirá o cristalino e aparece na imagem 8?
Amaryllis Avakian — A lente é redonda e transparente e está dobrada ao meio. Presa na ponta de uma pinça está pronta para ser colocada na parte posterior do cristalino. Se não entrasse dobrada, o corte obrigatoriamente seria maior, mediria 7mm. Na imagem 8 ela já aparece aberta dentro do olho e apoiada na parte posterior do cristalino.
Drauzio –– Com que finalidade essa lente é colocada para substituir o cristalino e ela é igual para todos os pacientes?
Amaryl Avakian — Existe uma medida de lente especial para cadapessoa e sua função é fazer convergir a luz na mácula. No entanto, ela apresenta algumas limitações em relação ao cristalino natural, uma vez que só consegue fazer a convergência para longe. Para enxergar bem de perto, depois que opera catarata, a pessoa precisa de óculos. No entanto, várias pesquisas estão sendo desenvolvidas para vencer essa dificuldade, embora ainda não tenha sido encontrada a lente multifocal ideal para substituir o cristalino danificado pela catarata.
Drauzio — Como em geral a catarata aparece depois dos 50 anos, fase em que a maioria das pessoas usa óculos para enxergar de perto, a mudança não é muito grande.
Amaryllis Avakian — Normalmente o que acontece depois dacirurgia de catarata é a pessoa necessitar de óculos mais fracos para enxergar de longe e dos mesmos óculos para leitura que usava anteriormente. A esperança para dispensar seu uso está no desenvolvimento das lentes multifocais.
Drauzio – Você poderia explicar as imagens 9, 10 e 11?
Amaryllis Avakian – Na imagem 9 é possível observar que a pupilaestá totalmente esbranquiçada e não transparente como deveria ser. A catarata que ali se formou impede a entrada da luz no olho e seu portador não enxerga. A imagem 10 mostra um estágio menos avançado da doença. Observe que há áreas ainda transparentes e outras bem opacas. Se a catarata não for operada nesse momento, evoluirá normalmente e tomara todo o cristalino. A imagem 11 é da pupila vista na imagem 9, só que tirada depois da cirurgia. Ela está de novo transparente e permitindo a passagem da luz.
Drauzio — Antigamente a pessoa que se submetia à cirurgia de catarata passava vários dias no hospital. Hoje, é operada de manhã e vai para casa à tarde. Como é o pós-operatório dessa cirurgia?
Amaryllis Avakian — O pós-operatório é muito mais tranquilo.Antes a pessoa era obrigada a ficar internada, num quarto escuro e, mesmo depois da alta, tinha de voltar várias vezes ao consultório do médico ou ao hospital para fazer curativos. Atualmente, a cirurgia pode ser feita com anestesia local ministrada através de injeção ou de colírios.
Drauzio — O que sente o paciente que toma anestesia local para fazer a cirurgia?
Amaryllis Avakian — Quando se utiliza apenas colírio comoanestésico, o desconforto do paciente é maior porque a luz do microscópio incide diretamente sobre o olho que está sendo operado. A vantagem é que ele sai da sala com o olho aberto, usando os colírios pós-operatórios normalmente e, no máximo em duas semanas, sua visão estará recuperada. Em alguns casos, a pessoa volta até a enxergar bem já no dia seguinte ao da cirurgia.
Drauzio — É possível fazer com que o paciente não sinta dor ou outro incômodo qualquer durante a cirurgia?
Amaryllis Avakian — É possível com sedação e pingando colírios.
Drauzio — Depois da cirurgia, ele sente dor?
Amaryllis Avakian — Não sente nenhuma dor. Se a anestesia foi feitapor injeção, sai da sala com o olho coberto com um tampão. Se foi feita com colírio e sedação, sai com o olho aberto, enxergando e recebe um tampão transparente apenas para proteger o olho contra um trauma qualquer ou para evitar a penetração de um cisco, por exemplo.
RISCOS DA CIRURGIA
Drauzio –– Por que é operado um olho com catarata de cada vez e nunca os dois juntos?
Amaryllis Avakian — Por mais que a cirurgia de catarata tenha sido facilitada e a recuperação seja mais rápida, como todas as outras, ela também pressupõe alguns riscos. Embora tenham diminuído muito, potencialmente eles existem e pode ocorrer uma infecção ou, em casos extremos, cegueira. Por isso, operar primeiro um olho e depois o outro é uma estratégia adotada para preservar pelo menos o olho que não foi operado de alguma complicação.
Drauzio — Quanto tempo deve ser respeitado entre uma operação e outra?
Amaryllis Avakian — Esse tempo é variável. Em geral, quando a visão do primeiro olho operado está perfeita, partimos para a segunda operação. Dependendo da pessoa, o intervalo pode ser de duas semanas ou de um mês, por exemplo.
Drauzio — Quais são os riscos da cirurgia de catarata?
Amaryllis Avakian — Eles vão desde a sensação de areia e vermelhidão no olho até riscos mais graves como perda da visão provocada por processo infeccioso que se instale no pós-operatório.
Drauzio — Com que frequência ocorrem casos mais graves?
Amaryllis Avakian — A porcentagem de casos graves é muito pequena. Menos de 1% dos pacientes apresenta alguma complicação. No entanto, o risco existe e o que se nota hoje é a banalização com que são encarados todos eles. A pessoa operada de manhã quer trabalhar à tarde. “Ah, a cirurgia é fácil e rápida! Então posso reassumir no mesmo dia minhas atividades”, é argumento utilizado frequentemente. Não é bem assim. É preciso tomar certos cuidados. O contato com o ambiente externo aumenta o risco de infecção e, consequentemente, o risco de cegueira.
Drauzio — Esses riscos justificam o medo que algumas pessoas têm da cirurgia de catarata?
Amaryllis Avakian — Acho que não. O importante é procurar um médico capacitado, com experiência na técnica mais moderna da cirurgia da catarata, porque ela ajuda a diminuir muito a possibilidade de complicações.